sexta-feira, 16 de agosto de 2019

FHC vê vácuo ao centro e acha errado o jogo em bloco

Malu Delgado || Valor Econômico

SÃO PAULO - "Jogar em bloco" para formatar um projeto político-eleitoral que se contraponha ao da extrema direita, que chegou ao poder no Brasil com Jair Bolsonaro na Presidência, pode ser uma estratégia equivocada, afirmou ontem o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). "Não pode jogar em bloco, porque é pior, dá força a quem você não quer dar. Tem que ter alternativa, tem que ter candidato", disse, sinalizando não acreditar no êxito de uma frente de oposição ampla para a disputa. "Na última eleição eu já dizia: tem que unir o centro. Não unimos. É uma questão em aberto. Continua, de novo, o mesmo problema", afirmou ao Valor, ao final de evento promovido pela Fundação FHC para o lançamento do livro "Transições Democráticas: Ensinamentos de Líderes Políticos".

"Não tem democracia consolidada. Não é uma coisa dada, para sempre. Você tem que garantir que ela funcione", disse o ex-presidente. E arrematou: "Acho que temos condições de garantir e fazer com que funcione".

As forças do centro devem se unir, na opinião do tucano, em defesa do "liberalismo progressista", o termo que tem sido empregado pelo economista Edmar Bacha, um dos idealizadores do Plano Real. Seria a mescla de um Estado liberal com inclusão social e redistribuição de renda.

Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, crítico da social-democracia de FHC, pediu paciência com os indicadores econômicos e defendeu o 'liberalismo democrático': "Dê uma chance de um governo de quatro anos para a liberal-democracia. Não trabalhem contra o Brasil, tenham um pouco de paciência".

Fernando Henrique também prega paciência, mas de outra ordem: "Eu não votei nele [Bolsonaro]. O povo votou nele. Tem que ter um pouco de paciência histórica. Vamos ver se a gente consegue unir forças e ganhar a eleição". O ex-presidente da República disse não ver, ainda, sinais de fraqueza institucional no Brasil. "Não vejo sinal de fraqueza da Justiça, da mídia, do Congresso." No entanto, reforçou que "atitudes antidemocráticas e de personalismo tem que ser coibidas pela própria sociedade". As instituições, enfatizou o tucano, precisam se manter abertas, preservadas e em pleno funcionamento.


Sem citar o nome de Bolsonaro, defendeu que pessoas que simbolizam "os acontecimentos no Brasil" precisam entender que "a coragem não é todo dia" e há certos gestos que são decisivos. O atual presidente, segundo o político que já ocupou a cadeira, parece não entender parte do jogo, sobretudo quando se trata de geopolítica e questão ambiental. Para Fernando Henrique, Bolsonaro "não imagina, mas está mexendo com fogo" ao desafiar países europeus, como França, Alemanha e Noruega, que fazem cobranças ao país por posturas claras em defesa à preservação ambiental.

Democracia, advogou o ex-presidente, "é um governo da lei, não é um governo dos homens, e é preciso fazer que a lei prevaleça em qualquer circunstância".

Ao responder uma pergunta sobre riscos de retrocessos democráticos no Brasil, Fernando Henrique fez um comentário sobre o estilo de comunicação do atual presidente, em tom alarmista: "Quando um líder fala para o homem comum e tem o apoio do homem comum, é complicado", analisou, antevendo a força de Bolsonaro em 2022.

Ao fazer uma retrospectiva histórica sobre o processo de redemocratização brasileira, durante a palestra, Fernando Henrique afirmou que transições democráticas exigem uma mistura de coragem e conciliação. "Não é fácil, porque as pessoas corajosas em geral são rupturistas, e os conciliadores, em geral, não têm tanta coragem", definiu, arrancando risadas da plateia.

Ele lembrou sua atuação nos bastidores como senador, em favor das Diretas Já, em acordos costurados por Ulysses Guimarães. Citou episódios de conciliação que contaram com a participação de Severo Gomes - "um homem do regime" -, que atuou diretamente no golpe de 1964 e foi ministro nos governo militares de Castelo Branco e Geisel. Contou que em meio a boatos sobre sua possível prisão e também do colega Florestan Fernandes, ambos jantavam ao lado de Severo Gomes.

Outro ex-presidente, José Sarney, recebeu elogios do tucano: "A primeira vez que eu vi líder de esquerda entrar no Alvorada para tomar café da manhã com o presidente da República foi com Sarney. João Amazonas, do PC do B. Meu Deus! Isso hoje é fácil. Aliás, hoje não. Hoje é dificílimo!", corrigiu-se, arrancando mais risadas.

Ao citar momentos delicados de sua relação com os militares quando presidente, enfatizou a criação do Ministério da Defesa e da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. "Estive na Oban. Eu vi gente torturada. Pra mim esse negócio de direitos humanos não é uma ideia abstrata. É uma coisa concreta", afirmou.

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