O Estado de S. Paulo
A postura atual do Brasil no conflito de Gaza limita as opções
A política externa de potências regionais
médias com escassa capacidade de projetar poder, como é o caso do Brasil,
precisa de sutileza, credibilidade e reputação. No caso do conflito em Gaza, o
presidente brasileiro escolheu falar grosso, arruinar a credibilidade e buscar
reputação com um dos lados envolvidos.
Israel está sendo criticado com veemência,
contundência e palavras duras pronunciadas por países democráticos, que
consideram inaceitável a matança de civis na operação militar contra o
terrorismo do Hamas. Esses mesmos países, porém, não igualam Israel ao Hamas,
como Lula insiste – por mais que denunciem o sofrimento imposto aos civis em
Gaza.
Ao desprezar esse tipo de sutileza, Lula perde a credibilidade de uma política externa que pretende defender princípios consagrados. Ela sofre fortemente com relativismos frente ao conceito de democracia, como ocorreu com a Venezuela, ou quando se denuncia como crime de guerra a morte de crianças em Gaza, mas não quando a Rússia as deporta da Ucrânia.
Lula está assegurando uma boa reputação
sobretudo entre correntes ideológicas para as quais o tal “mundo livre” não
passa de ficção imposta pela hegemonia americana, da qual Israel é peça
fundamental. Além de alguns países, como Irã e Rússia, dedicados a combater os
Estados Unidos e suas alianças.
É fato que política externa é a do
presidente, e a diplomacia (entre outras ferramentas) faz o que ele quer. A de
Lula é em função de sua pessoa e do papel extraordinário que ele se atribui
como uma espécie de “guardião da paz” no cenário internacional, embora haja uma
evidente desconexão entre o peso que ele julga ter e o peso real do Brasil.
Em relação a si mesmo o presidente tem, como
todo populista (de esquerda ou de direita), a convicção de saber melhor do que
ninguém o que é bom ou desejável para o “interesse nacional”. Do qual se coloca
como principal, se não único intérprete.
Há também um importante fator político
doméstico embutido nas posturas de Lula frente ao conflito de Gaza, mas não só.
Ele escolheu trazer para a polarização política brasileira o que já sempre foi
um perigoso contexto de disputa de narrativas e guerra de informação. Seu
cálculo político eleitoral se baseia na manutenção do embate com o que possa
ser chamado de bolsonarismo.
Muito do que virá “depois” dependerá das
operações militares israelenses neste momento, mas, do jeito que está a
situação atual, pode-se antecipar um esforço diplomático considerável, com
endosso americano, para algum tipo de arranjo político na direção de “dois
Estados”. É essa oportunidade do “depois” que Lula está desperdiçando.
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