Por Eduardo Kattah / O Estado de S. Paulo
O cientista político Carlos Melo, professor
do Insper, avalia que o presidente Jair Bolsonaro ficou “refém de uma parte dos
seus eleitores, os mais radicais”. Para Melo, a última live do presidente antes
de deixar o cargo simbolizou o seu dilema, traduzido em um silêncio de dois
meses desde que foi derrotado nas urnas pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva.
Leia a entrevista:
O presidente Jair Bolsonaro fez uma live, a última antes de deixar o Palácio do Planalto, marcada por justificativas ao seu público pelo silêncio de dois meses enquanto apoiadores se manifestavam contra a vitória de Lula. Como avalia esse discurso final?
Bolsonaro ficou refém de uma de uma parte dos eleitores mais radicais, que vieram com ele até o final e não queriam que ele assumisse a posição civilizada e democrática. Para não desprezar esse leitor radical então ele vem com uma live no final pedindo desculpas, que não pôde atendê-los com um golpe. Bolsonaro preferiu liderar os radicais ao invés de liderar uma base social mais ampla que lhe deu quase 50% dos votos agora.
Até que ponto o recolhimento
do presidente foi calculado?
Sim, o recolhimento foi calculado
justamente por ele não poder se posicionar. Se se posicionar em relação aos
radicais perde o eleitor mais amplo; se se posicionar de uma forma democrática
perde os radicais. Esse é o seu dilema.
Bolsonaro foi o primeiro
presidente no exercício do cargo que não conquistou a reeleição. Mas ele obteve
cerca de 400 mil votos a mais no segundo turno de 2022 na comparação com 2018.
Qual a força do bolsonarismo com Bolsonaro fora do poder?
Quando você olha 49,1% dos votos do
Bolsonaro, você tem que pensar na teoria dos conjuntos. O conjunto maior
chama-se antipetismo. Depois temos o governismo. O governismo é muito forte no
Brasil quando ele passa dos limites da lei, como aconteceu agora com aprovação
de medidas econômicas e gastos em pleno período eleitoral. E tem o
bolsonarismo, com seus 25% (do eleitorado), que não é pouco, é muito, Com o
poder do governismo e do antipetismo Bolsonaro só não se reelegeu porque o
antibolsonarismo foi maior. Não foi o petismo que ganhou. A rejeição do
Bolsonaro foi maior e por isso que não veio a reeleição, também por todos os
erros que ele cometeu, pelo seu estilo, pelos erros que cometeu na pandemia e
também na economia.
Lula, na montagem do governo
e em sua mensagem inicial, indica trabalhar por uma gestão ampla, que, de fato,
ajude a reconciliar os “dois Brasis”?
O desafio do Lula não é nem reconciliar os dois Brasis logo de cara, é ter governabilidade, ter maioria no Congresso com aqueles números básicos: 171 votos para não sofrer o impeachment na Câmara, 257 votos para não ser refém de uma pauta-bomba - como aconteceu com a Dilma Rousseff com Eduardo Cunha - e 308 votos para fazer reformas. Sobretudo a reforma tributária, que está pronta para votar e que pode significar uma grande diferença. Para reconciliar o presidente da República vai ter que ser muito diligente em relação à corrupção. Como se diz: faz a fama e deita na cama. Lula não pode transigir com relação à corrupção, porque essa é a base do antipetismo. E vai ter que desenvolver fortemente a economia, rapidamente diminuir o desemprego, conter a inflação e, portanto, aumentar o sentimento de bem-estar econômico. E também a reconstruir a imagem do Brasil no exterior, sobretudo a partir da questão do meio ambiente.
Um comentário:
171.257.308-26
'CPF' do Governo LULA
Postar um comentário