quarta-feira, 26 de outubro de 2016

À flor da pele – Editorial / Folha de S. Paulo

Não cabe o termo "esculacho" porque a rudeza não combina com o perfil de Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal. Foram ainda assim duras as palavras que a ministra proferiu durante sessão do Conselho Nacional de Justiça nesta terça-feira (25).

Após afirmar que os integrantes do Judiciário respeitam os membros dos outros dois Poderes, sentenciou: "Queremos também —queremos não, exigimos— o mesmo e igual respeito para que a gente tenha uma democracia fundada nos princípios constitucionais".

Embora o recado estivesse claro, assim como seu destinatário direto, a ministra acrescentou: "Não é admissível que, fora dos autos, qualquer juiz seja diminuído ou desmoralizado. Como eu disse, onde um juiz for destratado, eu também sou. Qualquer um de nós juízes é".

Cármen Lúcia não mencionou o nome de Renan Calheiros (PMDB-AL) dada a óbvia desnecessidade. Um dia antes, o presidente do Senado praguejaracontra uma ação da Polícia Federal autorizada por um "juizeco de primeira instância".

Renan referia-se ao magistrado Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, que determinou a prisão temporária de quatro agentes da Polícia Legislativa do Senado acusados de impedir ou embaraçar investigações no âmbito da Lava Jato.

As imprecações do peemedebista não pararam por aí. Dirigiram-se também a Alexandre de Moraes, classificado de "chefete de polícia". Na sexta-feira (21), o ministro da Justiça defendeu a atuação da PF —a qual, na visão de Renan, empregou "métodos fascistas".

Diga-se, a respeito do episódio, que há algo de nebuloso em relação à operação realizada na sexta. Se parece bastante verossímil a suspeita de que um braço da Polícia Legislativa tenha sido transformado em guarda pretoriana, não se pode descartar a hipótese de exagero por parte do juiz federal.

As varreduras em busca de grampos fazem parte das atribuições da Polícia Legislativa; ademais, discute-se se não deveria partir do STF a ordem para a ação.

Seja como for, a estridência de Renan, em tudo incompatível com a liturgia do cargo que ocupa, revela o quanto seus nervos estão à flor da pele —supõe-se que devido à marcha ininterrupta da Lava Jato, que tem no presidente do Senado um de seus investigados.

Enquanto restringir seu destempero ao campo retórico, fazendo dele uma satisfação à numerosa categoria dos políticos preocupados com a Justiça, Renan provocará apenas um indesejável atrito entre Poderes. Se der um passo além desses limites, contudo, afrontará a Lava Jato. Que o exemplo de Eduardo Cunha sirva de alerta.

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