- O Estado de S. Paulo
O imprevisível ronda o planeta da política. Quando menos se espera, chega devastador, trazendo consigo o poder de gerar perplexidade, assustar, causar comoção. Poder que se expande às alturas quando o ator é um candidato ao posto mais alto da Nação, esbanjando jovialidade, vitalidade, dinamismo, confiança, e desaparece de cena vitimado por uma tragédia aérea. A morte de Eduardo Campos, no fatídico 13 de agosto - a mesma data em que faleceu seu avô Miguel Arraes, em 2005 -, é um forte golpe na fisionomia política brasileira, eis que o perfil do ex-governador, estruturado sobre uma sólida, coerente e vitoriosa carreira pública, reunia potencial para puxar o cordão de mudanças no processo político nos próximos anos.
Um quadro da geração pós-64 (nasceu em 1965), alimentava um sonho, confessado a este escriba há cerca de dois anos, em Comandatuba, na Bahia, por ocasião de um evento reunindo empresários e políticos.
Dizia: "Meu sonho é reunir a geração pós-64 (chegou a citar alguns nomes de grupos e partidos diferentes), fazermos uma grande aliança e tomar as rédeas do País, deixando os nossos mais velhos, que já deram sua cota de sacrifício, descansando com sua aposentadoria". O tom da conversa, incisivo, não deixava dúvidas. Campos achava viável agrupar os representantes de sua geração, compor um formidável programa de mudanças, realizar um pacto com o sistema produtivo e incentivar o ingresso dos jovens na política. A mudança dos costumes políticos tinha de vir de baixo, pela via da formação da juventude, e não por decreto. Ele mesmo, em Pernambuco, diferentemente da escola de seu avô, implantara uma metodologia de gestão voltada para resultados e promovendo, segundo ele, "revolucionária" política educacional. Parecia comprometido com um diferenciado modus faciendi na administração pública.
O fato de ter procurado Marina Silva para compor sua chapa, na condição de candidata a vice-presidente da República, revela a inclinação por perfis inovadores, mesmo sabendo que o escopo da sustentabilidade, defendido com vigor pela ex-senadora, constitui um cardápio pouco palatável ao gosto das massas. A parceria construída expressava avanço e coerência. Ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, essa semente haveria de frutificar, na onda da conscientização sobre o planeta sustentável.
Dito isto, vem a interrogação: e agora, o que acontecerá com a moldura eleitoral, saindo o terceiro grande competidor do pleito presidencial? A primeira resposta parte da ideia de que a comoção com o seu repentino desaparecimento, a começar por Pernambuco, deverá estender-se até as urnas.
Veremos, pois, um forte voto emotivo, ao lado da escolha racional, essa que encontra guarida na cabeça crítica do eleitor disposto a não mais se deixar levar pelo "lero-lero" eleitoreiro. Em segundo lugar, a confiança de Eduardo Campos em Marina Silva, opção que fez questão de bancar contra forte resistência de alas do PSB, a credencia para ser sua substituta. O partido teria de indicá-la candidata da legenda e ela, sob o empuxo das correntes comovidas que banharão o território nacional, ganhará ampla visibilidade, suprindo o estreito espaço na mídia eleitoral (menos de dois minutos).
A natural locução nas ruas e os debates midiáticos formarão ondas de redundância, alçando-a ao primeiro plano da imagem. Sob o manto estético da evangélica Marina estará visível a imagem exuberante de Eduardo, formando um sistema de signos na cabeça do eleitor. É razoável supor que o voto será carreado por dois fenômenos da psicologia, a identificação e a projeção, com os quais os olimpianos e ídolos atraem a atenção das massas.
Será essa carga simbólica suficiente para alterar profundamente o quadro eleitoral? Vai depender do humor social mais adiante. E isso tem que ver com a economia. Algumas hipóteses se apresentam. Se Marina assumir a posição do titular, a maior parcela de votos de Eduardo migrará para ela. Pode, até, vir a encostar em Aécio Neves, reforçando a tese do segundo turno.
E se ela não for indicada pelo PSB ou não aceitar?
Nesse caso, o PSB perderia a condição de terceira via, pelo fato de rejeitar o único nome capaz de galvanizar apoios. Marina, por sua vez, se recolheria ao silêncio. Parcelas do eleitorado iriam para o tucano Aécio e para a presidente Dilma Rousseff (PT). Já se Marina substituir Eduardo, a urna governista terá menos votos. Veríamos, ainda, remodelagem dos discursos e da agenda de candidatos. Sob o véu da perplexidade que cobrirá as próximas etapas da campanha, os candidatos se obrigariam a ser mais contritos, menos extravagantes, mais comprometidos com ideias, menos propensos às firulas.
O fato é que a morte de Eduardo Campos mexe com o ânimo de múltiplas plateias, inclusive a que não o admirava. Identificou-se com as marcas da boa gestão na administração pública.
Resta, ao final, a impressão de que o País perde uma das alavancas de sua modernização institucional. Não por seus feitos em Pernambuco, restritos a quem acompanhou a administração, mas pelos potenciais que reunia e tencionava usar. Seria forte candidato em 2018, caso não fosse vitorioso este ano. Era a estrela de seu partido. Não há perfis à sua altura ou nomes capazes de pegar o bastão que ele empunhava. Não deu tempo de formar quadros, uma de suas metas. Se o Leitmotiv da política é despertar a esperança que dorme na cabeça dos cidadãos, a morte trágica do ex-governador de Pernambuco bate no coração das pessoas como um desalento. Esgarça-se mais uma bandeira da esperança, expande-se a descrença. E, assim, a campanha mais contundente de nossa contemporaneidade perde um dos seus três maiores guerreiros.
O fato é que, se quiser preservar parte do seu legado, o PSB terá de pedir a Marina que segure a onda e torne viável a terceira via. Qualquer outro caminho será mais estreito.
Jornalista, professor titular da USP,
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