quarta-feira, 1 de maio de 2024

Luiz Carlos Azedo - Queda de braço que vale R$ 110 bilhões

Correio Braziliense

Pacto com o Supremo é negado nos bastidores do Palácio do Planalto, mas é aquela história das bruxarias: “No creo en brujas, pero que las hay, las hay!”

Desonerações, DPVAT, Perse, essa é a agenda da discórdia do governo Lula com o Congresso. A queda de braço vale R$ 110 bilhões em arrecadação e/ou incentivos fiscais. O Senado aprovou nesta terça-feira o projeto que prorroga o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com incentivos fiscais que chegam a R$ 15 bilhões. O texto não sofreu mudanças em relação ao que foi votado pelos deputados e, como já foi aprovado pela Câmara, seguirá para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O Perse foi criado para auxiliar profissionais que trabalham com eventos, por meio de isenção fiscal, em 2021, durante a pandemia. O governo queria substituí-lo por outro projeto, mas teve que aceitar a prorrogação até 2026 num acordo com a Câmara. O programa zera a alíquota de quatro tributos, inclusive do Imposto de Renda, de hotéis, bares, bufês, agências de viagem e de produções musicais, entre outras atividades ligadas ao turismo, cultura e lazer. Forçado a aceitar a prorrogação, o governo negociou a redução dos beneficiados de 40 para 30 setores.

Foram excluídos albergues, exceto assistenciais; campings; pensões (alojamento); produtora de filmes para publicidade; serviços de reservas e outros serviços de turismo; serviço de transporte de passageiros e locação de automóveis com motorista; e excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional. Antes da votação, a relatora, senadora Daniela Ribeiro (PP-PB), tentou uma emenda para corrigir pela inflação o saldo do programa, que vigorará até 2026, mas desistiu porque a matéria voltaria para a Câmara.

Outra queda de braço é aprovação do DPVAT, aquele seguro de indenização de acidentes de trânsito, que voltaria a ser obrigatório. Pode representar um aumento de arrecadação de R$ 15 bilhões para o Tesouro, mas subiu no telhado ontem, quando a proposta, já aprovada pela Câmara, seria apreciada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

O senador Davi Alcolumbre (União-AP), aliado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que preside a comissão, adiou a sessão da CCJ para a próxima semana. O governo conta com esses recursos para fechar as suas contas. O adiamento ocorreu após o presidente do Senado se recusar a participar de uma negociação com os líderes do governo sobre o assunto.

Freio de arrumação

Na verdade, Pacheco ainda está engasgado com o fato de ter sido avisado de que a Advocacia Geral da União havia entrado com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Congresso, por causa da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, no mesmo momento em que estava reunido com os líderes do do governo para discutir um possível acordo sobre a prorrogação dessas desonerações. Disse que foi um “erro primário” do governo recorrer ao Supremo durante uma negociação em pleno curso. Ou seja, levou uma bola nas costas e não gostou.

A regra permite que empresas de 17 setores substituam a contribuição previdenciária, de 20% sobre os salários dos empregados, por uma alíquota sobre a receita bruta do empreendimento, que varia de 1% a 4,5%, de acordo com o setor e serviço prestado. Estima-se que a medida pode gerar 8,9 milhões de empregos formais diretos, além de outros milhões de postos de trabalho na cadeia produtiva dessas empresas. Mas representaria uma renúncia fiscal que pode chegar a R$ 80 bilhões. A proposta foi vetada integralmente pelo presidente Lula, porém, os vetos foram derrubados pelo Congresso. Inconformado, Lula recorreu ao Supremo. Ganhou uma liminar do ministro Cristiano Zanin a favor da suspensão, mas o Senado recorreu ao plenário da Corte.

Até agora, o governo está vencendo por 5 a 0, mas o ministro Luiz Fux pediu vistas e suspendeu o julgamento. Há tempo para que as negociações sejam retomadas e um acordo seja feito. No âmbito da própria Corte, a decisão pode ser mitigada, de maneira a se tornar mais palatável para o Congresso, mas para isso precisaria haver um entendimento entre os cinco ministros que já votaram — Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Flávio Dino e Édson Fachin, além de Zanin — e os seis que restam: Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, André Mendonça e Nunes Marques. É meio jogo jogado, dificilmente haverá uma virada na votação.

Entretanto, a decisão do Supremo não resolverá o problema político com o Congresso, pelo contrário, se derrubar as desonerações, como é a tendência, ampliará o descontentamento. A interpretação dos líderes do Congresso, entre os quais os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é de que houve uma articulação do governo com ministros do Supremo para uma espécie de freio de arrumação na derrubada sistemática dos vetos presidenciais. Esse suposto pacto é negado nos bastidores do Palácio do Planalto, mas é aquela história das bruxarias: “No creo en brujas, pero que las hay, las hay!”

Há que se considerar também a forte pressão dos setores empresariais beneficiados pelas desonerações, sem falar dos prefeitos de milhares de 5.104 pequenos municípios com menos de 156,2 mil habitantes. Maio é o mês da tradicional Marcha dos Prefeitos a Brasília, marcada para os próximos dias 20 a 23. A indústria tradicional, os setores de tecnologia, transportes e comunicação e a construção civil, beneficiados pelas desonerações, fazem intenso lobby para mantê-las. A interrupção do julgamento, porém, abriu uma janela para o entendimento entre o Congresso e o governo que ainda pode dar ao imbróglio um final feliz.

 

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