domingo, 31 de março de 2019

Após crise, governo ameniza tom e quer manter indicações políticas

Ministro contesta termo 'velha política' e diz que aliados terão relação especial com o Planalto

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Ministros e auxiliares de Jair Bolsonaro (PSL) iniciaram um movimento explícito de correção de rumos depois da crise aberta entre o Palácio do Planalto e o Congresso.

"Vamos nos levantar das nossas cadeiras e conversar com os parlamentares. Temos que dar crédito para o nosso Congresso", disse à Folha o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo.

Apesar dos ataques do presidente ao que chama de "velha política", o governo vai receber indicações para cargos federais com critérios técnicos, distribuir verba para as bases de parlamentares e ampliar a interlocução com deputados e senadores.

O movimento dos articuladores do Planalto inclui um desagravo aos políticos.
"Pelas minhas conversas, para quase a totalidade dos políticos, o interesse não é pessoal. O interesse é por políticas públicas."

Em conversas reservadas e declarações públicas, integrantes da cozinha do palácio tentam amenizar o discurso adotado por Bolsonaro ao rechaçar qualquer tipo de negociação com o Congresso.

"Os termos 'velha política' e 'nova política' não refletem bem a intenção", declarou Santos Cruz. "Você não pode achar que só tem exemplo no pessoal mais novo e não tem no pessoal mais velho. Não é bem por aí."

Apesar do tom adotado ao longo do confronto, o ministro Santos Cruz declarou que o governo aceita indicações políticas para espaços na administração federal, desde que sejam nomes qualificados.

"O pessoal está interpretando de maneira problemática. A indicação política é normal em qualquer lugar do mundo. O problema é quando você indica pessoas que não têm capacidade administrativa e técnica para a função", disse.

Na Casa Civil, articuladores políticos e parlamentares aliados que fazem a ponte com o Congresso atuaram para dobrar a objeção de ministros que se recusavam a ceder cargos de peso para a indicação de deputados e senadores.

Integrantes da pasta dizem ter incluído nas listas distribuídas aos líderes de bancadas cargos em 11 divisões do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), cobiçados pelos parlamentares por seu protagonismo em obras de rodovias.

Bolsonaro fez campanha sobre uma plataforma de rejeição aos partidos, destacando a conexão entre escândalos de corrupção e o loteamento de espaços no governo. O presidente formou seu ministério sem pedir indicações às siglas.

No poder, Bolsonaro estabeleceu critérios para o preenchimento de vagas de escalões inferiores, mas não conseguiu montar uma base de apoio.

Contrariado, criticou os parlamentares. "O que falta eu fazer? O que foi feito no passado? Eu não seguirei o mesmo destino de ex-presidentes, pode ter certeza disso", afirmou, no último fim de semana.

O general Santos Cruz diz que é preciso "mudar a mentalidade". "Temos que valorizar o Congresso, acreditar que as indicações deles vão seguir o perfil estabelecido, com capacidade e formação técnica", declarou.

Auxiliares passaram a semana tentando abrir canais paralelos de negociação. Eles reforçaram a oferta de espaços em escalões inferiores a parlamentares interessados em apoiar a pauta do governo.

Na última quarta-feira (27), quando a crise entre o Executivo e o Legislativo ainda vivia sua montanha-russa, a bancada de deputados de Mato Grosso se reuniu para fazer a partilha de vagas oferecidas pelo Planalto.

Os parlamentares passaram a assinalar, numa planilha enviada pelo palácio, os postos de interesse de cada um.
No momento mais acentuado de seu embate com o Congresso, Jair Bolsonaro chegou a dizer que os atritos se davam porque "alguns não querem largar a velha política", em uma referência aos parlamentares.

A crise se estendeu quando o líder do governo, major Vitor Hugo (PSL-GO), insinuou que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pressionava o Planalto para negociar cargos públicos.

A deterioração do relacionamento com os parlamentares foi alimentada por ataques feitos a Maia nas redes sociais por aliados e eleitores de Bolsonaro.

Um dos filhos do presidente, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), criticou o chefe da Câmara por dar um ritmo mais lento à discussão do pacote de medidas contra o crime do ministro Sergio Moro (Justiça).

Santos Cruz diz que conflitos nas mídias sociais causam tumulto. "Você tem influências externas que perturbam", declarou. "Isso cria um ambiente com pessoas com as ideias mais estapafúrdias, mas que têm um canal aberto."

O ministro diz que a relação política deve se basear no respeito. "Tem muita gente inconsequente nas suas críticas. Hoje, qualquer um pega o WhatsApp e acha que é um William Shakespeare", afirmou. "Isso tumultua, porque parece que você está apoiando um ao xingar o outro".

Apesar do esforço nos bastidores, articuladores do governo que atuam em contato com a Câmara dos Deputados preveem a criação, na melhor das hipóteses, de uma base aliada volátil.

Um desses operadores diz acreditar que o modelo de distribuição de cargos modestos, sob critérios técnicos, pode até produzir uma coesão em torno da reforma da Previdência. Ele afirma, no entanto, que a coalizão tende a se desintegrar depois da votação.

Na prática, esses negociadores creem que Bolsonaro não terá uma base aliada estável com que possa contar.

Ainda assim, o governo emite os primeiros sinais de que está disposto a dar tratamento diferenciado aos integrantes de sua coalizão.

"É normal dar mais atenção àqueles que estão auxiliando, isso é normal. Você tem uma relação especial com aqueles grupos que apoiam. Sempre foi assim e não tem nada de condenável", diz Santos Cruz.

Para o general, a aplicação de recursos públicos para projetos nos estados é um pleito legítimo desses parlamentares. "Aplicando de maneira honesta, em benefício da população e dentro de uma política de governo, também não tem nada de errado", disse.

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