O primeiro dia de expediente completo do governo do presidente interino Michel Temer foi assim como entrar em casa desconhecida e sem luz — devagar e com cuidado. Não em definições de linha de trabalho, filosofia de administração, mas em anúncio de medidas concretas. Muito compreensível, porque não se pode exigir que o presidente e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por exemplo, saibam ao certo em que estado se encontra a nação. Meirelles foi presidente do Banco Central na primeira gestão lulopetista. Porém faz muito tempo.
Mais do que isso, Temer e equipe recebem não um governo, mas uma caixa-preta, depois de cinco anos de um governo que se notabilizou, entre outras mazelas, por falsear a contabilidade pública, para esconder graves afrontas à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a regras orçamentárias. Por isso, a sua chefe, Dilma Rousseff, está afastada do Planalto, à espera, no Alvorada, da fase de julgamento do seu impeachment.
O dia de ontem foi de entrevistas de novos ministros. Quem atrai mais atenção e expectativa, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, começou cedo, no “Bom Dia Brasil”, da TV Globo, em que foi claro ao explicar que antes de medidas objetivas é preciso conhecer os números reais. Faz muito sentido, tratando-se de sucessores de um governo que usou à larga as técnicas de prestidigitação da “contabilidade criativa”, do secretário do Tesouro Arno Augustin, do ministro da Fazenda Guido Mantega, com o óbvio aval de Dilma, a efetiva responsável mor pela política econômica.
Saber “a verdade” das contas públicas, disse Meirelles, é essencial para reequilibrá-las, o maior problema que tem o país. Logo, Temer. Nem mesmo a proposta de revisão da meta fiscal deste ano, enviada por Dilma ao Congresso, para converter um ilusório superávit num déficit gigantesco de R$ 96 bilhões é confiável. O ministro está preparado para o rombo, que precisa da aprovação do Congresso, ser ainda maior. E isso tem de ser resolvido logo, na semana que vem, para que alguns serviços públicos não venham a ser afetados por falta de verbas.
A acertada preocupação do governo — desdenhada por Dilma e “desenvolvimentistas” — é mudar a perspectiva de insolvência da União. O próprio Banco Central estima que a dívida pública bruta, em sua escalada para chegar a 100% do PIB em 2020, deverá atingir 71,5% este ano. Em 2014, era 52,1%. A velocidade da degradação fiscal, acelerada para Dilma conseguir se reeleger em 2014, impressiona. É o que mostram, acima, os gráficos da evolução da dívida e do aprofundamento do déficit público total, incluindo a conta dos juros da dívida, déficit próximo de elevados 10% do PIB. Sem inverter esta tendência, não voltam o investimento nem o consumo. E mantém-se o desemprego.
Meirelles não esconde que serão tomadas medidas duras. Afinal, o resultado do desarranjo fiscal tem sido a recessão, na faixa dos 8% em dois anos, algo histórico. Ela é tão profunda que tem conseguido conter a inflação. O que não merece comemorações.
O presidente Temer tem pressa. Não apenas porque conta com até seis meses para mostrar trabalho — tempo máximo que Dilma ficará afastada do Planalto, sem ser julgada —, como também a seriedade da crise exige rapidez em ações de choque, de mudanças estruturais.
Daí já se anunciar, enfim, a tardia reforma da Previdência, com o estabelecimento de idades mínimas para a aposentadoria e regras para garantir direitos; e também a desvinculação orçamentária e a desindexação de gastos. Tudo urgente, também para aproveitar a lua de mel do presidente com o Congresso, onde precisará de quórum qualificado para as necessárias alterações na Constituição. Poderia não ser assim, mas o populismo não deixou.
Herança maldita
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