quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Lu Aiko Otta - Novidades no Orçamento de 2024

Valor Econômico

Mudanças que pretendem dar mais elementos para se discutir como, e com quais resultados, é gasto o dinheiro do contribuinte

Independentemente da pancadaria que o aguarda no Congresso Nacional e das dúvidas que especialistas levantam sobre sua factibilidade, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024 traz novidades que o colocam no estado da arte do que se discute no mundo sobre governança de recursos públicos. São mudanças que pretendem dar mais elementos para se discutir como, e com quais resultados, é gasto o dinheiro do contribuinte brasileiro.

O Brasil está atrasado uns 15 anos nesse debate, comentou o secretário de Orçamento Federal, Paulo Roberto Simão Bijos, em entrevista a este jornal. As principais economias do mundo implementaram mudanças após a crise de 2008.

São quatro novidades no PLOA 2024, das quais duas são imediatamente visíveis e duas mostrarão seu reflexo ao longo do ano.

Entre as visíveis, está o orçamento de médio prazo. Pela primeira vez, foram disponibilizadas previsões sobre quanto será gasto não só no ano seguinte, mas também nos três anos à frente.

Por exemplo: sabe-se que o governo pretende aportar R$ 69,4 bilhões na educação básica em 2024, cifra que passará para R$ 70,6 bilhões, R$ 80,2 bilhões e R$ 85 bilhões nos anos seguintes. Com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), serão R$ 61,7 bilhões, R$ 58,7 bilhões, R$ 62,2 bilhões e R$ 63,9 bilhões.

O que esses números pretendem mostrar é que uma eventual decisão de conceder um grande reajuste salarial, por exemplo, poderá significar menos recursos para o PAC não só naquele ano, mas no período à frente, explicou Bijos.

“Decisões alocativas são políticas, mas tecnicamente subsidiadas”, afirmou. “Quanto melhor o subsídio, melhor chance de a decisão política ser bem-informada.”

Outra novidade visível é o recorte transversal, que mostra quanto os diversos ministérios estão destinando a determinados grupos: mulheres, infância e adolescência, igualdade racial, povos indígenas e ambiental. Ainda neste ano, serão criados painéis virtuais detalhando essas despesas.

Na parte não imediatamente visível no PLOA, haverá um primeiro “cara-crachá” do gasto público, informou Bijos. A cada semestre, será possível saber quantas unidades do programa Minha Casa Minha Vida foram entregues e comparar com a meta. O mesmo será feito com cisternas e com operações de crédito e instalação de famílias assentadas. Esse controle será futuramente ampliado.

Por fim, o novo conjunto de regras orçamentárias contempla as revisões de gastos (“spending reviews”). Essas vão afetar a execução dos gastos públicos de várias formas, segundo o secretário.

Por exemplo: os pentes-finos nas concessões do Bolsa Família e dos benefícios previdenciários poderão proporcionar redução nas despesas obrigatórias.

As revisões, que estão em curso no Ministério do Planejamento, mostrarão se a despesa pública tem gerado os resultados esperados ou não. Assim, podem embasar decisões sobre contingenciamento de recursos orçamentários ou sobre ampliação de créditos para ministérios. Também servirão de guia para a elaboração do próximo PLOA.

Já no próximo Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) haverá um relatório com recomendações produzidas a partir das avaliações. Poderão ser ignoradas, como já ocorreu outras vezes, ou poderão servir de base para reformular programas que estejam usando mal os recursos.

“Espero que, passada a turbulência típica da discussão do ajuste fiscal de curto prazo, esses temas subam na escala das prioridades do governo”, comentou Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena. “As ‘spending reviews’ não vão mudar a qualidade do gasto da noite para o dia, mas elas podem representar um processo gradual, porém contínuo, de melhora da composição do orçamento.”

A revisão de gastos e o orçamento de médio prazo podem produzir “uma pequena revolução em matéria fiscal”, avaliou.

Realizar avaliação de gastos é um primeiro passo, mas o desafio é fazer com que esse trabalho gere resultados concretos, acrescentou a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto. Ela disse que há espaço para melhorar políticas públicas, mas em muitos casos é preciso alterar a lei para que elas possam ser mais bem focalizadas. Assim, é grande a dificuldade em melhorar a alocação de recursos públicos.

Bijos chama esse conjunto de mudanças de Orçamento por Desempenho 2.0. “Se vou ter acréscimo de mais de R$ 50 bilhões para a saúde, o que isso vai gerar de resultado? Queremos avançar com força nessa discussão”, explicou.

Elogiadas por especialistas, as mudanças estão por ora ofuscadas pelas grandes incertezas sobre o PLOA 2024. Ao depender de um grande volume de receitas ainda não concretizadas, a peça orçamentária traz desconfiança, avaliou Pinto. Apesar de o governo haver sinalizado com o prometido déficit zero, o cenário é muito incerto, comentou.

No entanto, os aperfeiçoamentos no marco orçamentário, em particular as revisões de gastos, merecem toda atenção. É um trabalho que busca tratar com mais respeito os recursos públicos e trazer aos contribuintes um retorno de maior qualidade.

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e aprendendo.

Daniel disse...

Muito bom! Jegues prometeu muito e entregou pouco, além de ser humilhado por Bolsonaro e postergar os precatórios pro governo que viria (no caso, Lula III). Quem sabe os ministros de Lula consigam superar as expectativas pessimistas do dito "mercado".