sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Milícias com pelica


Dora Kramer
DEU EMO O ESTADO DE S. PAULO

Em termos de eficácia, o desembarque das tropas federais no Rio está para a intimidação do crime organizado assim como a entrada em cena do governador José Serra na campanha de Geraldo Alckmin está para a recuperação do candidato na disputa pela Prefeitura de São Paulo.

O que há de comum entre as duas ações? Fartamente cobradas como a solução para males específicos e bem diferentes entre si, ambas têm a marca da extemporaneidade e da simulação. Não foram concebidas para consertar, mas para demonstrar.

Nenhuma das duas resiste ao cotejo com a realidade. A aparição de Serra ao lado de Alckmin depois de nove meses de grossa pancadaria no PSDB entre os grupos do governador e de seu antecessor dificilmente moverá a vontade de um só eleitor.

Cumpre-se uma formalidade partidária, registra-se a fotografia de unidade para uma necessidade futura e fica tudo como dantes: Serra com Gilberto Kassab e o PSDB feito cabra-cega procurando o caminho da volta ao Palácio do Planalto.

A presença das tropas federais nas áreas dominadas pelo tráfico de drogas e por milicianos interessados em garantir reserva de mercado de votos na base da coação física e psicológica, da mesma forma carece de utilidade prática.

O sobe-desce de soldados serve para ilustrar a preocupação (rasa) do poder público com a situação dos moradores dos territórios dominados, atende ao interesse dos governos estadual e federal em mostrar a vantagem de sua aliança política, mas deixa intocado o cerne do problema.

Não asseguram a liberdade do exercício do voto nem alteram um milímetro os planos do crime de ampliar sua infiltração no aparelho de Estado por meio da eleição de representantes legislativos e do estreitamento de compromissos com postulantes a cargos executivos.

As tropas chegaram ontem, 25 dias antes do primeiro turno das eleições, quase 30 depois de anunciada a decisão da Justiça Eleitoral e a concordância (relutante) das autoridades estaduais.

Pela logística, os soldados passam três dias em cada área, de onde entram e saem com horário e data previamente marcados. Para conforto da crIminalidade.
Esta dispôs de tempo suficiente para organizar sua estratégia de convivência pacífica com rapazes do Exército que mal e mal saberão o endereço de onde estarão. Do outro lado, gente enfronhada nas comunidades, gerente de laços amenos e de relações violentas, conhecedora profunda de todas as demandas e aflições, mantenedora de serviços paralelos, tem seus esquemas perfeitamente consolidados.

Em termos de montagem de candidaturas e instrumentos de intimidação do eleitorado, tudo o que havia para ser feito já foi devidamente posto em execução.

Não será a soldadesca que, em 72 horas e com toda delicadeza, vai anular as regras do estatuto de torpezas há anos incorporado como a única lei vigente naquelas comunidades abandonadas e agora usadas pelo Estado.

Alegorias

A julgar pela voz corrente entre gente bem sabida e experiente, a influência do horário eleitoral sobre o resultado das urnas é total. Se fulano “subiu” foi por causa da qualidade do programa e da quantidade de minutos disponíveis para sua apresentação. Se beltrano “desceu”, não resta dúvida: é culpa da produção.

Sobre o conteúdo propriamente dito, o produto dos atributos do candidato postos a julgamento do eleitor, nem aos mais interessados ocorre questionar.

Como o pressuposto aceito é o da ausência de confiabilidade do discurso “vendido” ao molde da publicidade comum, tudo se resume à competição da melhor forma.

Produtos bem embalados vendem mais, mas nem sempre agradam quando experimentados.

Nesses casos, joga-se no lixo, troca-se uma peça e, no limite, apela-se ao Procon sob a escora do código do consumidor.

O governante enganador não pode ser devolvido, a não ser mediante longo, complicado e fundamentado processo legal politicamente subscrito pela maioria da população.

A ligação direta entre os efeitos da publicidade e a escolha eleitoral confunde lavanderia de imagem com qualificação de candidatos ao exercício do poder.

Ardil

Antes de Gilmar Mendes, outros dois ministros do Supremo Tribunal Federal já haviam recusado convites para depor em comissões de inquérito. Um deles pelo menos, Marco Aurélio Mello, explicitou o motivo: a incompatibilidade entre o cargo e processos políticos de investigação.

Portanto, os deputados sabiam que o presidente do STF recusaria e poderiam chamá-lo para falar, por exemplo, na comissão permanente de controle e fiscalização da Abin. A insistência na CPI foi para criar o constrangimento da recusa e assim garantir o fato do dia.

Assim também se leva um país à perda do prumo no civismo e o rumo da civilidade.

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