Sob nova direção, o Itamaraty finalmente usou os termos adequados para lidar com as autocracias bolivarianas, que passaram a última década a usufruir da leniência do governo petista enquanto aniquilavam a democracia em seus países. A primeira nota oficial do Ministério das Relações Exteriores sob o governo de Michel Temer serviu para rebater, com dureza, os ataques que a nova administração brasileira sofreu de países latino-americanos como Venezuela e Cuba, que qualificaram o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff como golpe e declararam não reconhecer Temer como presidente interino.
Na nota, que fez referência às manifestações de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, além da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), o Itamaraty acusou esses países de “propagar falsidades sobre o processo político interno no Brasil”, que “se desenvolve em quadro de absoluto respeito às instituições democráticas e à Constituição Federal”.
O Itamaraty deu-se ainda ao trabalho de explicar que “o processo de impedimento é previsão constitucional” e que “o rito estabelecido na Constituição e na lei foi seguido rigorosamente, com aval e determinação do Supremo Tribunal Federal”, de modo que “o vice-presidente assumiu a Presidência por determinação da Constituição Federal, nos termos por ela fixados”.
Houve ainda uma segunda nota oficial, dessa vez direcionada ao secretário-geral da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), Ernesto Samper, para quem o impeachment, se concluído, será uma “ruptura da ordem democrática”, o que poderia levar o bloco a suspender o Brasil. Em tom bastante incisivo, o Itamaraty informou que Samper expressou “juízos de valor infundados e preconceitos contra o Estado brasileiro e seus Poderes constituídos”, fazendo “interpretações falsas sobre a Constituição e as leis brasileiras”. A mensagem qualificou ainda de “interpretação absurda” a presunção de que a democracia estaria em risco e aproveitou para denunciar, corretamente, que Samper, ao se alinhar ao bloco dos bolivarianos contra as instituições brasileiras, agiu de forma incompatível com o mandato que exerce na Unasul. Ontem, o Itamaraty repeliu com redobrado vigor as declarações inexatas e até injuriosas do governo de El Salvador.
A rigor, não havia nenhuma necessidade de dar tantas explicações oficiais, pois, afinal, a tese do “golpe” apenas encontra respaldo entre aqueles que consideram que a lei só deve ser cumprida quando lhes favorece. Mas a ênfase no respeito à democracia e à Constituição era necessária como forma de contrastar o pleno funcionamento das instituições no Brasil ao autoritarismo dos países bolivarianos. Ademais, o tom do comunicado do Itamaraty foi apropriado na medida em que era preciso responder à agressividade do ataque às instituições brasileiras.
Acostumado à brandura do Itamaraty durante os governos petistas, o autocrata venezuelano, Nicolás Maduro, sentiu-se confortável para dizer que Dilma havia sido afastada por um “golpe de Estado parlamentar”. Em suas palavras, foi “uma canalhada” contra Dilma e contra a democracia. Maduro prometeu fazer campanha na América do Sul contra o impeachment. Já a ditadura de Cuba lidera um esforço para denunciar o “golpe” em organismos internacionais, como a Organização Mundial do Comércio e a Organização Internacional do Trabalho. Uma mensagem da diplomacia cubana para essas entidades acusa Temer de ter “usurpado o poder”.
É improvável que a ofensiva de Maduro e da gerontocracia cubana ganhe adeptos, já que o chavismo degenerou de vez numa ditadura, que está destruindo a Venezuela, enquanto Cuba continua a ser Cuba – uma das mais longevas ditaduras em atividade no mundo. Ou seja, ninguém que preze a democracia irá se alinhar a essa gente.
Mesmo assim, faz bem o Itamaraty em marcar uma posição firme a respeito desses liberticidas. Se por um lado é preciso preservar o espaço da diplomacia, mesmo nas mais agudas crises, por outro seria inaceitável continuar a deixar sem resposta as bravatas bolivarianas. Felizmente, parece que os tempos de política externa ditada por interesses de um partido, e não do País, ficaram para trás.
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