quinta-feira, 4 de julho de 2024

Malu Gaspar - Lula, o dólar e as cascas de banana

O Globo

Pode-se dizer que Luiz Inácio Lula da Silva tem vários defeitos, mas ser um neófito não é um deles. Por isso, muita gente no mercado e no meio político se perguntou por que tanta insistência nos ataques ao presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto, nas últimas duas semanas.

Lula é um veterano em turbulências econômicas e sabe o efeito que suas declarações podem ter sobre o mercado em períodos de alta sensibilidade. Mas parece ter dificuldade em entender que o nervosismo que tomou conta do mercado após suas críticas a Campos Neto e às altas taxas de juros não é propriamente uma defesa de seu rival, e sim efeito da dúvida sobre o compromisso do governo de aprofundar o ajuste fiscal para manter as contas públicas equilibradas.

Afinal, entre um ataque e outro, Lula mesclou as menções ao “viés político” de Roberto Campos Neto com frases dúbias sobre sua real disposição para cortar gastos, num momento em que a equipe econômica reconhece que será preciso tomar alguma atitude para ao menos tentar cumprir a meta de déficit zero em 2024.

“Problema não é que tem que cortar. Problema é saber se precisa efetivamente cortar ou aumentar a arrecadação”, disse ele em entrevista ao UOL.

Gestos como a defesa de desoneração de impostos para produtos como a carne contra a vontade da Fazenda não ajudaram a aplacar o temor de um descontrole nas contas públicas que leve a um aumento ainda maior dos juros, no futuro.

O efeito foi uma escalada do dólar, que fechou o mês de junho valendo R$ 5,58, depois de ter iniciado o mês a R$ 5,12. Com a crise em curso, Lula se reuniu na casa de Fernando Haddad com economistas da era Dilma, como Guido Mantega e Luiz Gonzaga Belluzzo, para discutir o que fazer.

De acordo com o relato dos repórteres Julia Duailibi e Guilherme Balza, da GloboNews, o encontro terminou num consenso de que Lula precisava “baixar a temperatura” e não “cair nas cascas de banana” colocadas por Campos Neto.

O presidente parecia ter concordado, mas, na manhã de terça-feira, com o dólar a R$ 5,65, disse a uma rádio da Bahia que havia um “jogo de interesse especulativo” contra o real e que “alguma coisa” teria de ser feita pelo governo.

A esta altura todo mundo já sabe que Lula elegeu Campos Neto como inimigo, e não dá nem para dizer que ele está errado nas críticas que faz. Convescotes com governadores de oposição e entrevistas rebatendo o presidente da República não são exemplo de isenção. Lula também não é o único brasileiro que quer juros mais baixos.

Mas também não dá para o presidente dizer que o problema é político ou ideológico, até porque os diretores indicados por ele também votaram pela manutenção dos juros em 10,5% ao ano na última reunião do comitê de política monetária, alegando justamente uma piora nas expectativas que poderia gerar mais inflação.

O que assustou no rali de Lula foi outra coisa. “Políticos em geral não estão nem aí para o ajuste fiscal, mas têm medo do dólar alto”, me resumiu um farialimer apreensivo.

“Essa insistência passa a impressão de que ele está disposto a explodir não só o dólar, mas também o arcabouço fiscal.”

E o espanto não ficou só na Faria Lima. Muita gente no próprio governo se perguntou, nos últimos dias, por que o presidente não parava de falar. E houve até quem desconfiasse se tratar de um movimento deliberado para favorecer algum agente do mercado.

Guerra contra juros

A explicação, porém, pode ser bem mais simples. As pesquisas internas do Palácio do Planalto mostram que a maior parte das pessoas apoia os ataques de Lula aos juros altos e ao presidente do BC — mais de 60% da população, de acordo com um levantamento recente que chegou à sua mesa.

Isso torna a “guerra contra os juros” bastante útil no momento em que Lula está rodando o Brasil para melhorar sua popularidade e ajudar a minar a força da direita nas eleições municipais.

Não dá para ignorar, ainda, que Lula assumiu o terceiro mandato bem mais ressentido com o mercado, que em sua visão apoiou Jair Bolsonaro enquanto ele estava preso em Curitiba. Quem convive com Lula hoje sabe quanto isso conta.

Em sua empolgação retórica, porém, o presidente esqueceu ou quis esquecer que dólar alto traz mais inflação, e mais inflação obriga o BC a aumentar mais ainda os juros. Só no final da tarde de ontem, Haddad e a equipe econômica conseguiram fazê-lo reafirmar o compromisso com a responsabilidade fiscal — e, dizem nos bastidores, a promessa de mudar de assunto, pelo menos por um tempo.

A torcida, agora, é que esse tempo dure bastante. Num cenário tão desafiador, tudo o que o governo não precisa é ter o próprio presidente espalhando as cascas de banana pelo caminho.

 

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