O Estado de S. Paulo
A economia brasileira se arrastou e a
indústria regrediu com juros altos e baixos nos últimos dez anos
Roma é um excelente lugar para reclamar dos juros e acusar o presidente do Banco Central (BC) de jogar contra a economia brasileira. Paris, etapa seguinte da mesma viagem, também serviria, mas o assunto estava quentíssimo na quinta-feira. A dolorosa taxa de 13,75%, uma das mais altas do mundo, havia sido mantida no dia anterior pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Com mais uma visita à Europa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou sete idas ao exterior em menos de seis meses de mandato. Pouco se dedicou às prosaicas tarefas da administração, mas o ministro da Fazenda vem batendo o ponto regularmente e as projeções têm melhorado. Em um mês o crescimento econômico estimado para este ano passou de 1,20% para 2,14%, segundo a pesquisa Focus, conduzida semanalmente no mercado financeiro. Mas continuaram deprimidos e deprimentes os números calculados para os anos seguintes: 1,20% para 2024, 1,80% para 2025 e 1,90% para 2026. Todo o cenário é medíocre. Culpa do BC com sua política de juros altos? O presidente Lula, alguns economistas e muitos empresários insistem nessa explicação, tão simples e cômoda quanto enganosa.
O Brasil está emperrado há pelo menos dez
anos, tendo raramente superado, nesse período, a taxa anual de expansão de 2%.
A economia pouco avançou mesmo em fases de juros baixos. Além disso, o País
pouco se preparou para ganhar dinamismo. Desde o ano 2000 o investimento em
meios físicos de produção, como equipamentos, máquinas e obras de
infraestrutura, equivaleu em média a 18% do Produto Interno Bruto (PIB).
Manteve-se, portanto, muito abaixo dos níveis observados em outras economias
emergentes, frequentemente superiores a 24%. Além disso, a partir de 2015 a
média nacional foi inferior a 17%, segundo o Instituto Brasileiro de Economia
da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV).
Crescimento econômico envolve muito mais
que dinheiro barato e estímulo ao consumo, outra condição valorizada pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Juros baixos são importantes, mas a
decisão de investir depende também da confiança no governo, da segurança
institucional e da expectativa de condições favoráveis. Mas também é preciso
levar em conta a formação do chamado capital humano, por meio da educação em
todos os níveis e do treinamento para o trabalho. A qualidade da mão de obra é
especialmente importante quando se investe em sistemas de produção modernos e
tecnicamente complexos. Isso se aplica tanto à indústria quanto à agropecuária,
atualmente o setor mais dinâmico e mais competitivo da economia brasileira.
A condição especial do agronegócio é explicável
tanto pela evolução do setor nas últimas quatro décadas quanto pelo
enfraquecimento da indústria. O setor industrial brasileiro está em crise há
pelo menos dez anos. As perdas mais graves têm ocorrido no segmento de
transformação, o mais diversificado e mais presente no dia a dia da maior parte
das pessoas. Sua produção inclui roupas, sapatos, comida, bebida, equipamentos
elétricos e eletrônicos, móveis e outros bens de uso doméstico, veículos,
máquinas e equipamentos industriais, cosméticos, material de higiene e limpeza
e medicamentos, entre outros bens.
A crise talvez tenha ficado mais
perceptível a partir da pandemia. Em abril, a produção da indústria foi 0,6%
menor que a do mês anterior e 2,7% inferior à de um ano antes, ficando 2%
abaixo da alcançada em fevereiro de 2000, quando se confirmaram os primeiros
casos de covid. Em quatro meses, o setor produziu 1% menos que entre janeiro e
abril de 2022. Em 12 meses o resultado foi 0,2% inferior ao do período
precedente. Além disso, a média móvel do trimestre fevereiro-abril foi 18,5%
menor que o volume alcançado em maio de 2011, pico da série histórica do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O quadro é
especialmente dramático no caso dos bens de consumo duráveis, com produção 42,7%
inferior à de março de 2011.
Essas e outras comparações em períodos
longos tornam indisfarçável o encolhimento da atividade fabril. Não se trata da
migração para um estágio pós-industrial, semelhante ao observado em economias
avançadas, mas de um retrocesso. O Brasil vem perdendo uma condição alcançada
em décadas de muito investimento e de enorme esforço de industrialização.
Não se pode falar de um desastre repentino.
A desindustrialização tem sido um processo longo e atribuível a fatores bem
definidos. Houve uma inegável desatualização das políticas. Pouco se cuidou da
integração global e da competitividade, perderam-se recursos com benefícios
fiscais mal desenhados, manteve-se uma tributação inadequada e faltaram
estímulos ao investimento em capacidade e em tecnologia. O vice-presidente
Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, tem um programa de
reindustrialização, mas falta verificar se o governo conseguirá executá-lo com
eficiência. Se o governo, além disso, mostrar seriedade na gestão das contas públicas,
facilitará a redução dos juros. Essa é uma agenda muito melhor que brigar com o
Banco Central.
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