O Globo
Recolocar o país nos antigos trilhos já seria muito atualmente, mas seguramente insuficiente diante dos desafios do porvir
Vivemos uma encruzilhada sobre o projeto de
futuro que queremos para o país. Como disse Nelson Rodrigues:
“Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos”. Pois desenvolvimento
também não se improvisa, mas tampouco pode ser obra de séculos. Desenvolvimento
requer ciência, conhecimento de práticas, governança política e institucional,
e intencionalidade no desenho do projeto de futuro.
Deve ser uma tarefa desta geração para
podermos sonhar e projetar o Brasil do futuro, ousado, ambicioso, realista e
democrático.
No entanto, as políticas públicas nas áreas de Meio Ambiente, Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Ciência e Tecnologia se encontram, nos últimos quatro anos, em um interregno. Assoladas pela pandemia e pela inoperância do governo federal, regrediram em compasso com o aumento da pobreza, da fome e do desemprego.
Não foi só retrocesso, mas também desmonte
das políticas públicas com a intenção de reduzir a participação e o diálogo, de
se desvencilhar da ciência e das evidências empíricas e de impor uma ótica não
republicana, a favor do império de valores, costumes e opiniões de segmentos
específicos da sociedade.
Neste domingo, optaremos entre seguir com
esse caminho que flerta com o autoritarismo ou retomarmos a rota iniciada desde
a redemocratização, em especial nos períodos em que controlamos a inflação e,
em seguida, retiramos 25 milhões de pessoas da pobreza.
Existe uma oportunidade e precisamos
aproveitá-la, do contrário, uma parcela relevante da sociedade poderá tornar-se
estruturalmente pobre e excluída diante da transição demográfica.
Nessa direção, do ponto de vista das
políticas públicas, é necessário restabelecer o pacto federativo, com uma
federação mais democrática, caracterizada pela ampliação de programas
governamentais eficazes e baseados em evidências científicas, bem desenhados e
com controle de consequências.
Adicionalmente, investir na qualificação da
capacidade estatal da União, dos estados e dos municípios com monitoramento e
avaliação das políticas públicas, disponibilização de maior e melhor
financiamento federal e alinhamento estratégico entre as três esferas de
governo.
Para tanto, é preciso vencer a dicotomia,
sustentada nos últimos quatro anos, entre centralizar ou descentralizar
políticas públicas. O governo federal tentou desresponsabilizar-se no jogo de
coordenação e cooperação intergovernamental através de um posicionamento autocrático
com os demais poderes constitucionais e conflituoso com estados e municípios,
dando origem a um vácuo chamado de Federalismo Bolsonarista, conceito cunhado
por Fernando Abrucio e coautores, em artigo de 2020.
As transformações estruturais a serem colocadas
em movimento necessitam também reconhecer que a visão que sustenta o desmonte
das políticas públicas e seus perversos efeitos sobre os mais vulneráveis tem
base social de apoio, derivada de alianças que mobilizam contradições da
sociedade, ressentimentos, e expectativas reacionárias sobre costumes, família
e religião, entre outros.
Mais ainda, a praça pública das redes
sociais seguirá alimentada por usos deturpados e manipuladores dos algoritmos,
desinformação, cancelamentos e ativa arena de ódios.
Nesse contexto, podemos projetar nos médio
e longo prazos a importância de uma agenda comum de retomada de espaços para o
diálogo em defesa da democracia. A amplitude do espectro político de todos os
envolvidos foi tamanha que oito ex-presidenciáveis chegaram a reunir-se em
campanha, renunciando às diferenças em prol da contenção de delírios
autoritários presentes no Palácio do Planalto.
Aqui abre-se a possibilidade do necessário
caminho de concertação nacional que mobilize o amplo espectro do campo
democrático a serviço da democracia e de um projeto de desenvolvimento
sustentável com justiça social.
A questão chave é: recolocar o país nos
antigos trilhos já seria muito atualmente, mas seguramente insuficiente diante
dos desafios do porvir. Distinto da evolução contínua e lenta do período pós
Constituição de 1988, temos apenas 20 anos para fugir da armadilha da renda
média e integrar a primeira liga dos países desenvolvidos nesta janela
demográfica.
Assim, precisamos, simultaneamente,
produzir novos trilhos e recolocar o trem em rota — agora um trem de alta
velocidade que acelere as transformações socioambientais em direção à fronteira
do conhecimento e convergindo ao ritmo dos países desenvolvidos.
Para fazê-lo, no entanto, será preciso um
projeto de futuro ambicioso capaz de fazer do dia de amanhã a abertura de um
novo horizonte, e não um passo em direção a futuras décadas perdidas.
2 comentários:
"As políticas públicas nas áreas de Meio Ambiente, Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Ciência e Tecnologia" REGREDIRAM nos últimos 4 anos, enquanto se ampliaram a FOME, MISÉRIA, POBREZA e o DESEMPREGO!
Bolsonaro teve sua chance e AFUNDOU O BRASIL, usando as ferramentas que PAULO GUEDES dispunha pra reduzir os salários e aumentar os lucros dos grandes empresários e banqueiros!
Pois é,boa sorte Brasil!
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