- O Globo
Mário Soares foi grande. Portugal perde o líder inspirador que ajudou o país a sair do obscurantismo político para entrar no mundo da democracia e das liberdades. Socialista, Mário compreendeu os desafios contemporâneos: foi europeísta convicto e nunca trocou as bandeiras social-democráticas pelas do fundamentalismo de mercado.
Homem do mundo e humanista, foi a vida toda um militante. Com o mesmo entusiasmo com que combateu o salazarismo opôs-se ao colonialismo na África e ao autoritarismo no Brasil.
Como seu amigo e admirador, estive a seu lado inúmeras vezes. Segui-o em Lisboa em sua primeira campanha presidencial. Vi-o, já presidente, em suas viagens administrativas, daquela feita em Coimbra. Senti na ocasião o quanto um líder sincero pode exercer o poder com naturalidade e receber o respeito de seu povo.
Escrevemos juntos, dialogamos por décadas, eventualmente discrepamos, nunca perdemos a amizade, e eu, a admiração por ele.
Quando Mário completou 90 anos, tive a oportunidade de estar no almoço em sua homenagem. Lá estavam os seus: os amigos, dona Maria de Jesus, os filhos e netos. Senti emoção por ter podido falar como amigo e colega de Presidência e expressar o quanto a vida de um grande homem como Mário Soares marcara seu país e marcara também não só além fronteiras, mas além mares, como os antigos navegadores portugueses.
De São Paulo, onde me encontro, registro minha voz de saudade, e também minha confiança de que vidas de tal densidade e alcance deixam marcas indeléveis. Não há tempo que faça esquecer as marcas que homens como Mário Soares deixam em sua passagem pela História. Viverá para sempre na memória e na inspiração que deixou.
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Fernando Henrique Cardoso é ex-presidente da República
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