quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Elio Gaspari - O coronel Sant’Anna deveria falar

O Globo

O negacionismo de militares deve sair da sala escura

O coronel Ricardo Sant’Anna foi afastado da comissão militar de acompanhamento do processo eletrônico de coleta e totalização da eleição de outubro. Credenciou-se para isso compartilhando um vídeo pueril contra as urnas e opiniões impróprias. Deu curso à afirmação de que “votar no PT é exercer o direito de ser idiota”. Foi mais longe e insultou eventuais eleitoras da senadora Simone Tebet escrevendo: “Vaca vota em vaca”.

Nos dois casos, transgrediu as normas do Exército que disciplinam o uso de redes sociais por militares da ativa. Essas são as credenciais que o descredenciaram, mas há também as que o credenciaram.

O coronel Sant’Anna é chefe da Divisão de Sistemas de Segurança e Cibernética da Informação do Exército. Formou-se em engenharia de telecomunicações pelo Instituto Militar de Engenharia, uma notável instituição de ensino. Lá fez seu mestrado e doutorado. Desse assunto ele deveria entender.

A ideia de que diz o que diz porque segue as ideias do capitão Bolsonaro é curta.

O Ministério da Defesa já enviou ao Tribunal Superior Eleitoral 88 perguntas. Recebeu uma resposta de 700 páginas e não lhe deu tréplica pública.

Depois do ofício constrangedor e “urgentíssimo” do ministro da Defesa pedindo acesso ao sistema que lhe estava disponível desde outubro do ano passado, a conduta de Sant’Anna misturou-se à dos negacionistas.

Como o coronel entenderia do assunto, surgiu uma oportunidade para que exponha livremente suas dúvidas. Como ex-aluno, mestre e doutor pelo IME, usaria a visibilidade que suas postagens vulgares lhe deram para se explicar. Afinal, é o chefe da Divisão de Sistemas de Segurança e Cibernética da Informação do Exército.

As redes sociais, como os terrenos baldios, acolhem tudo o que lá se atira: opiniões, tolices, insultos e mentiras. Até hoje, Bolsonaro e seus seguidores não contribuíram com fatos para o debate em torno da segurança da coleta e da totalização dos votos. As 700 páginas da resposta do TSE ao ministério da Defesa não tiveram resposta conhecida.

Sant’Anna poderia preencher esse vazio. A exposição de suas dúvidas ajudaria Bolsonaro. Se os negacionistas continuarem na penumbra das insinuações, correm o risco do ridículo em que patinam. Vale lembrar que o TSE já explicou que nele não há sala escura e que todo o processo de totalização pode ser livremente auditado.

Afinal, a cena da contestação de um resultado eleitoral já foi imortalizada há mais de meio século numa comédia italiana em que o candidato derrotado troca a manchete de seu jornal por uma denúncia sensacional: “Fraude nas urnas”.

Desde 2003, quando Fernando Henrique Cardoso deixou o Planalto, a política brasileira perdeu o senso de humor. Pena. Como o golpismo quer colocar sob suspeição o processo eleitoral de 2022, não custa relembrar o episódio de 1965, quando William Buckley Jr. foi candidato a prefeito de Nova York. Numa época em que o mundo parecia ir para a esquerda, ele era um conservador brilhante, audaz, rico e divertido. Um repórter perguntou-lhe qual seria seu primeiro ato caso fosse eleito.

— Pedir a recontagem dos votos.

Não foi preciso.

 

5 comentários:

Anônimo disse...

Os corós estão saindo desse putrefato país. Pobre de nós brasileiros. Tudo se compra até a dignidade não deveria ser assim.

Anônimo disse...

Felizes são aqueles que acreditam no Brasil. Eu não tenho mais esperanças.

Anônimo disse...

A verdadeira fraude eleitoral foi em 2022: Bolsonaro se elegeu prometendo combater corrupção, técnicos competentes nos ministérios, Nova Política, etc. Seu DESgoverno oferece ministros incompetentes, pastores corruptos, toma-lá-dá-cá com o Centrão, submissão total aos líderes do Centrão, corrupção em vários ministérios e DENTRO DA FAMILÍCIA, recordes de desmatamento e queimadas no Brasil todo, agressões a governos e governantes de outros países, isolamento mundial do nosso país, alinhamento com o criminoso de guerra Putin, etc.

ADEMAR AMANCIO disse...

O anônimo confundiu 2018 com 2022,tomara que agora o povo vote certo,no menos pior,claro.

Anônimo disse...

É verdade! Pensei em 2018 e tive um trauma, acabei digitando errado! Os leitores do blog estão atentos...