sexta-feira, 25 de maio de 2018

Quem pode mais: Editorial | Folha de S. Paulo

Após dia de aflições com abusos da paralisação dos caminhoneiros, acordo é anunciado

Esta não é a primeira vez em que caminhoneiros aproveitam a fraqueza do governo de turno para impor perdas a toda a sociedade com greves truculentas.

Assim se deu em julho de 1999, quando o país vivia uma crise econômica e a popularidade de Fernando Henrique Cardoso definhava. Ao longo de quatro dias, promoveram-se bloqueios de estradas e o desabastecimento de produtos de todo tipo. O Planalto dobrou-se, suspendendo reajustes de preços do óleo diesel e de pedágios.

Mais recentemente, em novembro de 2015, a categoria parou enquanto seus líderes defendiam o impeachment de Dilma Rousseff (PT) —que ainda tardaria alguns meses. Talvez pela impossibilidade de atender a tal pleito, o governo elevou as multas a motoristas que obstruíam as rodovias.

A nova ofensiva dos caminhoneiros tornou esta quinta (24) um dia de aflição para muitos brasileiros.

Faltou combustível e multiplicaram-se filas em postos de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre outros estados; criou-se ameaça de falta de água no Rio; na capital paulista, a operação dos ônibus teve de ser reduzida, e a coleta de lixo, suspensa; o transporte de alimentos foi prejudicado em todo o país.

A tais tormentos e aos abusos dos paredistas —cujo direito ao movimento reivindicatório não se confunde com o propósito explícito de prejudicar a população— as autoridades federais reagiram de forma aparvalhada e submissa, aceitando de pronto a chantagem.

Menos mal que, depois do congelamento temporário do preço do diesel, promovido pela Petrobras, e de acenos do governo Michel Temer (MDB) e do Congresso no sentido de votar a redução de impostos sobre derivados de petróleo, anunciou-se à noite um acordo para suspender a greve por 15 dias.

Entretanto nem todas as entidades envolvidas participaram do entendimento. Mencionam-se, ademais, suspeitas de que o movimento ganhou o apoio de transportadoras de cargas e outras instâncias do patronato interessadas em pressionar o poder público.

O que se pretende é decidir de afogadilho uma questão complexa. Por efeitos do mercado global, os combustíveis encareceram de modo agudo, o que provoca danos inegáveis para o setor.

No entanto a proposta de mitigar tais custos por meio da renúncia tributária ou subsídios orçamentários afeta o conjunto dos contribuintes —todos os cidadãos.

Recorde-se que o Tesouro Nacional depende de dinheiro emprestado até para o custeio cotidiano; abrir mão de receita significa fazer mais dívida a ser paga no futuro.

Cabe à política, sem dúvida, arbitrar conflitos do gênero. Diante da pequenez mostrada até aqui por governantes e legisladores, porém, deve-se temer que essa e outras demandas acabem em regra decididas em favor de quem pode mais.

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