sexta-feira, 12 de abril de 2024

Flávia Oliveira - Só o Rio explica

O Globo

Famílias, organizações sociais, formadores de opinião, investigadores e políticos locais e internacionais não descansaram por seis anos cobrando a elucidação do crime

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. No plenário, 277 votos confirmaram a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, a pedido da Polícia Federal e avalizada pela Procuradoria Geral da República. Na bancada do Rio de Janeiro, dos 46 parlamentares, apenas 18 concordaram em manter a detenção. Outros 18 votaram contra; dez se abstiveram ou faltaram, indício de alinhamento acanhado ao colega.

O enfrentamento entre Poderes não é suficiente para explicar por que seis em dez deputados federais do Rio ficaram ao lado de um dos suspeitos de ser o mandante do crime que tirou a vida de uma vereadora no exercício do mandato. A queda de braço entre Legislativo e Judiciário, entre parlamentares e ministros do STF, Moraes em particular, se desenrola há muitos meses. Não é segredo que, sempre que pode, o Legislativo busca alguma medida para sinalizar insatisfação com julgamentos e decisões monocráticas. Aconteceu com o marco temporal na demarcação de territórios indígenas; com a criminalização da posse de drogas para uso pessoal; com mandados de busca e prisão de parlamentares.

Expressar insatisfação com a instituição vizinha ou duvidar das conclusões de uma investigação não tornam menos assombroso o alinhamento de uma maioria parlamentar a um suspeito de feminicídio político. Marielle Franco foi fuzilada — e com ela, o motorista Anderson — por assassinos de aluguel num crime cuidadosamente planejado, menos de um mês depois do início da intervenção militar na segurança pública do estado. O primeiro ano de investigação, com esforços de duas procuradoras do MP-RJ, Simone Sibilio e Letícia Emile, deu na prisão dos autores, em 2019.

No ano passado, a entrada da PF no caso revelou, pela delação de Élcio de Queiroz, um dos homicidas à espera de julgamento, a teia que envolve a indústria da morte no Estado do Rio. O delator expôs com detalhes as conexões entre milícia e tráfico, roubo e clonagem de veículos, contrabando de armas, destruição de provas, monitoramento de vítimas e emboscada.

Na sequência foi a vez de Ronnie Lessa, o atirador, apontar mandantes e motivação, numa delação, até aqui, só parcialmente conhecida. No relatório da PF que embasou as prisões de Chiquinho Brazão, deputado federal, Domingos Brazão, conselheiro do TCE, e Rivaldo Barbosa, ex-chefe de Polícia Civil do Rio, só há informações de dois de sete anexos. Datas e locais de encontros entre os envolvidos não foram revelados. Só quando a denúncia for apresentada o sigilo será derrubado.

Mas PF, PGR e STF concordaram em levar à prisão três nomes que, relacionados ao assassinato de Marielle, destampam o caldeirão que, no Rio, mistura política, crime organizado e polícia. Por cinco anos, a sociedade, no Brasil e lá fora, cobrou respostas sobre mandante e motivo da execução. Apontado o caminho, homens públicos do Rio tinham o dever de atuar para extirpar a promiscuidade entre poder político e grupos armados que dominam e exploram porções cada vez maiores de territórios da Região Metropolitana.

Marielle teria morrido por incomodar transações fundiárias da milícia a que os irmãos Brazão estariam ligados, segundo a PF. A influência da família na região de Rio das Pedras e Jacarepaguá é conhecida. Muitos políticos tinham os Brazões como passaporte para entrar, fazer campanha, promover ações nas comunidades da área. Isso explica, mais que a briga entre Poderes, os votos favoráveis ao deputado ou as omissões e ausências no plenário da bancada do Rio.

No momento seguinte à prisão, tanto o governador Cláudio Castro quanto o prefeito Eduardo Paes, da capital, silenciaram. Paes demitira semanas antes Brazão da Secretaria de Assistência Social. Na votação em Brasília, o PSD, seu partido, votou maciçamente pela prisão, tal como MDB e as legendas de esquerda, PT e PSOL à frente. No PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, predominou o “não”. É do partido o principal adversário de Paes na campanha à reeleição, o delegado Ramagem. Pré-candidato à Prefeitura, ele votou por libertar Brazão, tal como Gutemberg Reis, irmão de Washington Reis, ex-prefeito de Duque de Caxias; Danielle Carneiro, ex-ministra do Turismo e mulher de Waguinho, prefeito de Belford Roxo; Dani Cunha, filha de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara. Washington Quaquá, que deve disputar a Prefeitura de Maricá, não compareceu à votação.

Estão todos expostos ao escrutínio dos eleitores pelas escolhas que fizeram. O ano é de eleição municipal, a agenda que mais se relaciona à regulação sobre posse e ocupação de territórios. Se os mandantes do assassinato de Marielle e Anderson, hoje, estão presos à espera da conclusão das investigações que podem indiciá-los, denunciá-los, julgá-los e condená-los, é por causa de famílias, organizações sociais, formadores de opinião, investigadores e políticos locais e internacionais que não descansaram por seis anos cobrando a elucidação do crime. Foi a mobilização intensa dessa gente que, também anteontem, manteve Brazão na prisão, mesmo com toda a pressão pela liberação. Em silêncio não se vence.

 

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