sexta-feira, 12 de julho de 2024

Dani Rodrik - Do que a nova esquerda precisa

Valor Econômico

Uma nova esquerda deve enfrentar de frente tanto a nova estrutura da economia quanto o imperativo da produtividade

As recentes eleições na França e no Reino Unido, juntamente com a atual campanha presidencial dos Estados Unidos, refletem os dilemas que os partidos de esquerda enfrentam enquanto tentam criar novas identidades e apresentar alternativas verossímeis à extrema-direita. Foi a extrema-direita quem capitalizou primeiro a reação crescente contra o neoliberalismo e a hiperglobalização após a crise financeira global de 2008. Há uma década, podia-se justificar uma reclamação sobre a “abdicação da esquerda”.

Em sua defesa, os partidos de esquerda estão numa posição melhor hoje. O Partido Trabalhista britânico acabou de vencer de forma esmagadora, encerrando 14 anos de governo conservador. A coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) na França tem uma chance muito melhor de impedir a ascensão da extrema-direita do que as forças centristas aliadas ao presidente Emmanuel Macron. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, levou seu país a um território inexplorado com novas políticas industriais e verdes, embora esteja atrás de Donald Trump nas pesquisas.

Como as dificuldades dos democratas nos Estados Unidos indicam, a esquerda ainda tem muito trabalho pela frente. A idade de Biden e sua evidente incapacidade de convencer o público de sua aptidão mental são uma parte grande do problema. Mas a mensagem mista que os democratas têm enviado sobre o que de fato representam e quem representam também não ajuda.

Este é um problema que também aflige outros partidos. Como Thomas Piketty tem mostrado, os partidos de esquerda se desvincularam de sua base tradicional da classe trabalhadora e têm se voltado para a elite educada.

A esquerda ainda não forjou uma identidade que seja adequada para as realidades atuais. Como ela deve se reposicionar? Deve focar na redistribuição, como a NFP na França parece ter feito? Deve manter a responsabilidade fiscal, como o Partido Trabalhista do Reino Unido? Deve abraçar políticas industriais à la Biden, e com que propósito? Como deve lidar com questões como imigração, meio ambiente ou direitos dos transgêneros, sobre as quais a elite cultural tem opiniões muito diferentes do público em geral?

Se a esquerda deseja recuperar a força política, deve retornar às suas raízes e, mais uma vez, representar os interesses dos trabalhadores. Isso significa focar diretamente em empregos bons, seguros e produtivos para trabalhadores sem diploma universitário. O aumento da insegurança econômica, a erosão da classe média e o desaparecimento dos bons empregos em regiões em declínio foram o coração do aumento do populismo de direita. Apenas revertendo essas tendências a esquerda pode apresentar uma alternativa viável.

A dificuldade é que as velhas estratégias não funcionarão. Trabalhadores sindicalizados na manufatura formaram o núcleo de apoio aos partidos de esquerda nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial. Eles também eram a base da classe média.

Hoje, a manufatura emprega uma parcela cada vez menor de trabalhadores nos EUA e na Europa. A maior parte da força de trabalho está nos serviços. Quando Biden assumiu o cargo em janeiro de 2021, a parcela de emprego na manufatura dos Estados Unidos já havia encolhido para 8,5%. Hoje está abaixo de 8,2%, apesar de todos os esforços de seu governo para revitalizar a manufatura. Alguns países europeus, como a Alemanha, têm parcelas maiores de emprego na manufatura, mas nenhum conseguiu evitar um declínio ao longo do tempo.

Os partidos de esquerda ainda não aceitaram totalmente esse fato. Nenhuma de suas falas sobre reindustrialização, competitividade, digitalização e transição verde soa realista quando se trata de empregos. Nem o protecionismo contra a China. Estratégias que se concentram na manufatura têm consideravelmente menos apelo político quando a maioria dos trabalhadores não está na manufatura e não tem perspectivas realistas de emprego nesse setor.

Políticas redistributivas também têm problemas. Há um argumento forte para tornar os sistemas tributários mais progressivos e aumentar as taxas de imposto dos que têm rendas mais altas. Transferências sociais maiores e previdências sociais melhores ajudariam, especialmente nos Estados Unidos, onde as redes de segurança social ainda são fracas. Mas as transferências de renda não compensam os trabalhadores pela perda de dignidade e reconhecimento social que acompanham o desaparecimento de bons empregos. Nem consertam a quebra na vida social e comunitária que ocorre quando fábricas fecham ou se mudam para outro lugar.

O que a esquerda precisa, então, é um programa crível de criação de empregos bons e produtivos em toda a economia - especialmente em regiões em declínio e para trabalhadores com menos que um diploma universitário. O alvo representativo de tal programa não é um trabalhador da indústria automobilística ou siderúrgica, mas um trabalhador de cuidados com a saúde ou varejo.

Além disso, a inovação amigável ao trabalho deve estar no centro do programa. Aumentar salários e empregos ao mesmo tempo requer inovações organizacionais e tecnológicas que aumentem a produtividade de trabalhadores menos instruídos. Ao contrário da automação e de outras formas de tecnologias que economizam trabalho, as inovações amigáveis ao trabalho ajudam trabalhadores comuns a realizar uma gama maior de tarefas mais complexas. Ferramentas digitais que conferem expertise são um exemplo.

Como a inovação e a produtividade são centrais para essa agenda, as políticas necessárias se parecem com as bem-sucedidas políticas industriais de antigamente. Podemos chamá-las de políticas industriais para serviços ou, melhor ainda, políticas produtivas para o trabalho. Elas se baseiam em parcerias locais intersetoriais existentes e programas nacionais de inovação, mas com foco em serviços que absorvem trabalho e tecnologias complementares ao trabalho menos instruído. Meus colegas e eu esboçamos variantes de tais programas para os EUA, França e Reino Unido.

Uma nova esquerda deve enfrentar de frente tanto a nova estrutura da economia quanto o imperativo da produtividade. Só então ela se transformará no verdadeiro movimento político do futuro e em uma alternativa viável à extrema-direita. (Tradução por Fabrício Calado Moreira)

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Já vi a esquizofrenia quando li "nova esquerda", lendo o artigo então..... Basicamente diz que a esquerda tem que virar direita, porém sem nunca perder o nome, e o autoritarismo básico sem a qual não existe "esquerda".....

ADEMAR AMANCIO disse...

O bom seria que essa rivalidade entre direita e esquerda acabasse,ou civilizasse.