- O Globo
Fernández ainda não montou equipe e mantém em sigilo o que pretende fazer na economia, apesar de ser o maior problema que irá enfrentar na Argentina
Dentro do peronismo há várias facções e, entre elas, muitas diferenças sobre como enfrentar o problema econômico, que é o mais urgente para o novo governo que assume em 10 de dezembro na Argentina. Por isso, o presidente eleito Alberto Fernández permaneceu, mesmo após a vitória, na mesma ambiguidade da campanha sobre qual será sua política econômica, adiando a escolha do ministro da Economia. Há vencimentos de curto prazo da dívida com credores privados internos e externos e uma urgente decisão sobre o acordo com o FMI. Por enquanto, o dólar está contido pelo “cepo”.
O “cepo” é como os argentinos chamam um controle cambial muito rígido que impede compra da moeda estrangeira. Essa porteira quase fechada foi negociada pelo presidente eleito com o governo de Maurício Macri. O dólar chegou a bater 75 pesos, voltou para 65, mas qualquer onda de insegurança pode fazê-lo disparar.
A economia está em frangalhos. A inflação terminará o ano em 55%, mais alta do que estava quando os peronistas saíram do poder. O país está em recessão. A única melhora ocorreu no déficit público que está perto do controle.
A dívida pública cresceu muito. Ninguém está isento de culpa nisso. Os kirchneristas, que são um grupo mais autárquico dentro do peronismo, fizeram uma política econômica desastrosa. O presidente Maurício Macri prometeu fazer ajustes nos primeiros seis meses, mas abandonou a ideia quando começaram as dificuldades. Ele conseguiu liberar preços que estavam reprimidos, de energia e de combustível. Fez uma reforma da Previdência muito fraca, segundo os analistas do país, e mesmo assim enfrentou o povo na rua. Teve medo de seguir adiante. Termina seu mandato com as mesmas práticas intervencionistas de controle de preços de alimentos e combustíveis que condenou. Por pressão do FMI, levou o déficit público para próximo de zero, mas aumentou muito a dívida. As províncias também estão muito endividadas. Mesmo assim, seu grupo político elegeu uma boa bancada.
Os peronistas nesta volta ao poder não terão o boom de commodities que ajudou muito Nestor Kirchner, nem terá o controle amplo do Congresso como teve Cristina Kirchner. Não terão também o contexto de uma América do Sul controlada por governos de esquerda. Por outro lado, a Argentina está preparada para explorar as riquezas de Vaca Muerta, a segunda maior jazida de gás não convencional do mundo.
A situação econômica está complicada e mesmo se eles não tiverem imprevistos, como a grande seca de 2018 que piorou a situação do governo Macri, os peronistas terão muitas dificuldades a superar. Nos próximos dias, até 10 de dezembro, será preciso esclarecer o que foi mantido em sigilo: quem é a equipe e como será a política econômica do novo governo.
Apesar de ser de esquerda, hostilizado pelo presidente brasileiro, Alberto Fernández recebeu um longo e caloroso telefone do presidente Trump, que, pelas versões publicadas nos jornais argentinos, foi muito encorajador. Se houver a boa vontade do governo americano, será mais fácil encontrar novas bases para o acordo com o FMI, fundamental para fortalecer as reservas cambiais.
Até agora, o novo governo tem dito que em princípio é favorável ao acordo do Mercosul com a União Europeia, que precisa apenas conhecer os detalhes. Mas tradicionalmente os peronistas são muito protecionistas e isso pode entrar em conflito com qualquer projeto de abertura do Brasil. Aqui, o liberalismo ainda é de muita declaração e pouco fato, mas se o projeto do ministro Paulo Guedes de maior integração com o mundo for adiante haverá de fato um problema. Os peronistas são muito ligados ao setor industrial poente da Argentina, que nos últimos anos teve um agravamento ainda maior da sua crise estrutural.
A notícia da imprensa argentina na sexta-feira é que Fernández prepara um pacote de medidas para ativar o consumo, com aumento de salários e aposentadorias e congelamento de preços. Esse tipo de política populista num contexto de inflação ainda alta e crise cambial nunca deu certo. Segundo o “El Cronista”, um pacote com essas medidas seria enviado ao Congresso logo após a posse. O novo governo já estaria em negociação com empresas para dar benefícios fiscais em troca de um aumento de salário dos trabalhadores do setor privado. Ou seja, mais lenha na inflação e pressão sobre o dólar.
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