quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Maria Cristina Fernandes - O precoce desgaste do governo Lula

Valor Econômico

Planalto hesita e fica a reboque do bolsonarismo sem Bolsonaro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou o verbo no futuro, mas os problemas políticos decorrentes do fôlego renovado do populismo de direita já começaram. Já vinham de antes, mas a vitória de Javier Milei lhes deu eco. O prognóstico de seu governo é duvidoso, mas sua vitória mostrou que o apelo liberal fantasiado de extrema direita preserva seu espaço neste canto do mundo.

Na esteira da eleição argentina, a oposição brasileira ganhou fôlego no Congresso e encontrou terreno fértil nos erros deste governo para prosperar. O exemplo mais patente foi a aprovação da carteira verde e amarela. Nem o governo Jair Bolsonaro tinha sido capaz de fazer tramitar no Congresso a proposta do ex-ministro Paulo Guedes que flexibiliza direitos trabalhistas de jovens e idosos.

Agora o projeto passou na Câmara contra a oposição de apenas 91 deputados, número inferior à base do governo na Casa. Ainda precisa ser confirmado pelo Senado e pela sanção presidencial, mas virou troféu do bolsonarismo sem Bolsonaro.

A votação deste projeto, porém, só ganhou fôlego depois da portaria do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, sobre o trabalho aos domingos e feriados. A lei o permite. Portaria do governo Bolsonaro tornou a liberação permanente para 14 categorias do comércio. A de Marinho a submeteu a convenção coletiva ou à aprovação de lei municipal.

Pressionado pelas centrais sindicais, o ministro agiu sem ouvir o patronato, que mobilizou suas bancadas na Câmara. Na manhã desta quarta-feira, a Câmara aprovou a urgência para votação de projeto que cancela a portaria de Marinho. O ministro voltou atrás e criou um grupo de trabalho para negociar com as partes envolvidas.

As bancadas de oposição contaram com a boa vontade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que, assim como o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) - vide a PEC contra as decisões monocráticas do STF - não perde uma oportunidade de satisfazer as bases eleitorais com as quais pretende contar para a sucessão das mesas diretoras e para seu próprio futuro eleitoral.

As lideranças envolvidas nos temas em ambas as Casas, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), não poderiam ser mais representativas deste movimento. Nunca se fiaram na estridência das bancadas bala-boi-bíblia, mas militam na contenção dos poderes dos ministros do STF e na defesa dos interesses liberais que ascenderam no governo passado.

Sua defesa não se limita aos sócios do bolsonarismo. Avança sobre os do lulismo. A PEC das decisões monocráticas até o voto do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), teve. O líder não orientou a bancada nesta direção, mas votou a favor do projeto. Nunca é tarde para o governo tentar se dissociar dos desgastes dos superpoderes dos ministros do Supremo junto à opinião pública. Especialmente num projeto que tem futuro incerto na Câmara, onde Lira é beneficiário de sucessivas decisões monocráticas no STF.

Tem ainda a campanha contra o veto presidencial à desoneração, que tem a adesão sindical. Esboça a tese da manutenção dos empregos e enfrenta aquela, defendida pela Fazenda, de preservação do fôlego fiscal sem o qual não haverá políticas públicas capazes de manter a competitividade deste governo frente ao bolsonarismo sem Bolsonaro.

O clima no Congresso sugere que um veto presidencial à desoneração abrirá uma fissura com a coalizão de interesses que moveu o governo passado e que demonstra ter mantido capacidade de mobilização política. É uma situação, entre muitas, a pressionar o rombo fiscal do país, reavaliado, nesta quarta, para R$ 177 bilhões.

Os humores com os rumos do governo não afetam apenas as bolhas de Brasília. Já chegaram à população. A pesquisa Atlas desta semana mostrou que a avaliação negativa (ruim/péssimo) do governo Lula ultrapassou, pela primeira vez, a positiva (ótimo/bom). O desgaste precoce vem associado à ascensão, ao pódio dos principais problemas do país, da criminalidade e da corrupção.

Bolsonaro não apenas está fora do jogo como, na pesquisa, compõe o triunvirato dos mais rejeitados ao lado de Arthur Lira e Ciro Gomes. O problema é que o binômio que o elegeu continua vivo.

A preocupação com a corrupção é anterior à votação, nesta quinta, do plano de investimentos da Petrobras, um dos maiores embates em curso no governo, e lhe serve de alerta. Aquela com a criminalidade, diz Andrei Roman, diretor do Atlas, chegou ao pico dos últimos 20 anos.

A pasta da Justiça e da Segurança Pública tem como titular o melhor comunicador da Esplanada, o que não garante sua blindagem. Desde a posse de Lula, Flavio Dino foi o ministro mais ativo no embate com o bolsonarismo, mas a escalada do crime organizado acabou por absorver sua agenda pública.

A torcida adversária o acompanhou. E, neste tema, é mais bem sucedida ao enfrentá-lo. Seja pelos erros da militância petista na reação a temas como o da “dama do tráfico”, seja porque a cada operação de desbaratamento de quadrilhas de tráfico e de suas finanças segue-se um crime inominável nas Gazas brasileiras de todos os dias.

O último foi a truculência contra torcedores argentinos. Veio da polícia carioca, a mais bolsonarista do país, mas já caiu no colo do governo que se opôs a Milei. Parece uma distopia, mas é apenas um governo a reboque.

 

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