O Estado de S. Paulo
Cabe pensar o que seria um eventual governo do PT no presente contexto do País
Lula posiciona-se cada vez mais como um
candidato eleitoralmente viável dentro da polarização vigente. Diferentes
pesquisas de opinião o colocam numa posição vencedora num embate com o
presidente Jair Bolsonaro, embora o tempo seja senhor da razão, sem que se
possa ainda predizer se o atual mandatário terá condições de se recuperar de
seu desgaste ou se uma candidatura alternativa de centro, fora da atual
radicalização, poderá se afirmar. Em todo caso, cabe pensar o que seria um
eventual governo petista no presente contexto.
Observemos, preliminarmente, que o
ex-presidente voltou a gozar de amplo prestígio, contando para isso com os
erros de seus adversários reais ou potenciais e a benevolência do Supremo
Tribunal Federal (STF). Em linguagem futebolística, tenderia a dizer que ele
joga parado, não precisando fazer grandes jogadas, salvo as articulações partidárias
de bastidores que estão sendo realizadas. Até agora, não aparece o Lula da
demagogia e dos discursos recorrentes, sempre baseados no antagonismo do “nós
contra eles”, dos “conservadores contra os progressistas”. Aliás, expõe-se
publicamente com companheiros de esquerda, porém negocia com a direita
tradicional.
Ocorre que essa estratégia está produzindo bons resultados, salvo quando se põe a falar, que é o momento em que todos os disparates e ambiguidades surgem. Tenderia a afirmar, seguindo o dizer de um amigo, que ele é, no silêncio, um admirável poeta!
Primeiro. Seus elogios frequentes aos
regimes ditatoriais de Cuba, Venezuela e Nicarágua revelam a sua parca
convicção democrática. Quem pode acreditar, quando critica o atual presidente,
que procura salvar o País do autoritarismo? O que pensa fazer, seguir os passos
dos Castros, dos Chávez/maduros
e dos Ortegas? Será isso o que almeja para
o Brasil? Não podemos esquecer, sobretudo no que diz respeito a estes dois
últimos governantes, que se aproveitaram de eleições e de um respeito aparente
pela Constituição para miná-la, estabelecendo regimes autoritários. Foi a
subversão da democracia por meios democráticos, por mais paradoxal que possa
ser essa expressão. Enfim, qual seria a credibilidade democrática de Lula e do
PT com tal tipo de posição?
Segundo. Diante da profunda crise
político-econômica do País, diante de graves problemas fiscais se refletindo na
dívida pública e em sua imagem internacional, com reflexos em investimentos,
ratings e assim por diante, Lula, quando emite suas opiniões, lembra não o seu
primeiro mandato, responsável fiscalmente graças à herança bendita do
ex-presidente Fernando Henrique e à sua competente dupla Palocci/meirelles. Ao
contrário, traz-nos de volta a recordação de sua equipe do final do segundo
mandato e, sobretudo, a irresponsabilidade fiscal e econômica da ex-presidente
Dilma. Em seu primeiro mandato, Lula foi um liberal, enquanto Dilma foi
petista. Qual a sua escolha? Com seus discursos contra o teto de gastos, pelo descontrole
fiscal e pela intervenção governamental na Petrobrás, pretende reeditar uma
crise que chegou a resultar em impeachment?
Terceiro. O PT privatizou partidariamente o
Estado, utilizando-se para isso do discurso da justiça social. Na verdade, fez
todo um trabalho de aparelhamento político-administrativo, colocando
pessoas-chave em diferentes cargos. Vimos, graças à Lava Jato,
todas as monstruosidades produzidas,
resultando numa corrupção generalizada e no aproveitamento de verbas públicas
para os seus objetivos políticos específicos. Ainda vimos, nos últimos dias,
resquícios deste aparelhamento no Banco do Nordeste, em sua carteira de
microcrédito, por intermédio de uma ONG que, graças ao novo presidente, será
novamente licitada. Não convém tampouco esquecer o aparelhamento estatal por
sindicatos e movimentos sociais que orbitavam em torno do partido. Tiveram eles
grande apoio financeiro e tolerância governamental em invasões de terras, que
desestabilizaram o campo brasileiro e lhe trouxeram enorme insegurança
jurídica. Em caso de vitória petista, seria esta velha realidade que voltaria,
com as bandeiras vermelhas tomando conta das empresas rurais e das estradas?
Seriam novamente a violência das invasões e o desrespeito à propriedade
privada?
São questões não apenas pertinentes, mas
que dizem respeito ao futuro do País e ao Brasil que almejamos para nossos
filhos e netos. Não há pessoa que não sinta agruras e desencanto com a
pandemia, a inflação, o desemprego e, para muitos, a ausência de comida. A situação
chega a ser dramática, com a miséria escancarada nas sinaleiras, nas ruas e
favelas. A injustiça social brasileira, existente de há muito, se mostra de
forma alarmante. Uma candidatura que se preze deve dizer claramente o que
pretende fazer no que diz respeito à corrupção, à eficiência do Estado, à luta
contra a pandemia, à liberdade de mercado, ao aparelhamento estatal e à busca
incessante de igualdade de oportunidades.
O silêncio não pode ser, aqui, a resposta.
*Professor de filosofia na UFGRS.
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