domingo, 26 de março de 2023

Cristovam Buarque* - A última trincheira da escravidão

Blog do Noblat / Metrópoles

A última trincheira da escravidão continuará enquanto o Brasil não tiver um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base

Quem conhece o livro “A Última Trincheira da Escravidão”, publicado pela Editora da Universidade Zumbi dos Palmares, sabe que as recentes denúncias de escravidão são consequência de uma fonte inesgotável de escravos dentro do Brasil: a desigualdade como a educação é oferecida. Antes, os escravos eram arrancados da África, agora, são arrancados da escola. A falta de educação necessária para trabalho qualificado leva brasileiros a emprego em condições similares à escravidão.

Em 1871, os escravocratas aceitaram a Lei do Ventre Livre ao perceberem que ela soltava, mas não libertava aos filhos das escravas. Para soltar, basta retirar as algemas; para libertar, precisa dar um mapa para que o solto saiba orientar-se no caminho que escolher. Esse mapa vem da escola. Depois de 17 anos, repetiram a mesma estratégia, aprovando a Lei Áurea, que soltou, mas não libertou os escravos, por falta de escola que lhes daria o mapa para um emprego, renda, alternativas sociais.

O Brasil precisou esperar o século XXI para ter uma lei que assegura vaga na escola a toda criança brasileira, a partir dos 4 até os 17 anos de idade. Mesmo assim, a lei não é cumprida e a última trincheira da escravidão foi mantida sob a forma da escola desigual: “escola casa grande”, para alguns, e “escola senzala”, para a maioria.

Dezenas de quase-escravos foram soltos nas últimas semanas, mas, por falta de educação, milhões só encontram trabalho em condições semelhantes à escravidão. Eles não foram buscados na África, não podem ser vendidos, mas são condenados ao desemprego ou renda insuficiente, e são submetidos a formas escravocratas de trabalho. Felizmente, temos o Ministério Público desfazendo estas condições, mas estão apenas soltando, não estão libertando os escravos atuais, e deixam milhões de outros em situação semelhante, como forma para sobrevivência.

A última trincheira da escravidão continuará enquanto o Brasil não tiver um Sistema Único Nacional Público de Educação de Base para todos brasileiros, com a máxima qualidade, da primeira infância até o final do ensino médio, alfabetizando para a contemporaneidade, independente da renda e do endereço.

A partir dos anos 1860, a população brasileira começou a se mobilizar pela Abolição da Escravatura, mas não se vê movimento parecido para completar o que foi feito naquela época, eliminando agora a última trincheira da escravidão. Talvez nem os educadores, nem o Ministério da Educação tenham consciência desta responsabilidade, nem da contribuição dada pela Universidade Zumbi dos Palmares na tentativa de despertar o Brasil para o fato que soltar não é libertar. Libertar é educar quem foi solto.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

 

4 comentários:

Fernando Carvalho disse...

Para que nossa libertação dos escravos ficasse realmente completa. Faltou uma reforma agrária. O Brasil tem 8.511.965 Km2. Os índios que eram donos de tudo hoje possuem 1.173.776 Km2. Proponho um milhão de quilômetros quadrados para os negros e dois milhões para os pardos. Ainda restariam para os nazilatifundiários 5 milhões de Km2. E eles são apenas 1% da população, confere?

Anônimo disse...

Esse sujeitinho aí só fala. Fazer que é bom esse bosta nunca fez nada.

ADEMAR AMANCIO disse...

Agora é tarde pra fazer reforma agrária,eu mesmo não gostaria de morar em roça,a maioria não aceita.

Fernando Carvalho disse...

Ademar Amancio. Não se trata de morar na roça. Mas de acabar com essa divisão onde o povo vive em favelas em morros sem saneamento básico. Não dá para educar o povo nessas condições. Chamemos então de "reforma urbana".