- O Globo
Se vai acontecer, não sabemos. Mas a referência do presidente Michel Temer à “democracia da eficiência”, no seu primeiro pronunciamento ao assumir interinamente o cargo, é uma perfeita definição do que a sociedade busca, resumo do que motivou, a partir de 2013, os movimentos populares nas ruas do país.
Eficiência dos serviços públicos — o começo de tudo foi um protesto contra o aumento do preço das passagens — e ética na política e nos investimentos privados, justamente o contrário do que gerou escândalos como o mensalão e o petrolão.
O movimento contra o aumento das passagens não se resumia aos 20 centavos, mas à eficiência dos serviços, à sensação de que se paga muito imposto para uma resposta inadequada dos serviços públicos.
Naquela ocasião, os que lideraram os protestos não tinham o objetivo de transformá-los em movimento contra o governo, pois o Movimento pelo Passe Livre era ligado a diversas organizações sociais que apoiavam o PT.
Tanto que quando perderam o controle das manifestações, que se transformaram em protesto contra a corrupção, contra a ineficiência dos serviços públicos muito além dos ônibus, contra a violência policial, e sobretudo contra o governo petista, seus líderes anunciaram que se retiravam das manifestações.
Na verdade, o Movimento Passe Livre visava uma oposição ao governo tucano em São Paulo, mas tocou num nervo exposto da sociedade, de fato exausta com o custo de governos ineficientes em todos os níveis, não apenas no estadual.
E explodiram pelo Brasil movimentos contra governos estaduais de diversos partidos — sobretudo contra o governo do PT em nível nacional — que, embora não tenham tido força para impedir a reeleição de Dilma em 2014, acabaram desaguando no impeachment, anos mais tarde.
O presidente Michel Temer tem uma leitura correta do que será seu governo, que não permitirá milagres, mas exigirá mudança de hábitos, sem o que a sociedade não lhe dará, o crédito de que necessita.
A primeira fala presidencial teve praticamente tudo o que se esperava: a reafirmação dos programas sociais, referidos nominalmente para que não restassem dúvidas; a garantia de que o combate à corrupção é prioridade, e a Operação Lava-Jato, um símbolo intocável — ontem mesmo o chefe da Polícia Federal foi mantido, o que era imprescindível —, a referência à eficiência administrativa, que trará como consequência um enxugamento da máquina pública, com o desaparelhamento estatal.
O movimento de funcionários do antigo Ministério da Cultura, protestando diante do novo ministro Mendonça Filho, não apenas pelo fim dele mas contra o suposto golpe, é exemplar de como a estrutura ministerial está inchada e politizada.
Mas houve falhas na organização do governo, algumas que ainda podem ser sanadas, como a falta de nomeação de uma mulher, e outras que parecem definitivas, como a nomeação de ministros investigados na Operação Lava-Jato.
Claro que a máquina oposicionista já começa a ressaltar que o ministério Temer tem nove ministros investigados ou citados nas investigações, mas fingem esquecer que todos eles já fizeram parte de diversos ministérios de Lula e Dilma, ou foram líderes no Congresso.
Essas são incongruências de um governo que saiu da costela do que foi afastado, numa parceria que durou a maior parte dos 13 anos de reinado petista, com menor ou maior influência ou destaque. Não fosse o PMDB aquele partido que nunca disputou a eleição presidencial com chances reais, mas esteve sempre próximo ao poder ou, como no governo Dilma, como parceiro prioritário na teoria, mas sempre rejeitado na prática.
Ver hoje petistas de diversas correntes criticar Temer, e o PMDB é risível, diante da parceria formal dos últimos anos. Mas se o governo Temer repetir os erros de governos montados na base do é dando que se recebe e, sobretudo, não revelar os segredos que as caixas-pretas das diversas áreas guardam sobre os desmandos dos petistas, acabará sendo o culpado pela herança maldita que recebeu ao assumir o governo.
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