Folha de S. Paulo
Ele mostra aos eleitores que a política é só
uma piada infame
São Paulo virou um circo eleitoral. No centro
da arena está um personagem distribuindo currículo para ser o líder político da
cidade, fazendo questão, no entanto, de deixar claro que a sua maior
qualificação para o cargo é justamente não ser político e achar a política uma
palhaçada.
É compreensível que São Paulo admire os
bem-sucedidos. É o seu mito fundador. Por isso, o candidato esfrega na cara de
todos a sua grana e os indícios de que encontrou um modelo inovador de negócios
que lhe deu sucesso e merecimentos. Merece tudo, inclusive o cargo de CEO da
cidade mais bem-sucedida do país.
Afinal, ele não está se candidatando a prefeito, mas a chairman da São Paulo S.A., a maior empresa do Brasil, que precisa ser resgatada da mão dessa gente torpe, despreparada e incompetente que são os políticos.
Se quem tem sucesso merece ser governador,
por que quem ensina a ter sucesso —e ser "coach" é isso, certo?— não
mereceria ser prefeito? Esse é um argumento de vendas pronto para ser embalado
para convencer o cliente, digo, o eleitor paulistano, de que escolher alguém
que conhece os caminhos para o sucesso é uma decisão valiosa.
Até aqui, a descrição se encaixa no modelo de
candidatos como Collor de Mello, Silvio
Berlusconi, Doria, que conquistaram cargos importantes no Executivo nos
momentos em que a confiança dos cidadãos nos políticos e nas instituições era
muito baixa. Mas há um segundo modelo de candidato "apolítico" no
mercado eleitoral que também não fica atrás.
Esse traz como item de série atitudes
irreverentes e desrespeitosas para destruir o que resta de credibilidade do
sistema pelo qual concorre ao cargo público.
Digo "irreverente e desrespeitoso"
por educação, mas a palavra correta e vulgar é esculhambação. Trata-se de
esculhambar a política, demonstrando em cada ato o desprezo por ela e pela
escória que a frequenta.
Nada disso é desconhecido. Vem da cultura pop
digital da "zoeira", que combina irreverência com afronta e
provocação, um humor feroz e amoral com a valorização da rapidez de raciocínio
em conflitos verbais ou tretas, atitudes de desafio à correção política com a
arrogância exibicionista e presunçosa que chamamos de "marra".
Quem adota esse estilo vive de cortes de
vídeos em que é visto agindo de forma irreverente, destemida, desafiadora,
audaciosa. Os óculos escuros, um cigarro digital e a música "Thug
Life" formam o meme que se busca: um mito acabou de desferir um golpe
fatal em um adversário. É uma cultura de alta energia, onde se celebra o
momento em que acontece algo caótico ou exagerado, de preferência em uma briga.
O estilo "Thug Life" e "Turn
Down for What" já garantiu sucesso eleitoral para muitos desde 2018. Jair
Bolsonaro deixou de ser o militarzão aposentado, chato e histérico quando o
universo da cultura juvenil digital percebeu que seu estilo marrento e ofensivo
podia ser posto sob nova perspectiva. Foi assim que surgiram as
"mitadas" —e o apelido "mito"— e as "lacradas" de
2018.
Hoje, esse padrão é visto em figuras como
Mamãe Falei, Nikolas Ferreira e até Milei. Quem ainda não ouviu falar de Jordan
Bardella, de 28 anos, tiktoker que é a cara jovem do partido de Marine Le Pen,
ou de Alvise Pérez, de 34 anos, do Se Acabó La Fiesta, na Espanha, deve prestar
atenção.
Marra, lacração, afronta, incorreção política
e tretas a todo custo são um modelo de retórica e atitudes que vêm
garantindo eleições,
influência digital e visibilidade a radicais em todo o mundo.
Agora é a vez do grande circo do Pablo, que
combina os dois modelos. É como se fosse uma mistura de Berlusconi com Danilo
Gentili, de Collor de Mello com o Bolsonaro roteirizado pelo CQC.
De um lado, há o Pablo empreendedor, que
vende a ideia de que não precisou das tetas de qualquer governo para ficar rico
e ter sucesso, que se virou e conquistou o mundo pelas próprias mãos e que se
oferece ao paulistano como modelo e farol para as aspirações mais profundas de
quem vive "o corre" e as aflições de uma cidade dura e competitiva.
"Como chegar ao governo da mais
importante cidade do país vindo do nada e contando apenas com esperteza, charme
e truques da era digital" é simplesmente o mais novo curso à venda aos
eleitores da cidade. Compre o curso e ganhe um prefeito.
E há o Pablo marra e afronta, provocador, que
sem uma única ideia digna desse nome para governar a cidade mais complexa do
país, mostra aos eleitores que a política é só uma piada infame, a ser tratada
com o deboche que merece.
Ruim por ruim, vota em mim.
2 comentários:
Excelente análise! Anormal por anormal, vota no Marçal.
Simples assim.
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