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Passo em falso
Dê-se de barato, quando nada só para argumentar, que havia prova de sobra no processo do tríplex do Guarujá para condenar o ex-presidente Lula como o fez o juiz Sérgio Moro. Não é o que dizem centenas de juristas, mas tudo bem. É jogo jogado. Sobre o sítio de Atibaia, caso a ser julgado em breve, até petistas coroados admitem que o processo esteja estufado de provas e que Lula não escapará a outra condenação.
Mesmo assim, convenhamos: ao aceitar ser ministro da Justiça do futuro governo de Jair Bolsonaro, Moro ofereceu de graça aos seus detratores farta munição para que o ataquem, e também à Lava Jato. E para que lancem dúvidas sobre sua isenção. O juiz que removeu Lula do caminho de Bolsonaro acolhe feliz da vida o convite para servir àquele que mais se beneficiou de suas sentenças. Esquisito, não? Para dizer o mínimo.
Moro havia jurado mais de uma vez nos últimos anos que jamais entraria para a política e que sua vocação era de magistrado. Deu o dito pelo não dito, mas até aí problema dele. Cada um emporcalha ou lustra ao seu gosto a própria imagem. Acontece que Moro de há muito deixara de ser apenas um juiz destemido que teve a coragem de bater de frente com a corrupção. Por seus méritos, fora alçado à condição de uma ideia.
A saber: ideia de que a força de vontade, se amparada em bons propósitos, pode vencer o mal; ideia de que a justiça, por mais que subordinada a interesses poderosos, preserva a capacidade de se impor em momentos exemplares; por fim, ideia de que apesar da vergonha e da frustração com seus líderes, o povo conserva a força de varrê-los e de promover mudanças na hora que quiser.
É cedo para concluir que tais ideias foram ou irão pelo ralo. Mas não é cedo para supor que elas possam ter sofrido um forte abalo. Um dos atributos da magistratura é sua independência. Outra, o apartidarismo. O juiz que se descobre mais afinado com a política do que com a toga tem o direito de trocar de lado. Mas para que faça isso sem ferir a sensibilidade coletiva há que se dar algum tempo. Moro não se deu, e nem a ninguém.
O juiz que outro dia deu as costas no aeroporto de Brasília ao capitão faminto por notoriedade que lhe batia continência foi o mesmo que voou apressado ao encontro do capitão eleito presidente para lhe bater continência como um soldado raso diante de um superior. Conceda-se que não o fez encantado com o posto que lhe ocupará por dois anos, mas sim com a vaga de ministro a ser aberta no Supremo Tribunal Federal.
E daí? Só jogador de futebol muda de camisa da noite para o dia à primeira proposta de subir na carreira. A Lava Jato, por artes e manhas do próprio Moro, ganhou uma dimensão histórica que não deveria ter sido maculada por qualquer ação do seu principal responsável. Ela vai muito além da roubalheira que descobriu, da dinheirama que recuperou e dos criminosos de alto quilate que puniu recolhendo-os ao xilindró.
Gerações de juízes em formação, e as futuras, ouvirão falar muito do momento em que um grupo de servidores da lei ousou escancarar os vícios de um sistema político em acelerado processo de degradação. Infelizmente, também ouvirão falar do momento em que o esforço tão admirável de passar o país a limpo levou um tranco formidável por conta do ato de um servidor que decidiu se servir e foi promovido a serviçal.
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