O governo de Michel Temer durou enquanto os partidos de sua base no Congresso estiveram dispostos a apoiá-lo. O mais impopular dos presidentes perdeu, como era esperado em um ano eleitoral, sua sustentação, incapaz que é de dar a moeda corrente entre parlamentares: "perspectiva de poder". Mas há um terrível interregno a percorrer até 1 de janeiro de 2019. Como mostra a greve dos caminhoneiros, pode ser um período bastante desagradável. Com amadorismo, o governo quase desabou à primeira ameaça.
A incapacidade técnica, administrativa e política do governo é espantosa, pelo menos ante o currículo do núcleo palaciano, supostamente composto por políticos profissionais. A articulação política do Planalto é desastrosa, incapaz até mesmo de cunhar um slogan sério para comemorar dois anos de governo. Como um programa liberal do tipo "Ponte para o Futuro" teve origem no MDB, um partido fisiológico que jamais pensou em privatizações ou austeridade fiscal continua um mistério. O ocaso do governo Temer sugere que o programa buscava obter sustentação dos empresários, enquanto o núcleo íntimo do presidente tentava escapar da Justiça.
Exemplos abundam e o último deles é o arquivamento da privatização a meias da Eletrobras. O partido do presidente, o MDB, ali fincou uma capitania hereditária de empregos, verbas e corrupção, repartida entre donatários longevos, como José Sarney. A MP 814 naufragou na Câmara sem deixar saudades. Era um conjunto de emendas que buscavam impedir a privatização, garantir benesses corporativas e empregos, além de aumentar tarifas para os consumidores. Há argumentos relevantes e sérios contra a privatização da Eletrobras. O que se viu no Congresso, porém, foge a qualquer abordagem republicana do assunto. O governo, que patrocinou a ideia, lavou a mãos.
Com o governo à deriva, problemas cotidianos assumiram status de crises, caso patente do reajuste dos combustíveis. O governo, primeiro por intermédio de Temer, veio a público dizer que a elevação dos preços dos combustíveis trouxe desconforto (político para si, mas não foram estes os termos) e que era preciso algum alívio. Ou seja, a mensagem explícita era a de que o Planalto aceitaria ideias para resolver o problema.
Os caminhoneiros entraram em seguida com seus veículos na estrada. Foram saudados, no limiar de uma série crise de abastecimento, inacreditavelmente, pelo ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, o encarregado de encontrar um "refresco político". Diante da intimidação das estradas, Moreira Franco escreveu artigo em "O Globo" ontem com uma introdução singela: "Chegou a hora da sociedade debater a carga tributária que recai sobre os combustíveis".
É como dizer, diante de uma greve nacional por salários, que "chegou a hora de a sociedade discutir a má distribuição de renda". Para piorar o que já era péssimo, o ministro sugere o título "Não é apenas pelos R$ 0,05", um simulacro do "não é pelos 20 centavos", slogan da revolta de junho de 2013, que marcou o ocaso do governo Dilma e que serve também de réquiem agora - a lembrança faz sentido para quem a sucedeu, "et pour cause", e sugere o mesmo destino.
Além da má hora e da inacreditável referência, há algo mais grave. O governo está aceitando na prática que os caminhoneiros, entre eles e talvez principalmente, grandes empresas de transportes, digam qual deve ou não ser a política tributária do governo, ao ameaçarem manter a paralisação das estradas enquanto não for assinada a isenção da PIS-Cofins sobre o diesel. É inadmissível que isso seja tratado como corriqueiro em meio a um bloqueio de estradas ilegal, assistido placidamente pelo aparato de Estado. Igualmente inadmissível seria a mesma atitude frente a invasões de sem-terra, ocupações de sem teto, greve de polícias civil e militar, funcionários públicos, bloqueios indígenas etc.
O ônus não é apenas do Executivo. O Congresso foge de suas responsabilidades e durante crises é mais omisso ainda. O presidente da Câmara e presidenciável Rodrigo Maia tentou mal ou bem arrumar saída para a crise. Eunício Oliveira, presidente do Senado, se ausentou da Casa para participar de rapapé eleitoral no Ceará, onde se aliou ao PT. Há lógica nesse hospício eleitoral: o Brasil não entrega ao MDB a Presidência desde Sarney, e Temer foi a breve exceção que confirma a regra.
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