domingo, 24 de novembro de 2019

Vinicius Torres Freire - Mentiras sociais sobre dólar e emprego

- Folha de S. Paulo

Pelo valor real da moeda, custo salarial do Brasil não era tão baixo desde 2005

A economia foi motivo de raro interesse “pop” quando o dólar foi a R$ 4,20. O preço da moeda americana se tornou mais uma causa das rinhas de galo nas redes insociáveis. Houve manipulações e torcidas também com os números do emprego formal e da fuga de dólares, um caso sendo sinal de “melhora da economia” e outro de “decepção” —não é bem assim.

Tuítes e outros piados avacalhavam tal ou qual presidente por causa do valor nominal do dólar durante seu governo, o que é no fundo besteira, mas pode revelar sintomas. Tudo mais constante, a desvalorização da moeda nos deixa mais pobres. Quão pobres?

É fácil perceber que os R$ 4 e quebrados que compram um dólar hoje valem menos que os R$ 4 de 2002. Houve inflação, certo? Mas, feitas as várias contas adequadas para medir a taxa real de câmbio, onde estamos? Em algum lugar perto de 2005.

Quer dizer, levados em conta fatores como o valor das moedas e das inflações dos países com os quais comerciamos e/ou o valor dos salários brasileiros em moeda estrangeira (e considerada a produtividade), a taxa real de câmbio anda parecida com a de 2005. Produzir no Brasil não estava tão barato fazia tempo assim, se a medida de custo é salário.

A partir de 2006, sob Lula 2 e Dilma 1, até o colapso de 2015, haveria grande valorização real da moeda brasileira, tanto quanto nos anos de “populismo cambial” tucano da primeira fase do Real (1994-99). Dizia-se nos dois períodos que o “Brasil estava caro”, que havia “Bolsa Miami”, que a coisa era insustentável (era mesmo) etc.

O real está barato porque a taxa de juros está em nível historicamente baixo, sem artifícios. Esse também é um motivo da grande saída de dólares do país. Até outubro, o saldo negativo foi a quase US$ 41 bilhões em 12 meses (a conta considera a diferença de entradas e saídas de dinheiro no comércio exterior e em operações financeiras).

Em termos relativos (ao tamanho da economia, por exemplo), não se via tal coisa desde o pânico da primeira eleição de Lula, em 2002. Mas não há pânico agora. Há mudança histórica nos juros e depressão histórica do PIB (Produto Interno Bruto).

Pelas operações financeiras, sai uma dinheirama sem parar desde 2013. Por que o dinheiro foi e vai?

Porque: 1) o país não cresce; 2) é um tumulto político faz seis anos; 3) as empresas pagaram dívidas em dólar (ao menos até meados do ano); 4) juro baixo não atrai capital; 5) o juro pode cair ainda e o real se desvalorizar algo mais; 6) não há certeza de calmaria política nem de retomada econômica em 2020.

Além da queda do saldo do comércio externo (vendemos menos e mais barato), desde o início do ano os exportadores têm deixado parte cada vez maior do dinheiro de suas vendas em contas no exterior, provavelmente também pelos motivos listados acima.

Enfim, na torcida da numeralha houve também o caso do emprego formal. Feitas as contas certas, que permitem a comparação de dados recentes (“dessazonalização”), houve discreta melhora no trimestre encerrado em outubro —mantido esse ritmo, é razoável esperar que o país cresça mais em 2020.

No entanto, desde novembro do ano passado o crescimento do número de empregos com CLT continua em torno da miséria de 1,4% ao ano. Nesse ritmo, apenas em 2023 o número de empregos formais voltaria ao nível recorde de 2014.

Por enquanto, em suma, apenas pulamos o brejo da recaída da recessão, risco de meados do ano. Ainda estamos crescendo a 1% ao ano, com perspectivas de 2% em 2020.

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