- Folha de S. Paulo
Os ditos conservadores brasileiros não se deram conta de que estavam caindo na armadilha da esquerda
Não! Eu não falarei de caminhoneiros contingentes. Meu tema são os condutores necessários do regime democrático.
Que trabalho porco fez isso a que chamam “direita brasileira” quando se ajoelhou aos pés de mistificadores e virou as costas para o país! Que o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e a Justiça cumprissem a sua obrigação e combatessem a corrupção, ora bolas!
Quem haveria de ser contra a não ser os “corruptos por imanência”, já que os “por transcendência” certamente aplaudiriam a nova era, roubando à socapa? Mas que tais entes operassem dentro da lei e não concorressem para dinamitar a política e os políticos.
A obra, no entanto, está feita. E sob os aplausos de boa parte das forças que ajudaram a depor o governo Dilma por justas e boas razões.
Ao se subordinar à agenda do “Partido da Polícia”, os ditos conservadores brasileiros —na maioria, ficou claro, um bando de reacionários destituídos de tudo: de eira, beira, livros e apreço pela democracia— não se deram conta de que estavam caindo na armadilha da esquerda.
Quando se juntaram ao “fora Temer” e aderiram ao golpismo liderado por Rodrigo Janot, permitiram que os esquerdistas fizessem tábula rasa de conquistas reais, efetivas, que tiraram o país do caos em que o petismo o havia jogado. Nota: cadê os “liberais” para declarar que Michel Temer e Pedro Parente fizeram o certo na Petrobras?
O erro não estaria completo se, adicionalmente, não tivessem se tornado reféns do antilulismo delirante. Acreditaram em mistificadores, segundo quem bastaria condenar Lula e trancafiá-lo. E pronto! Também as teses de esquerda estariam atrás das grades.
De quebra, ajudaram a dar caneladas no Estado de Direito à medida que se fizeram entusiastas dos métodos heterodoxos a que se recorreu para tirar o petista do jogo. Acharam ainda que, se saíssem por aí a declarar “In Moro we trust” tudo estaria resolvido. É gente que costuma acreditar também no dólar.
Nessa prefiguração, as forças alinhadas com uma agenda antiesquerdista e fanaticamente lava-jatista disparariam no gosto popular. E o Brasil poderia, então, ser governado por alguém afinado com o Partido da Polícia, liberal em economia e reacionário nos costumes!
Esse novo poder prenderia corruptos de manhã, privatizaria estatais à tarde e daria "blitzen" em exposições de arte à noite, à caça de tarados e artistas abstratos. Felizmente inexiste essa Quimera nascida do cruzamento da sanguinolência jacobinista com o reacionarismo ignorante.
Temer, enfrentando duas tentativas de golpe, levou nos ombros a agenda liberalizante, lutando para aprovar o possível num Congresso que viveu debaixo de vara, sob o assédio do Ministério Público, da Polícia Federal e do Supremo.
Dois anos depois da deposição de Dilma, tem-se o quê? Lula só não será eleito presidente porque está condenado e preso, o que não muda a vontade da maioria do eleitorado, que, ao ser convencido, inclusive pela direita que ronca e fuça, de que “ninguém presta”, decidiu, então, escolher aquele que lhe parece “menos pior”.
Os lerdos ainda não se deram conta de que Ciro Gomes (PDT) já se tornou um porta-voz da agenda do petismo mais atrasado: fim do teto de gastos, reversão da reforma trabalhista, regressão do marco regulatório do pré-sal ao nacionalismo tosco, gestão “nativista” do preço dos combustíveis, imposto sobre herança e grandes fortunas, controle de importados (seja lá o que isso signifique), aversão às privatizações...
Qualquer que seja o resultado da eleição, ela se definirá pela esquerda, ainda que o vitorioso seja Jair Bolsonaro, o antiprivatista. Não será.
Cumpriu-se a maldição, e a esperança se desfez: a Lava Jato se tornou o caminho mais barulhento, mais truculento e mais caro entre o atraso esquerdista e o atraso esquerdista. E uma das protagonistas de obra tão edificante é a direita xucra, que toca flauta para o Partido da Polícia. Acabará também ela na cadeia. E sem habeas corpus. Porque, afinal, ela é contra.
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