- Valor Econômico
Faltarão R$ 350 bi para cumprir "regra de ouro" em 2019
O governo está raspando os cofres para cumprir a "regra de ouro" das finanças públicas este ano e há boas razões para acreditar que conseguirá. Para 2019, no entanto, a situação é preocupante. Estima-se, na área econômica, que haverá uma insuficiência de recursos da ordem de R$ 300 bilhões a R$ 350 bilhões para assegurar a obediência à essa regra.
No início deste ano faltavam R$ 203,4 bilhões. Agora ainda há um buraco de R$ 181,9 bilhões para atravessar 2018 sem comprometer o governo com a desobediência de uma norma constitucional.
Para obter esses recursos o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, explicou que conta com R$ 100 bilhões da devolução antecipada do empréstimo do Tesouro Nacional ao BNDES, quase R$ 27 bilhões do Fundo Soberano e outros R$ 16 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) - criado em julho de 1986 com o dinheiro de um empréstimo compulsório sobre consumo de gasolina e álcool que não foi devolvido à sociedade. Os dois fundos (Soberano e FND) acabam.
Cabe ao governo, portanto, encontrar mais R$ 38,9 bilhões e os técnicos oficiais buscam nos cofrinhos de cada repartição pública esses recursos, seja trocando de fontes ou subtraindo outros fundos como fez com o Fistel (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), do qual retirou, este ano, cerca de R$ 7 bilhões de superávit financeiro.
A "regra de ouro" foi colocada na Constituição de 1988 pelo então deputado César Maia, pai do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ela determina que as operações de crédito não podem exceder o valor das despesas de capital (gastos com investimentos, inversões financeiras e amortizações da dívida pública). O governo, portanto, não pode aumentar a dívida pública para financiar despesas de custeio da máquina administrativa, pagar folha de pessoal e benefícios previdenciários, entre outros gastos correntes. Em uma linguagem bem coloquial, não é permitido ao governo vender o almoço para pagar o jantar.
Nos tempos da superinflação, quando a Constituição foi escrita, não havia dificuldade para cumprir essa determinação. No período em que se gerava superávit primário, também não. O problema começou a aparecer em 2016, com a profunda deterioração fiscal que ocorreu a partir de 2013.
Na corrida contra o tempo para garantir o cumprimento da "regra de ouro" este ano, os técnicos têm até o fim de agosto e início de setembro como prazo limite, pois nas "cabeças " do trimestre é que se concentram os pesados vencimentos da dívida interna, explicou Colnago.
Uns R$ 30 bilhões devem ser obtidos com o cancelamento de restos a pagar de obras não realizadas. Outros R$ 7 bilhões foram descobertos por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) numa conta da reserva monetária do Banco Central, relativa aos tempos em que, até 1988, era o BC que recolhia o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), hoje da alçada da Receita Federal.
Está nas mãos do TCU a liberação do uso de "royalties" do petróleo para compor o volume de recursos necessários. Dependendo da forma como o tribunal autorizar o acesso ao superávit financeiro da conta de royalties, a medida poderá render entre R$ 8 bilhões e R$ 12 bilhões. Inicialmente o TCU entendia que esse era um recurso com vinculação constitucional, mas esse entendimento veio mudando ao longo do tempo.
A soma dos restos a pagar mais o IOF e royalties do petróleo pode atingir algo entre R$ 45 bilhões e R$ 49 bilhões. Com receio de ter uma surpresa de última hora, o Planejamento trabalha com uma folga de recursos para assegurar os R$ 38,9 bilhões.
Superado o drama deste ano, as atenções se voltam para a proposta orçamentária de 2019, que será encaminhada em agosto ao Congresso Nacional. Conforme consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que ainda não foi votada, o orçamento terá um volume considerável de despesas obrigatórias cujo pagamento estará condicionado à receita de operação de crédito.
O próximo presidente terá que encaminhar ao Congresso um projeto de lei de crédito especial ou suplementar ao Orçamento que, se aprovado, autorizará à União emitir títulos da dívida para pagar as despesas obrigatórias. As despesas candidatas naturais a ficarem condicionadas são as duas mais pesadas do Orçamento: pagamento de benefícios previdenciários e folha de salários da União.
Isso significa, de certa forma, que a "regra de ouro" fica temporariamente suspensa até que o novo governo, que será eleito em outubro, consiga construir uma solução estrutural para o rombo das finanças públicas.
Há uma discussão entre a área econômica do governo e técnicos do legislativo sobre que despesas poderiam ficar condicionadas à um novo endividamento. Há quem defenda, por exemplo, que os gastos obrigatórios só entrem na lista depois de zeradas as despesas discricionárias. É importante ponderar, nesse caso, que isso significaria um "shut down" - um desligamento da máquina do Estado totalmente desordenado e com consequências imprevisíveis.
Não há, porém, como cumprir a "regra de ouro" sem medidas duras. O dinheiro do pagamento antecipado dos empréstimos ao BNDES acabou, os cofrinhos que ainda existiam estão sendo todos abertos e as moedas contadas.
A solução para 2019 - que pretende dar ao próximo presidente da República um tempo mínimo para equacionar o rombo fiscal - foi buscada na própria Constituição de 1988. Ela permite que o governo emita dívida em montante superior às despesas de capital desde que seja para pagar financiar um gasto específico.
Para tanto, o governo precisa encaminhar ao Congresso um projeto de lei de crédito suplementar que tem que ser aprovado por maioria absoluta. Na proposta devem ser listadas são as despesas condicionadas e, pelo tamanho do gasto que representam. será difícil não incluir os pagamentos de aposentadorias e os salários dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Como se vê, a situação fiscal é dramática e não está claro se os candidatos à presidência têm consciência desse quadro.
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