sábado, 9 de outubro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Sem jornalismo, não há paz

O Estado de S. Paulo

Na relação entre jornalismo e paz, revela-se também a contribuição do leitor. Ao se informar em fontes confiáveis, ele colabora para um ambiente democrático mais tolerante e mais aberto

Nos tempos atuais – em que campanhas de ódio e desinformação esgarçam o tecido social e ameaçam a paz em todos os níveis da sociedade –, é especialmente significativa a escolha da Academia Sueca, concedendo o Prêmio Nobel da Paz de 2021 aos jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitri Muratov, da Rússia, pela “contribuição essencial de ambos para a liberdade de expressão e pelo jornalismo em seus países”. 

O prêmio aos dois jornalistas ressalta um dado fundamental sobre a paz. Ela não é resultado apenas de grandes acordos políticos ou de atos heroicos de solidariedade e compaixão em situações extremas, como fizeram, de forma admirável, tantos homenageados com o Nobel da Paz; por exemplo, Madre Teresa de Calcutá (1979), Lech Walesa (1983), Nelson Mandela (1993), Yitzhak Rabin (1994) ou Malala Yousafzai (2014). A paz é também fruto da informação confiável, produzida pelo jornalismo. Segundo a academia, a liberdade de expressão “é condição prévia para a democracia e para uma paz duradoura”.

A ignorância e a desinformação são desagregadoras, dificultando, ou mesmo impedindo, o diálogo e a interação com quem pensa de forma diferente. E essa dificuldade não se apresenta apenas em relação a pessoas distantes, de contextos sociais diversos ou com histórias de vida radicalmente diferentes. A desinformação – cuja principal face são as fake news, mas não se resume a elas – tem produzido silêncios, conflitos e rupturas no seio de muitas famílias.

Sempre houve circulação de mentiras, com tentativas de manipulação. Mas a difusão massiva de desinformação, proporcionada pelas novas tecnologias e redes sociais, produziu no mundo inteiro um novo fenômeno social, com efeitos sobre toda a sociedade. Não raro, tem-se a impressão de que já não existiria uma base mínima consensual de racionalidade e de respeito aos fatos.

Não é que se avançou em inteligência, conhecimento ou capacidade crítica. Tudo isso foi relegado a um segundo plano. Nos dias de hoje, o que parece importar cada vez mais é a mera adesão subjetiva ao postulado que agrada e ratifica mais intensamente o que cada um já pensa, postulado esse que, muitas vezes, é o que mais distorce e confunde. Longe de contribuir para a autonomia e a cidadania, esse ambiente é especialmente suscetível à manipulação.

Diante de tais perigos, que dificultam a paz, o jornalismo oferece um importante antídoto, ao trazer informação confiável, com fatos apurados e checados com isenção e profissionalismo. “Liberdade de expressão e de informação são fundamentais para o funcionamento da democracia e para evitar guerras e conflitos”, afirmou a entidade responsável pelo Nobel.

A dimensão de resistência e de paz é nítida nas trajetórias profissionais dos dois jornalistas laureados. Maria Ressa é cofundadora do Rappler, principal site de notícias que lidera a luta pela liberdade de imprensa nas Filipinas e o combate à desinformação. Por sua atuação à frente do Rappler, Maria Ressa enfrenta constante assédio político e já foi detida pelo governo. “Ressa usa a liberdade de expressão para expor o abuso de poder, o uso da violência e o crescente autoritarismo em seu país natal, as Filipinas”, afirmou a Academia Sueca.

Dmitri Muratov é fundador e editor-chefe do Novaya Gazeta, jornal crítico ao governo Putin. Seis jornalistas que trabalhavam no Novaya Gazeta foram assassinados em situações suspeitas. Em 2007, Muratov ganhou o Prêmio Internacional da Liberdade de Imprensa do Comitê para Proteção dos Jornalistas. Os laureados “são representantes de todos os jornalistas que defendem este ideal em um mundo em que a democracia e a liberdade de imprensa enfrentam condições cada vez mais adversas”, disse a academia.

Na relação entre jornalismo e paz, revela-se também a contribuição do leitor nessa empreitada de civilidade. Ao se informar em fontes confiáveis, ele colabora decisivamente para um ambiente democrático mais tolerante e mais aberto, menos tóxico e mais pacífico. A liberdade de expressão alicerça o caminho da paz.

Um marco para o progresso

O Estado de S. Paulo

Senado aprova projeto que moderniza o setor ferroviário e estimula investimento privado

Com a aprovação em plenário, no dia 5 passado, do novo marco legal para as ferrovias, o Senado deu um importante passo para a modernização e a expansão da malha ferroviária nacional, ao estimular a entrada vigorosa de capitais privados nesse modal de transportes de alta eficiência e de custo mais moderado que o da modalidade rodoviária, predominante no País. É um grande avanço no rumo das reformas econômicas de que o País necessita para retomar o crescimento em bases seguras.

Além do impacto econômico, porém, a aprovação pelos senadores do novo marco para o sistema ferroviário – ainda dependente de votação pela Câmara dos Deputados – tem um significado político institucional igualmente relevante. Trata-se de uma resposta cabal da maioria dos senadores a uma tentativa desastrada – como outras de sua iniciativa – do governo Bolsonaro de interferir no processo legislativo.

O projeto de modernização das ferrovias, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), foi apresentado em 2018 e sua tramitação já estava bastante avançada. No entanto, no fim de agosto deste ano, o governo tentou atropelar esse processo, ao editar a Medida Provisória 1.065, tratando exatamente do mesmo tema.

Além de claramente desrespeitar o processo legislativo, o governo Bolsonaro exorbitou do direito de utilizar o instituto da medida provisória, editando uma para um assunto que não cumpria as exigências constitucionais de relevância e urgência. Trata-se claramente de um tema, o estabelecimento de um novo marco para o sistema ferroviário nacional, que, por suas implicações, demanda ampla discussão, razão pela qual não pode ser resultado de uma decisão isolada do chefe do Poder Executivo.

O Senado, como em outras ocasiões, resistiu aos excessos da Presidência da República. Manteve a tramitação do projeto original, afinal aprovado em versão modificada pelo relator, senador Jean Paul Prates (PT-RN), e por emendas aprovadas pelo plenário.

O principal avanço do novo marco das ferrovias é a instituição de um novo modelo para a participação de capital privado no sistema, chamado de autorização. Esse modelo, que já constava do projeto original do senador José Serra e foi mantido na versão final, permite que a iniciativa privada construa novas ferrovias, sem necessidade de licitação.

É, como observou o Estado, um modelo comum em países onde o modal ferroviário tem grande peso nos transportes de cargas e de passageiros, como os Estados Unidos e o Canadá. Ele permite que demandas específicas de transporte de carga sejam atendidas por investidores privados de maneira menos complicada do que no modelo de concessões.

Questões importantes, que em outras concessões permitidas pela legislação acabaram inibindo a participação de muitos investidores privados – como a obrigatoriedade de aplicação de determinado volume de recursos próprios, regras para a fixação de tarifas e outros controles –, foram resolvidas pelo novo modelo. A livre concorrência e a liberdade de preços afastam temores de perdas como as que decorreram da intervenção do poder público na definição ou controle de tarifas.

Já houve manifestação de interesse de grupos privados na construção de 14 ferrovias, em projetos que preveem investimentos de mais de R$ 80 bilhões e 5.360 quilômetros de novas estradas de ferro.

O novo marco não extingue o modelo tradicional de concessões. Esse modelo, que tem regras mais rigorosas, está mantido para grandes projetos que envolvam mais de uma carga e cujo traçado corte mais de um Estado.

Adicionalmente, porém, criam-se situações em que pode haver a transição do regime de concessão para o de autorização. As atuais concessionárias podem, por exemplo, pedir a adaptação do contrato ao regime de autorização quando passarem a operar um novo traçado pelo novo regime, gerando concorrência. Outra possibilidade de migração é criada quando a malha da concessionária for expandida em determinadas condições.

Falta de saneamento mata

O Estado de S. Paulo

Até 2033, muitos brasileiros ainda terão problemas de saúde em decorrência dela

A pandemia de covid-19 representou o maior teste de estresse para o Sistema Único de Saúde (SUS) desde seu advento, há mais de três décadas. Os recursos materiais e humanos do SUS jamais haviam sido tão pressionados como foram pelo coronavírus. Contudo, se é verdade que a pandemia levou o SUS ao limite de sua capacidade, e por vezes além, não se pode dizer que a realidade do sistema público de saúde fosse um mar de tranquilidade até o mundo desabar em março de 2020.

A bem da verdade, um ano antes de serem noticiados os primeiros casos de uma nova doença viral que só no Brasil causaria, até o momento, a morte de 600 mil pessoas, o SUS já estava sobrecarregado, entre outras razões, pelas quase 274 mil internações decorrentes das chamadas doenças de veiculação hídrica, ou seja, aquelas causadas pela má qualidade da água e pela falta de esgotamento sanitário. O número, então, representava um aumento de 12% nas internações pela mesma causa em relação ao ano anterior, a primeira vez que isso ocorreu em uma década.

Ainda não há levantamento conclusivo para o ano de 2020, mas dados preliminares apontam para uma queda do número de internações por doenças de veiculação hídrica, mas ainda em patamar muito elevado: aproximadamente, 174 mil. Como não houve melhora significativa da oferta de saneamento básico no País nesses dois anos, é lícito inferir que tampouco será expressiva a queda do número de acometidos por doenças que têm a água como veículo de transmissão, tais como diarreia, malária, dengue e leptospirose, entre outras moléstias.

Os dados constam do estudo Saneamento e doenças de veiculação hídrica: ano-base 2019, elaborado pelo Instituto Trata Brasil. Com base em indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis) e do DataSUS, o instituto calculou que a falta de saneamento básico foi causa direta do adoecimento e internação de 13,01 indivíduos por grupo de 10 mil habitantes naquele ano, o que representou, para além do incalculável custo pessoal para milhares de famílias, um custo financeiro de R$ 108 milhões ao erário.

Convém lembrar que o SUS também já foi pressionado pelas epidemias de zika, dengue e chikungunya, que também estão diretamente ligadas à falta de água corrente e ao lançamento de esgoto em locais inapropriados.

As Regiões Norte e Nordeste são as mais desassistidas do País no que concerne à infraestrutura de saneamento básico. Apenas 12% da população do Norte conta com esgoto coletado. Na região, foram 42,3 mil internações por doenças de veiculação hídrica. No Nordeste, a situação é apenas menos ruim. Só 28% dos nordestinos têm acesso à coleta de esgoto. Na região, houve cerca de 113,7 mil internações em 2019, nada menos do que 41,6% do total de hospitalizações por doenças entéricas associadas à falta de saneamento básico.

Poucas mazelas expõem com tamanha crueza a brutal desigualdade entre os brasileiros como a falta de acesso ao saneamento básico. Cerca de 35 milhões de pessoas vivem em locais sem acesso à água tratada. Praticamente metade da população – cerca de 100 milhões de habitantes – não tem acesso ao esgoto sanitário. E 51% dos sistemas de esgoto existentes não são tratados (Snis, 2019). Na prática, esse enorme contingente de brasileiros tem sido historicamente tratado como se fosse composto por cidadãos de segunda classe. É inaceitável, em pleno século 21, a falta de saneamento básico para um número tão grande de pessoas. É inaceitável que muitos brasileiros ainda morram ano após ano por diarreia, febre tifoide e outras doenças facilmente evitáveis. A renitência dessa mazela é um dos mais bem acabados retratos de um Brasil atrasado que, de uma vez por todas, deve ser superado, até por um imperativo moral.

O novo Marco Legal do Saneamento, aprovado pelo Congresso no ano passado, presta-se a eliminar essa mácula na história nacional. O texto prevê que até 2033 toda a população tenha acesso à água potável e 90% tenham acesso ao tratamento de esgoto sanitário. Até lá, boa parte da população seguirá tendo problemas de saúde causados pela falta de saneamento básico, mantendo vivo esse Brasil aferrado ao atraso.

O caso Guedes

Folha de S. Paulo

Revelação de offshore demanda esclarecimentos e debate sobre transparência

A Câmara dos Deputados convocou o ministro Paulo Guedes, da Economia, a “prestar esclarecimentos sobre empresas registradas em seu nome, sediadas no exterior”.

A Procuradoria-Geral da República abriu investigação preliminar sobre uma empresa que Guedes possui nas Ilhas Virgens Britânicas, revelada por um consórcio de jornalistas. O Ministério Público pede que o Tribunal de Contas da União investigue o ministro.

O caso provoca tumulto porque o titular da Economia está enfraquecido e ainda mais fraco se torna por causa do alvoroço.

Nesta sexta (8), Guedes afirmou que a situação de seu patrimônio no exterior cumpre os requisitos legais —foram declaradas às autoridades. Disse, ademais, que seus recursos em geral estão sob administração de gestores independentes, o que atende a questões éticas.

As dúvidas e críticas seriam “barulho”, que “vai piorar com a proximidade das eleições”.

De política também se trata, sem dúvida. Maus resultados na economia, desprestígio no Congresso e entre seus pares no primeiro escalão e no Planalto motivam ataques ao ministro. Ele se tornou alvo de especial atenção entre tantos que tiveram vazados seus ativos no exterior, como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ora quase esquecido na polêmica.

A memória muito viva de corrupção, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos no país contribui para tornar mais desconfortável o episódio para Guedes. Sua demora em esclarecer suas transações e seu comportamento habitual, de bazófia e bravatas destemperadas, também não o favorece. A desconfiança poderia ser menor não fosse o fato de que a lei desobriga autoridades de abrir suas contas e, assim, dirimir dúvidas sobre eventuais conflitos de interesses.

Tal segredo acaba por suscitar especulações até sobre as declarações do Comitê de Ética Pública (CEP), que analisou em um tardio maio de 2019 a Declaração Confidencial de Informações a respeito dos haveres do ministro.

A CEP diz que “recomendou ações para mitigar e evitar a possibilidade de ocorrência de conflito de interesses”. O ministro até então não teria tomado tais providências? Haveria falhas?

Os advogados de Guedes afirmam que, por iniciativa própria, enviarão à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal informações comprobatórias da sua lisura. É positivo que o façam, embora muito do desgaste já esteja consumado.

A insatisfação geral com a inflação e o desemprego, além da pressão política por cargos, emendas e liberalidades com o Orçamento, transformaram em evento maior o caso da empresa offshore.

O episódio será mais proveitoso, de todo modo, se suscitar debate sobre procedimentos mais transparentes a serem cobrados das autoridades que ocupam cargos elevados da administração pública.

A mensagem do Nobel

Folha de S. Paulo

Premiação é um ato a favor do jornalismo livre, crítico e baseado nos fatos

Em momento de ascensão de autoritarismos em diversas partes do mundo, constitui marca importante a concessão do Prêmio Nobel da Paz a dois jornalistas que, nas condições mais adversas, souberam defender pilares que sustentam as sociedades civilizadas.

Anunciada nesta sexta-feira (8), a láurea coube à filipina Maria Ressa e ao russo Dmitri Muratov por, nas palavras do comitê sueco, “sua corajosa luta pela liberdade de expressão, que é precondição para a democracia e a paz duradoura”.

Coragem, de fato, sobeja na trajetória dos dois jornalistas.

Por meio do Rappler, a empresa de mídia digital que ajudou a fundar, Ressa se notabilizou por revelar casos de corrupção envolvendo expoentes do governo de seu país.

Foi, ademais, uma voz pioneira a denunciar os abusos da insana guerra às drogas encampada pelo presidente filipino, Rodrigo Duterte, que nos últimos anos deixou mais de 12 mil mortos.

As consequências que amargou por seu trabalho não foram poucas. Em 2019, Ressa foi detida sob a acusação de violar uma controversa legislação contra “difamação cibernética”. Atualmente, está proibida de deixar as Filipinas.

Muratov, por sua vez, foi um dos fundadores da Novaia Gazeta, hoje a única publicação russa que, num cenário de asfixia estatal à imprensa, permanece abertamente crítica ao governo de Vladimir Putin.

Nas últimas décadas, ele vem enfrentando não só a repressão, mas também a violência, por vezes homicida. Seis colegas de trabalho de Muratov já foram assassinados desde 2001.

Embora o prêmio chame a atenção para o cotidiano ominoso existente na Rússia e nas Filipinas, o panorama mundial tampouco se mostra auspicioso. Segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras, o livre exercício do jornalismo é cerceado total ou parcialmente em 73% dos 180 países avaliados.

No Brasil, como se sabe, Jair Bolsonaro adota como hábitos políticos a hostilidade à imprensa, a pressão sobre anunciantes e a promoção de notícias falsas.

Mais do que uma homenagem a Ressa e Muratov, o Nobel da Paz deste ano pode ser entendido como um ato a favor do jornalismo livre, crítico e baseado em fatos.

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