sábado, 11 de fevereiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Viagem aos EUA resgata status global do Brasil

O Globo

Adesão dos americanos ao Fundo Amazônia mostra que Lula começa a tirar do país a pecha de pária

O encontro dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden na Casa Branca rendeu mais que o esperado aperto de mãos no Salão Oval e a condenação do extremismo político dos populistas autoritários. Em comunicado conjunto, os Estados Unidos anunciaram a intenção de destinar recursos ao Fundo Amazônia, que já conta com aportes da Noruega e da Alemanha. Desde o início do governo anterior, o Brasil pedia aos americanos dinheiro para ajudar a preservar a Amazônia, mas as conversas nunca foram adiante devido à política antiambiental do governo Jair Bolsonaro. Em 2019, Noruega e Alemanha congelaram seus repasses ao fundo, enquanto a devastação na floresta batia recordes.

Criado em 2008, o Fundo Amazônia depende de doações para investir em prevenção, monitoramento, combate ao desmatamento e promoção do uso sustentável da floresta. Até o momento, a Noruega já doou R$ 3,1 bilhões, a Alemanha R$192 milhões (e a Petrobras R$ 17 milhões). Gerido pelo BNDES, em 15 anos o fundo já apoiou 384 instituições locais, 195 unidades de conservação, 101 terras indígenas, além de dezenas de milhares de indivíduos em atividades produtivas sustentáveis. As ações permitiram a inscrição de 1,1 milhão de imóveis no Cadastro Ambiental Rural, 1.700 missões de fiscalização e o combate a cerca de 30 mil incêndios e queimadas. Quanto mais recursos, mais projetos podem ser apoiados.

Com a volta de Lula ao poder, as negociações com os americanos foram enfim destravadas, e os europeus voltaram a contribuir com o fundo. O anúncio dos Estados Unidos aconteceu dois dias depois de a chanceler francesa, Catherine Colonna, ter afirmado em Brasília que França e União Europeia estudam também fazer parte do Fundo Amazônia. Parece evidente que a saída de cena de Bolsonaro provocou reação imediata das potências ocidentais, dando a oportunidade para Lula cumprir uma de suas promessas de campanha: retirar do Brasil a pecha de pária.

Independentemente do valor que será arrecadado dos americanos, o gesto representa um voto de confiança dos Estados Unidos na promessa do novo governo brasileiro de combater o desmatamento ilegal na Amazônia. Outra evidência da mudança se viu na aproximação entre a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o enviado especial para o clima dos Estados Unidos, John Kerry. Marina e Kerry se encontraram na Conferência do Clima das Nações Unidas no Egito e no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça.

Noutro sinal de boa vontade, o governo americano incluiu no comunicado conjunto apoio à ampliação do Conselho de Segurança da ONU, antiga demanda de governos petistas. A questão mais espinhosa foi a guerra na Ucrânia. Nas negociações, os americanos queriam uma condenação veemente da Rússia. No final, o texto condena a violação do território ucraniano nos mesmos termos usados na visita a Brasília do chanceler alemão, Olaf Scholz. Em entrevista à CNN, Lula já declarara que a Ucrânia tem o direito de se defender da invasão russa. Justificou ter se negado a mandar munição aos ucranianos dizendo não querer fazer parte da guerra e insistiu que é preciso conversar sobre uma saída pacífica. Prevaleceu a sensatez. Lula e o Brasil têm o que celebrar no voo de volta.

Decisão da Anatel facilita combate a caixinhas que pirateiam TV paga

O Globo

Operadoras estarão autorizadas a bloquear o sinal dos dispositivos não homologados pela agência

Uma decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) anunciada na quinta-feira representa um passo importante no combate à pirataria de TV por assinatura. A partir de agora, a Anatel atuará com as operadoras de internet para fazer o bloqueio dos sinais piratas das caixinhas de TV não homologadas. Estima-se que haja hoje no Brasil de 5 milhões a 7 milhões desses dispositivos dando acesso ilegal a conteúdos protegidos por direito autoral.

Apesar da ilegalidade flagrante, os decodificadores clandestinos de TV por assinatura são facilmente encontrados no mercado. Não só em feiras e lojas de artigos eletrônicos, mas até nos sites de grandes varejistas. Há mais de 700 modelos à venda, a maioria fabricada na China, por preços que chegam a R$ 1.000. É irregular, mas basta uma busca na internet para deparar com um sem-número de ofertas. A caixinha instalada numa SmarTV ou num aparelho convencional dá acesso a conteúdos pirateados via streaming.

Ao contrário dos conhecidos “gatos” de TV por assinatura espalhados pelas comunidades pobres, especialmente as controladas por organizações criminosas, a pirataria das caixinhas de TV reúne todas as classes sociais, mesmo quem teria recursos para contratar um serviço legal, que gera empregos e paga impostos.

Autoridades têm feito operações para apreender dispositivos clandestinos e bloquear conteúdos ilegais. Em junho passado, uma ação do Ministério da Justiça com apoio das polícias estaduais prendeu pelo menos dez suspeitos em 11 estados. Entre 2018 e 2022, mais de 1,4 milhão de dispositivos não homologados foram apreendidos. Mas essas ações são insuficientes para deter o problema que se alastra. Bloqueios obtidos por via judicial também não têm impedido o serviço ilegal.

Não há inocência nas caixinhas de TV clandestinas. Pirataria é crime. O prejuízo para as empresas de TV por assinatura é estimado em R$ 15 bilhões por ano, e a sonegação fiscal em R$ 8 bilhões por ano, dinheiro que poderia ser destinado a setores prioritários como educação, saúde e segurança. O negócio clandestino é controlado por máfias internacionais. A caixinha instalada na sala de casa é um computador que, na prática, abre portas a todo tipo de transgressão. Pode ser usado para vigiar, furtar dados, senhas, fotos íntimas e atacar sistemas. Inspeções da Anatel já detectaram intenções maliciosas. Os sistemas permitem que terceiros tenham acesso irrestrito ao dispositivo com privilégios de administrador.

A pirataria é um problema grave. Representa prejuízo para quem atua dentro da lei e para o Estado, além de riscos para os usuários. Por isso precisa ser combatida. Um dos méritos da decisão da Anatel é permitir mais agilidade e eficiência ao enfrentar os piratas por meio de bloqueios administrativos do sinal das operadoras. Espera-se que a iniciativa, implantada com sucesso em países como Portugal, Itália, Alemanha, Grécia e Lituânia, funcione como desestímulo ao streaming clandestino e à venda de aparelhos não homologados. É só o começo, mas já é um avanço.

Atividade em risco

Folha de S. Paulo

Se desaceleração da economia em 2023 era prevista, Lula ameaça a retomada futura

Depois do surpreendente desempenho da economia em 2022, com alta do Produto Interno Bruto próxima a 3%, queda acentuada do desemprego e expansão da renda, é sabido há muitos meses que haverá desaceleração neste ano.

As projeções para o PIB do quarto trimestre, a ser divulgado em março, apontam para uma pequena retração. As vendas no varejo começaram a cair, e o crédito caro conterá o consumo. Apenas a agropecuária, que colherá uma safra recorde, deve ter expansão. Tudo somado, a economia deve crescer menos de 1% em 2023.

É o resultado do esgotamento do impulso da reabertura pós-pandemia, mais o efeito do necessário combate à inflação pelo Banco Central. A taxa básica de juros está em muito elevados 13,75% anuais —descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses, são cerca de 8% em termos reais.

É um patamar contracionista. Seguindo o curso normal, até recentemente era esperada uma desaceleração material da alta dos preços, que viabilizaria a convergência da inflação para a meta de 3% no ano que vem. Nesse quadro, seria possível algum afrouxamento da política monetária ainda neste ano.

A retomada viria em 2024 e tudo indicava que podia ser duradoura. Esse prognóstico valia com uma condição —a de que haveria boas escolhas na política econômica por parte do novo governo. Entretanto os sinais que se acumulam são péssimos, em especial os que derivam da conduta temerária de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Com declarações desastradas e acirramento de confrontos contraproducentes para sua própria gestão, o mandatário não parece perceber que mina as frágeis expectativas de melhora no médio prazo.

As críticas nada institucionais ao Banco Central e as ameaças de retrocesso em reformas e privatizações feitas nos últimos anos têm enorme impacto na economia, muito além do mercado financeiro —o vilão preferido do petista.

Lula busca bodes expiatórios e uma cobertura política para não ser responsabilizado pela perda de vigor econômico deste ano, mas poderá colher um resultado muito pior, sem ter a quem culpar depois.

Investimentos começam a ser adiados, concessões fundamentais para o avanço da infraestrutura atrairão menos interessados e empréstimos para famílias e empresas serão reduzidos.

Se um 2023 difícil está contratado, o grande risco para o governo é comprometer as chances melhores que estavam postas para os anos vindouros.

O presidente deveria fiar-se no apoio popular do início do mandato para efetuar os ajustes necessários. Fazer o contrário é elevar o risco de uma recessão em breve.

Educar desde o berço

Folha de S. Paulo

Matrículas em creches aumentam, mas falta alcançar meta e garantir qualidade

Segundo o Censo Escolar 2022, O número de matriculas em creches no Brasil aumentou. No ano passado, foram 3.935.689, o que representa 36% das crianças até 3 anos —alta de 4% em relação a 2019 e de 5% ante os dois anos da pandemia.

O avanço é contínuo —em 2005 eram apenas 17%. É lento, porém. Ainda estamos distantes da meta do Plano Nacional de Educação (PNE), que é de 50% em 2024. A matrícula escolar só é obrigatória a partir dos 4 anos de idade, mas creches desempenham um papel importante não só na educação.

Uma pesquisa do americano James Heckman, prêmio Nobel de economia, revelou que pessoas que recebem atendimento pedagógico entre 0 e 4 anos de idade ficam mais motivadas para os estudos ao longo da vida e têm mais chances de conseguir emprego.

Isso porque, nesse estágio do desenvolvimento infantil, o cérebro em formação é capaz de criar conexões neurológicas que facilitam cognição, aprendizagem, sociabilidade —e que perduram ao longo da vida. No entanto estar matriculado não é suficiente. O diferencial está nos estímulos recebidos.

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, a creche no Brasil funciona mais como serviço de assistência (higiene e alimentação) do que de educação. O motivo é a escassez de recursos para contratar e capacitar profissionais, adquirir brinquedos e livros e montar espaços de interação diversificados.

Por isso, o desafio nacional é duplo: aumentar o número de vagas e melhorar a qualidade do atendimento. Mesmo assim, deve-se enfrentá-lo, também para diminuir desigualdades sociais e de gênero.

Como em outras áreas da educação, famílias com maior poder aquisitivo têm acesso mais fácil a creches de melhor qualidade, enquanto as pobres aguardam em longas filas por vagas em estabelecimentos precarizados —problema que impacta ainda mais as mães.

De acordo com pesquisa do IBGE publicada em 2021, apenas 54,6% das mulheres que vivem com crianças de até 3 anos conseguem trabalhar —ante 89,2% dos homens na mesma situação. O percentual sobe para 67,2%, no caso de mulheres sem crianças nessa faixa etária, e cai para 49,7% quando são negras.

Investir em creches, e na educação infantil de um modo geral, não apenas melhora a aprendizagem como é um mecanismo que aumenta a produtividade e reduz desigualdades. Os países desenvolvidos já aprenderam essa lição.

Presidente pode muito, mas não tudo

O Estado de S. Paulo.

Assim como seu antecessor, Lula considera que ter vencido as eleições lhe dá poderes extraordinários, e as instituições que existem para limitá-los são, por isso, tratadas como inimigas

Por tática política ou capricho, o presidente Lula da Silva transformou o Banco Central (BC) – em particular o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto – no inimigo público número 1 do crescimento econômico e, consequentemente, do “povo brasileiro”. Lula passou a liderar uma cruzada contra o BC após o Comitê de Política Monetária (Copom) decidir, na semana passada, manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, o que desagradou ao Palácio do Planalto.

A retórica belicosa de Lula contra o BC, uma instituição independente do Poder Executivo por força da Constituição, convém lembrar, assemelha-se muito ao discurso que era adotado por seu antecessor no cargo, Jair Bolsonaro, para contestar decisões derivadas da autonomia funcional de instituições que estão fora da esfera de influência direta da Presidência da República.

Como esquecer, por exemplo, dos ataques de Bolsonaro à autonomia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em alguns dos momentos mais dramáticos da pandemia de covid-19 no País? Como esquecer também os resultados da desabrida campanha de Bolsonaro contra instituições como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral?

Lula e muitos de seus apoiadores podem até ficar sentidos com a comparação, mas a realidade é implacável: o petista e Bolsonaro, em que pesem as muitas diferenças que há entre um e outro, convergem numa incompreensão da legitimidade que lhes foi conferida pela supremacia da vontade popular para governar o País. Nos ataques de Lula ao BC subjaz essa irresignação com o fato de que o presidente da República pode muito, mas não pode tudo.

Durante os últimos quatro anos, Bolsonaro disse e cometeu os maiores absurdos afirmando que estava apenas fazendo aquilo que o “povo escolheu nas urnas”. Na abertura da reunião com o Conselho Político da Coalizão, um grupo formado pelos presidentes dos partidos políticos e outras lideranças que integram a base de apoio do governo, Lula, a pretexto de justificar suas críticas ao BC e à política monetária, afirmou que “não tem de pedir licença para governar” e que o governo tem de “tentar fazer aquilo que foi o propósito pelo qual ganhamos a eleição”.

Ora, ninguém em sã consciência haveria de achar que o presidente Lula teria mesmo de “pedir licença” para governar o País. Uma coisa, no entanto, é ter o direito e mesmo o dever de implementar a agenda vencedora nas urnas; outra, muitíssimo distinta, é tentar deslegitimar as instituições que, com ou sem voto popular, são tão democráticas quanto a Presidência da República e que integram a arquitetura que sustenta a República.

O arranjo institucional estabelecido pela Constituição de 1988, tão atacado por Bolsonaro não apenas durante seu trevoso mandato presidencial, mas ao longo de toda sua trajetória de quase três décadas de vida parlamentar, parece desagradar também ao presidente Lula. Na lógica lulopetista (e bolsonarista), quando a independência funcional de instituições como o BC vai de encontro aos interesses do governante de turno, ela é ruim para o País e tem de ser revista; quando se coaduna com os desígnios do chefe do Poder Executivo, é boa e deve ser preservada. Ora, não é assim que se opera em uma República democrática. A Constituição não se molda aos humores de nenhum governante.

O curioso é que a loquacidade de Lula tem sido contemporizada por alguns de seus interlocutores mais próximos, assim como fizeram muitos auxiliares diretos de Bolsonaro por ocasião de suas diatribes. Enquanto o presidente Lula pressiona o BC e fustiga publicamente Campos Neto, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad; da Casa Civil, Rui Costa; e de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, põem panos quentes e só falta dizerem que o que Lula fala não deve ser levado a sério. Padilha foi o mais enfático ao declarar, no dia 8 passado, que o governo “reafirma” não haver “qualquer discussão” para alterar o status do BC no que concerne à sua autonomia.

O que pretende Lula, então? Passar os próximos 22 meses brigando publicamente com Campos Neto para forçá-lo a deixar o cargo? Ou trabalhar pela construção e aprovação de medidas econômicas que levem à queda natural e sustentada da taxa de juros no País?

Novos rumos para a novela do Brexit

O Estado de S. Paulo.

Britânicos começam a se dar conta dos ônus do Brexit e muitos acalentam o sonho de voltar à UE. Sendo ou não possível, todos ganham com um processo realista de pacificação

Além das motivações mais abstratas, culturais e emocionais da maioria de britânicos que votaram pela saída do Reino Unido da União Europeia (UE) em 2016, como se libertar do “super-Estado europeu” comandado pela “tecnocracia globalista de Bruxelas”, a expectativa era de mais controle sobre a imigração, menos impostos, mais subsídios à indústria local, menos regulação e melhores serviços públicos. Mas poucos casos ilustram mais redondamente a metáfora do “tiro no pé” que o Brexit.

Seis anos depois, e dois após o retorno das barreiras comerciais com a UE, o Reino Unido é a única economia desenvolvida que não recuperou seu tamanho após a covid, e o FMI prevê que ela terá o pior desempenho em 2023. O Brexit não é a única causa do mal-estar, mas ele agrava as outras. Modelagens do Centro para a Reforma Europeia e da Secretaria para a Responsabilidade Orçamentária sugerem que sem ele a economia estaria até 6% maior. Além disso, os investimentos teriam crescido 11%; o comércio, 7%; e a produtividade, 4%, enquanto os alimentos teriam ficado 6% mais baratos. Acordos com países fora da UE, seu maior parceiro comercial, não supriram as perdas. Para compensá-las, mantendo o padrão de seguridade social europeu ao qual os britânicos se acostumaram, foi preciso aumentar impostos.

A imigração segue alta. A diferença é que os imigrantes da UE, que em 2016 eram metade do total, hoje são um quinto, e foram substituídos por outros com menos afinidades culturais e qualificação.

O mercado comum europeu eliminara os controles alfandegários entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, mas o Brexit ameaça restabelecêlos, prejudicando a paz na região. Após a “guerra civil” política do Brexit, o Reino Unido já teve cinco premiês – os cinco anteriores se distribuíram em 31 anos. Não surpreende que só 28% dos britânicos acreditem que a vida melhorará em 2023, nem que a confiança no governo tenha despencado.

Pode esse reverso da fortuna ser interrompido? Para o articulista do Financial Times Gideon Rachman, sim. Hoje, quase 60% dos britânicos creem que a saída foi um erro e votariam para se reunir à UE. A demografia está a seu favor: 79% dos jovens são pela reunião. “Em algum momento, os políticos precisarão responder – e a ideia de retornar à UE se tornará o mainstream”, escreveu Rachman. Uma plausível maioria trabalhista após as eleições de 2026 facilitaria o processo. Mas Rachman não ignora as dificuldades: a UE pode resistir à volta desse parceiro recalcitrante e ela traria custos: a integração teria de ser mais profunda, incluindo compromissos com o euro, o orçamento europeu e o livre fluxo de pessoas.

A concretização desse ideal, factível ou não, depende de um pragmatismo realista que desde já estabilizaria a relação entre o Reino Unido e a UE. Muitas das frustrações dos favoráveis e dos contrários ao Brexit resultaram da recusa em aceitar os ônus da saída ou da permanência, um estado de espírito ilustrado pelo “bolismo” (cakeism) – “ter o bolo e comê-lo” – do ex-premiê Boris Johnson, que levou à opção por um Brexit duro, sem concessões. O momento pede flexibilidade.

Certas medidas encontrarão resistência dos nativistas, como o alinhamento com regulamentos europeus supervisionados pela Corte europeia, mas as evidências dos danos comerciais do Brexit podem aliviá-la. Resolver as disputas comerciais com a República da Irlanda seria um passo importante, assim como retomar a participação em programas comuns estudantis e científicos. Mais relevante, brexiteers e remainers terão de renunciar ao dogmatismo e ao voluntarismo que excitam uma polarização tóxica. “Tomar esse caminho exigirá o fim do pensamento mágico”, comentou a revista britânica The Economist. “Será um processo lento e incremental, não impulsivo e revolucionário. Isso significará nutrir a confiança e o consenso, ao invés de sustentar referendos do tipo ‘o vencedor leva tudo’ e impor ultimatos a Bruxelas.”

Em resumo, se as partes divorciadas reconstruírem a amizade, há uma chance de voltarem a se casar com laços mais firmes. Mas, independentemente desse desfecho, desde já, todos ganham com o processo de pacificação.

Infância longe da pré-escola

O Estado de S. Paulo.

Brasil tem o dever de assegurar o direito à educação das crianças de 4 e 5 anos

O início de mais um ano letivo renova o desafio para que o País consiga universalizar por completo o acesso à educação básica. Apesar de enormes avanços nas últimas décadas, 1 milhão de crianças e adolescentes permanecem fora da escola. Vale notar que essa exclusão atinge principalmente a população em idade pré-escolar, na faixa de 4 a 5 anos − fase em que o cérebro está em plena formação. O recém-lançado Censo Escolar de 2022 mostra que 512 mil crianças nessa faixa etária estavam longe das salas de aula no ano passado. Uma lástima e um alerta para que as redes de ensino adotem ou reforcem estratégias de busca ativa.

A meta de universalização do atendimento das crianças de 4 e 5 anos foi incluída no Plano Nacional de Educação (PNE) e deveria ter sido atingida em 2016. De acordo com estimativa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no entanto, a parcela de crianças sem frequentar a pré-escola girava em torno de 8% no ano passado, índice bem maior que o verificado no ensino fundamental (0,3%). Vale lembrar que o PNE é lei e que a própria Constituição prevê o atendimento escolar obrigatório a partir dos 4 anos de idade. No Brasil, não raro, nem isso basta para garantir a efetivação de direitos.

Recente estudo elaborado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal − Desigualdades na garantia do direito à pré-escola − chamou a atenção para a diminuição de matrículas durante a pandemia de covid19 e como isso afetou ainda mais as crianças de famílias de baixa renda, pretas, pardas e indígenas. Os novos dados do Censo Escolar, felizmente, revelam que essa tendência foi estancada em 2022. Uma boa notícia. Mas o País tem muito a avançar rumo à universalização.

Pesquisas em diferentes países já constataram a contribuição da pré-escola para o desenvolvimento cognitivo e emocional, com reflexos na vida adulta. Brincadeiras e atividades na pré-escola facilitam a alfabetização na idade certa, passo decisivo para as demais aprendizagens no ensino fundamental e médio. Quem é privado desse tipo de experiência na infância tende a enfrentar mais dificuldades. O relatório da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal diz isso claramente: “Crianças que frequentam a pré-escola têm mais chances de terminarem a educação básica e maiores taxas de empregabilidade, bem como níveis mais altos de escolarização durante a vida adulta.”

O estudo foi elaborado com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). As duas organizações estão à frente de iniciativas de busca ativa para tentar reduzir o contingente de crianças longe das salas de aula. A educação infantil é responsabilidade das prefeituras, mas esse esforço deve mobilizar também os governos estaduais e o governo federal, além da Justiça, dos conselhos tutelares e das famílias em todo o País. Cada criança matriculada é uma chance a mais de um futuro melhor.

3 comentários:

Anônimo disse...

O Globo
"Parece evidente que a saída de cena de Bolsonaro provocou reação imediata das potências ocidentais, dando a oportunidade para Lula cumprir uma de suas promessas de campanha: retirar do Brasil a pecha de pária."

É evidente! Bom pro mundo, bom pro Brasil!

Anônimo disse...

O Globo
"Noutro sinal de boa vontade, o governo americano incluiu no comunicado conjunto apoio à ampliação do Conselho de Segurança da ONU, antiga demanda de governos petistas."

Fantástico! Excelente!

Anônimo disse...

Estadão
"A retórica belicosa de Lula contra o BC, uma instituição independente do Poder Executivo por força da Constituição,..."

Elaborar um editorial com base num pressuposto falso depõe contra a imprensa.
Campos Neto não cumpriu suas obrigações exatamente porque NÃO foi independente.
A belicosidade, por outro lado, fica por conta da subjetividade do editorialista.