quarta-feira, 1 de maio de 2024

Vera Magalhães - Direita investe no pós-Xandão

O Globo

A troca de cadeiras não poderia ser mais auspiciosa para os aliados de Bolsonaro. Xandão deixa não só a presidência do TSE, como o próprio colegiado

A direita celebra o que considera uma mudança do vento na disputa de narrativas que trava com o ministro Alexandre de Moraes em duas frentes: na Justiça Eleitoral, onde Jair Bolsonaro foi cassado e outros bolsonaristas enfrentam processos, e no Supremo Tribunal Federal (STF), onde se desenrolam os muitos inquéritos que podem levar a condenações do ex-presidente também na seara criminal.

A avaliação — fruto de gestos captados entre ministros das duas Cortes superiores e de pesquisas de opinião— é que Moraes perdeu parte do apoio que angariou na sociedade graças às investidas dos golpistas de Bolsonaro contra as eleições e seu resultado e, sobretudo, depois do 8 de Janeiro.

Num de seus sermões mais célebres, ao tratar da eficiência da confissão para sanar os pecados, o padre Antônio Vieira faz uma analogia com a medicação dos enfermos e acaba produzindo uma filosofia de aplicação ainda mais ampla: “Grande mal é não sarar com os remédios; mas adoecer dos remédios ainda é mal maior. E, quando se adoece dos remédios, que remédio? O remédio é curar-se um homem dos remédios, assim como se cura das enfermidades”.

Os bolsonaristas têm sido eficazes ao, em diferentes meios, difundir a versão segundo a qual Moraes, investido da autoridade de ministrar os remédios para curar a democracia, exagera na dose e coloca o paciente em risco.

A vitimização de Bolsonaro, em manifestações na Avenida Paulista e em Copacabana ou em jogadas como a entrada em cena do bufão Elon Musk, trombeteando a abolição das liberdades do Brasil por meio de sua rede social, acabou atraindo Moraes e o Supremo para uma briga de rua em que só quem tinha a perder é quem tem alguma responsabilidade —e não era Musk.

A gritaria foi deflagrada, não por acaso, justamente quando Moraes preparava, com calma, o desfecho da maioria dos inquéritos que comprometem com provas robustas Bolsonaro numa trama para suprimir a democracia, que só não avançou porque alguns (não todos) os convocados por ele para o golpe não aceitaram embarcar.

Também foi favorecida pelo calendário: em um mês, Xandão, como o ministro passou até a se autorreferir em tom de brincadeira, mas num sinal inequívoco da hipertrofia de poderes que passou a desfrutar, deixa não só a presidência do TSE, como o próprio colegiado.

A troca de cadeiras não poderia ser mais auspiciosa para os aliados de Bolsonaro. Seu assento será assumido por André Mendonça. Cármen Lúcia assume a presidência do TSE agora, mas em 2026 quem estará no comando da Corte nas eleições gerais será Kassio Nunes Marques.

E se os remédios amargos e com altos efeitos colaterais prescritos a rodo por Moraes em resoluções e noutras decisões do TSE forem usados também por seus sucessores na cadeira, mas com sinal trocado?— questionam aliados do ex-presidente. Isso poderia levar à exclusão em massa de influenciadores de esquerda das redes sociais e a processos de cassação e inelegibilidade de parlamentares de partidos aliados a Lula.

Não que esses bolsonaristas acreditem que a dança das cadeiras do TSE possa reverter a inelegibilidade de Bolsonaro. Os recursos serão julgados pelo Supremo, e, lá, a correlação de forças não mudará a tempo de beneficiar o ex-presidente.

Mas a pressão toda tem por objetivo fazer a Corte recuar da disposição, até aqui majoritária, de manter indefinidamente a carta branca para Moraes conduzir os inquéritos contra Bolsonaro e, sobretudo, a tendência a condená-lo nas múltiplas ações em que tende a virar réu.

Até aqui, nada leva a crer que haverá êxito na estratégia, mas o próprio ministro parece ter percebido o ataque em múltiplas frentes e promover um “desmame” de alguns remédios tarja preta. Resolveu ser ele mesmo a modular a medicação para não perder o paciente que ajudou a salvar.

 

2 comentários:

Daniel disse...

Muito bom! Os julgamentos de Jair Bolsonaro estão demorando muito a sair. Enquanto isto, o canalha se vitimiza, depois da sua criminosa condução da pandemia e da tentativa de golpe, além de tantos outros CRIMES de menor violência (como corrupções e apropriações de patrimônio público).

ADEMAR AMANCIO disse...

Nivelar bolsonaristas e lulistas é um erro crasso,enquanto os segundos cometem erros humanos,os primeiros fazem coisas sub-humanas.