terça-feira, 25 de novembro de 2008

Entrevista com Werneck Vianna


Maria Alice R. de Carvalho
Novembro 2008
Fonte: GRAMSCI E O BRASIL


Luiz Jorge Werneck Vianna nasceu no Rio de Janeiro, em 1938. Graduou-se em Direito, em 1962, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, antiga Universidade do Estado da Guanabara — UEG, e em Ciências Sociais, em 1967, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Fez doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP. Há 28 anos é professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – Iuperj, 9 dos quais como professor titular em Sociologia. Presidiu a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) e atualmente coordena o Centro de Estudos Direito e Sociedade – Cedes, no Iuperj, instituição de pós-graduação que ele também já presidiu. Lecionou ao longo de sua vida em mais de dez universidades brasileiras e suas linhas de pesquisa mais constantes são: intelectuais e modernização no Brasil, relação entre os poderes republicanos, institucionalização das Ciências Sociais, Magistratura como estrato intelectual, organização e funcionamento do Poder Judiciário, direito, sociedade e política.

Entrevista concedida ao Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio aos professores Ângela Paiva, Maria Alice Rezende de Carvalho e Marcelo Burgos, em 17 de julho de 2008.

Maria Alice – Werneck, como você pensa a sua formação, seus primeiros passos na vida universitária, sua geração?

Eu nasci em 1938, em pleno Estado Novo. Logo depois eclode a Segunda Guerra Mundial, que me alcança no primeiro período formativo da minha vida e me deixou marcas na memória. Vivi blackout na cidade, tive um vizinho de origem germânica que ouvia, à noite, emissões radiofônicas da Alemanha. Ouvia alto... São recordações. Aos sete anos, esse mundo se altera muito fortemente. Os aliados vencem as potências do Eixo, como se dizia, e o Brasil se redemocratiza. Eu penso que de algum modo isso foi processado por mim. Logo, as lutas pela Petrobrás – a questão nacional foi uma questão que marcou profundamente a minha geração. E a presença dessas lutas e campanhas nos bancos escolares, vinha, freqüentemente, de professores. Esse mundo, como não podia deixar de ser, encontrava forte ressonância na literatura a que a gente estava exposto. Em particular, a de Monteiro Lobato, a que tive acesso logo que alfabetizado. Estavam lá a luta pelo petróleo, tal como na famosa história do poço do Visconde, uma visão libertária do mundo, anti-autoritária, uma posição de ojeriza em relação à burocracia... Essa paisagem moral criou em mim uma base preliminar de convicções, a que se agregaram Eça de Queiroz, primeiro, e depois os russos, muitos, quase todos, com ênfase em Dostoiévski, que teve lugar especial na minha vida. Em seguida vieram os americanos Steinbeck, Faulkner, Sinclair Lewis, Upton Sinclair, a literatura de esquerda americana; depois os franceses e a literatura do entre-guerras, Roger Martin du Gard, Eric Maria Remarch, entre outros, que, para mim, continuaram a compor o mesmo enredo a que fui exposto na infância. Isso não me deu nenhuma inclinação científica. Carreiras científicas, nessa época, eram aquelas destinadas à física, à química, um pouco à medicina. O meu mundo não era o da ciência. Era o dos valores, valores de igualdade, liberdade e justiça. A sociedade brasileira, a partir dos anos 50, vivia momentos muito estimulantes e uma parte da juventude, da qual fiz parte, sentiu-se vocacionada para a participação na vida pública. Mas os caminhos para a intervenção não eram claros. Havia alguma coisa na universidade, mas nos colégios, por exemplo, não havia muito movimento. Na universidade sim, existiam grupos, existiam orientações até divergentes, existia um clima de compromisso político que contaminava parcela importante da universidade.

Maria Alice – Esse clima do pós-guerra foi muito importante do ponto de vista da disseminação de ideais humanistas pelo mundo. E a França era uma espécie de centro da cultura intelectual que considerava humanismo e comunismo quase como sinônimos, não? Esse clima deve ter aportado no Rio de Janeiro no momento em que você cursava o Clássico, um pouco antes, portanto, do seu ingresso na Universidade. A cidade da sua juventude respirava essa cultura?

Que me chegasse não. Porque passei minha infância e juventude em Ipanema, e Ipanema era o lugar da classe média alta, embora essa não fosse a situação da minha família. De qualquer modo, do ponto de vista de uma problemática cultural como a que você descreve, Ipanema era um lugar rústico. Isso era facilmente percebido na minha convivência com meus colegas de bairro. Tínhamos uma turma grande, que durou muito tempo. Nós nos conhecíamos muitíssimo bem e esses interesses culturais mal chegavam. O que chegava para nós era basicamente esporte, muito esporte...

Maria Alice – Cinema...

Cinema. Cinema americano e ponto.

Marcelo Burgos – Música, talvez.

Livro não chegava. Eu era, nesse território, até uma presença exótica...

Maria Alice – ...civilizatória... [risos]

Exótica. Eu sabia que em outros cantos de Ipanema, outros lugares, havia jovens como o Leandro Konder, que eu já conhecia de vista, de referência também... A turma dele, na Montenegro, era uma turma mais sofisticada, mais letrada, digamos assim, menos rústica, do que a minha. Montenegro, como vocês sabem, é, hoje, a Rua Vinícius de Morais...

Marcelo Burgos – E a turma da bossa nova?

Isso é depois.

Marcelo Burgos – É um pessoal um pouco mais velho do que você, não? Jobim, os músicos de Ipanema...

Mas não havia bossa nova ainda. O próprio Jobim, quando jovem, estava envolvido, se você quiser saber, com um grupo praticante de artes marciais, que se reunia em torno do Sinhozinho, famoso capoeirista do Rio de Janeiro. Do grupo participava o Rudolf Hermany, que foi campeão e, ao que parece, tinha uma irmã que acabou casando com o Jobim, uma coisa dessas... Você encontra fotografia do Jobim levantando peso, fazendo halteres. É claro que lá, à noite...

Maria Alice – Ele estudava um pouco de música.

Ele estudava música, tinha outras inclinações. Então...

Marcelo Burgos – Era o esporte que dominava.

Era o esporte que dominava. Nossas inclinações culturais eram coisas quase clandestinas. E nos colégios não havia nada, era uma educação puramente instrumental. Enfim, o colégio não era um lugar de formação, pelo menos aqueles em que estudei, que foram muitos. Inclusive o Colégio Pedro II, aqui na Zona Sul. Nele, a dimensão formativa era pouco visível, salvo nas aulas de latim, cujo professor era o Paulo Rónai, um humanista muito bem formado, que tentava, com muito esforço pessoal, nos ensinar a traduzir Ovídio, Horácio, com algum sucesso em casos raríssimos entre os meus colegas e no meu caso com pouquíssimo êxito. Aprendi rudimentos do latim. Mas creio que alguma coisa do Paulo Rónai ficou. Não tanto pelas aulas, mas pela posição dele no mundo. Àquela altura, apesar de eu ser inteiramente isolado do ponto de vista político, já me sentia um socialista, um comunista.

Maria Alice – Um menino comunista.

Um menino. Eu estava em busca de um lugar onde pudesse exercer essa missão que abrigava, secretamente, em mim, como um destino, um mandato, algo que eu tinha que fazer.

Marcelo Burgos – Estamos falando de um período que antecede a sua chegada à universidade, não é isso?

É.

Marcelo Burgos – Você já se sentia comunista. Entretanto, Ipanema era um lugar dos esportes, não era um lugar propriamente...

A política não chegava lá.

Marcelo Burgos – Quer dizer que essa sua adesão valorativa ao comunismo veio pela literatura?

Veio. Esse é o itinerário que eu tentei apresentar até agora, não? Uma coisa livresca.

Marcelo Burgos – Mas algum tipo de sinalização, de articulação com a sociedade...

Para mim, tudo era política, tudo estava na política. A questão nacional, a luta contra o imperialismo. Também o que se lia – Josué de Castro, Geografia da fome... E a política, ela mesma: a campanha da UDN, a campanha de Lacerda contra Getulio, o suicídio de Getulio. O suicídio de Getulio foi um divisor de águas muito poderoso na minha geração. A partir daí ficou claro, pelo menos para o tipo de personagem de que eu era um exemplar, que a hora da ação tinha chegado. A mobilização efetivamente começou a se intensificar. Em agosto de 1954, eu tinha 15 para 16 anos e sentia que não havia mais porque ficar em casa, embora eu ficasse. E o que me prendia ali era o fato de não haver nenhuma trilha visível: não havia partido, não havia vida associativa, não havia lideranças intelectuais próximas, no colégio ou fora dele, que pudessem apontar aos jovens um caminho. Então, eu cheguei à política com uma concepção muito romântica, muito livresca, muito exaltada, mas sem nenhum conhecimento das circunstâncias, de como o mundo da política é quadriculado, de quais eram os comportamentos desejáveis, o que se pode, o que não se pode falar. Eu, por exemplo, falava em nome de uma ética de convicção puramente. Lembro-me que na primeira vez em que falei na universidade, fiz um discurso – muito aplaudido, aliás, pela assembléia – do qual eu me arrependo de corar, de ficar...

Maria Alice – Rubro...

Rubro. Cada vez que me vem essa cena à memória... Uma ética de convicção sem pesar as conseqüências, porque eu não conhecia, realmente não conhecia, não tinha experimentado os caminhos práticos que levam as convicções às suas possíveis realizações.

Maria Alice – Você estava na UEG?

Sim, estava estudando Direito. Em uma paralisação que fizemos, a polícia invadiu e, enfim, eu me levantei e fiz esse discurso descabelado, muito aplaudido, mas inexeqüível, porque a minha proposta era que permanecêssemos ocupando a Universidade. A polícia invadindo e eu propondo que ali ficássemos... Fui ovacionado, mas, evidentemente, ninguém ficou na universidade. Aquela foi a primeira vez em que falei em público... A renúncia de Jânio foi outro momento importante. Foi uma forte sinalização para que os mobilizados se mobilizassem ainda mais e para que os ainda relutantes chegassem ao movimento. O que não quer dizer que isso tenha atingido toda a minha geração, pois não atingiu. Mas siderou os que estavam envolvidos. A marca daquele tempo era, de fato, a política. Valores e política. Esse foi o meu caminho: convicção, e depois o aprendizado da política. Aprender, por exemplo, que a esquerda tinha que apoiar Juscelino Kubitschek em 1955, quando parcela considerável dela defendia o voto nulo. Aprender isso significou para mim um avanço imenso. Significou entender a importância de se circunstanciar a convicção. Isso me foi bem explicado por meu pai e era a posição do Partido Comunista Brasileiro que eu namorava à distância. Não conhecia o Partido Comunista Brasileiro, embora já me dissesse comunista desde os 16 anos. Cheguei a ser expulso de um colégio após ter sido denunciado ao diretor pelos pais dos meus colegas, que temiam a influência que eu poderia exercer sobre seus filhos. É uma história com sabor, eu diria, quase medieval, a desse intelectual solto, com as suas convicções, querendo participar de alguma cruzada. O meu espírito era de cruzada. E como a cruzada não passava eu, afinal, tive que procurá-la. Entrei no Partido Comunista por imperativos absolutamente pessoais. Bati à porta de um médico, Milton Lobato, que eu sabia que era do PCB, e falei a ele da minha vontade de aderir e tal. Ele, então...

Maria Alice – Espantadíssimo!

É... Imagino que tenha reagido assim, pois me conhecia desde menino. Éramos vizinhos. Ele me orientou a procurar o Leandro Konder. Mas, dias depois, recebi o recado de que iria ser procurado por um outro jovem, o José Salles, com quem, então, eu finalmente estabeleci contato com o Partido Comunista. Eu já estava na universidade.

Maria Alice – Por que Direito?

Porque me pareceu, sobretudo, uma profissão masculina... A minha inclinação natural seria estudar neolatinas... Por gosto, eu teria estudado literatura, neolatinas, mas isso não me parecia uma opção masculina, nem aparentava dar a mim credenciais para fazer um caminho afirmativo no mundo. E eu precisava disso, porque minha família não tinha recursos. Eu precisava pensar em algo, em uma ocupação que fosse afirmativa. O Direito me pareceu ser isso, embora não sentisse nenhuma vocação especial, salvo essa de defender...

Maria Alice – Os fracos.

Os fracos, os oprimidos. O velho espírito de cruzada. Então, dir-se-á: “um quadro juvenil quase, ou completamente, patológico”. Eu concordo. Uma vida de sonho, uma vida de fantasia, muito livro, uma coisa quixotesca. E não é à toa que, dos clássicos, meu primeiro herói, o primeiro grande romance que me ganhou foi Dom Quixote. Só que a minha leitura de Dom Quixote era muito particular. Ele para mim era um herói verdadeiro.

Marcelo Burgos – Você parece se ver como um jovem sem escoras na sociedade e na política reais. Insistindo ainda na questão sobre a década de 1950, pode-se dizer que o Rio de Janeiro se caracterizava pela forte clivagem entre PTB x UDN, Vargas x Lacerda. Essa polarização não chegava à sua geração?

Chegou, chegou. Ipanema era lacerdista, completamente lacerdista.

Marcelo Burgos – Foi o que imaginei...

E eu era getulista. Só isso dava uma marca, uma separação, uma estranheza muito grande. Meu colégio era lacerdista, menos eu.

Marcelo Burgos – Minha questão é: Getúlio e o PTB, de alguma maneira, pavimentaram seu caminho até a esquerda?

Getulio nem tanto. Talvez apenas a sua morte. O Getulio real para mim foi o Getulio que se matou, o Getulio de agosto e da carta testamento, que foi uma revelação. Uma revelação. Vocês vão encontrar relatos semelhantes em várias pessoas da minha geração. Todas entendem, como eu, que o suicídio e a carta testamento definiram caminhos, trajetórias para o país. Não se pode esquecer que, logo depois, vem o período Juscelino, um período marcado pela política, por Jacareacanga, Aragarças, sublevações militares, a idéia de conquista do Oeste, Brasília, a modernização do país, a indústria. Foi um momento de afirmação nacional. A Copa do Mundo de 1958 foi simbólica. O Brasil era possível, era viável. Mais à frente veio o Jânio, e, com a renúncia de Jânio, a Junta Militar. Então, o caminho da luta pela legalidade, que veio do Rio Grande do Sul, nos mobilizou muito, mobilizou a universidade, mobilizou a juventude. Eram dois campos muito bem definidos: os amigos e os inimigos. Ficou claro também que aquele era um mundo de impasses, que não era um mundo ao alcance da mão, que uma simples cruzada pudesse resolver. Era preciso entender. A literatura que vai atiçar a nossa imaginação era vasta. Cito alguns autores na ordem da lembrança, sem nenhum outro critério: Josué de Castro, Celso Furtado, Nelson Werneck Sodré, Edison Carneiro, Alberto Passos Guimarães, com Quatro séculos de latifúndio...

Maria Alice – Caio Prado...

Caio Prado, no meu caso, menos. Mas Caio Prado também. E àquela altura, na passagem dos anos 50 para os 60, o Iseb dava seus primeiros passos. Foi um grande marcador, uma clara passagem, para ficar na metáfora anterior, da ética da convicção para a ética da responsabilidade, encontrar um itinerário prático e concreto possível. Então, uma boa parte da juventude intelectual acorreu ao Iseb. Fiz um ano de curso lá. Vieira Pinto, Nelson Werneck Sodré e outros tantos... Isso deve ter sido em 1962, talvez. Aquele foi um momento em que a cultura das Ciências Sociais brasileira desce até a juventude e tenta encantá-la, articulando-se com outros setores da intelectualidade. O Teatro de Arena teve, em São Paulo, uma importância fundamental. Seus ecos vão chegar ao Rio e o eco maior veio a ser a dissidência encabeçada por Oduvaldo Vianna Filho e outros, levando à fundação do Centro Popular de Cultura, bem no território da UNE. Cultura e política. CPC e Iseb. O CPC era fortemente orientado pelo que o Iseb produzia. Embora tudo isso me chegasse de maneira um tanto confusa, enfim, chegava.

Maria Alice – Você ainda fazia o curso de Direito nessa época.

Sim, estava terminando. Mas esse mundo da explicação, do entendimento, esse mundo da reflexão vinha se impondo. Em parte porque, do ponto de vista da sociedade em que vivíamos, a solução não parecia à vista. Aquele não era um processo para transcorrer ao sabor da vontade. Isso estava claro. Mesmo o Partido Comunista Brasileiro, um partido revolucionário, via-se, naquele momento, sob a orientação geral da Declaração de Março de 1958, um documento mais interpretativo do que normativo, que chamava a atenção para o caráter longo do processo da revolução brasileira, longo e esticado no tempo.

Maria Alice – Desdramatizado, enfim...

Desdramatizado. O que o texto afirma é que a vontade, aqui, pouco vale. Em uma formulação anacrônica: “No Brasil, os fatos falam mais do que o ator. A força dos fatos aqui é maior do que a do ator”. Nesse sentido, deslindar os fatos era essencial. E as Ciências Sociais começam a se tornar um instrumento absolutamente relevante para o entendimento a ação política. O espírito de cruzada e a ética da convicção tinham que ceder. Essa foi a minha travessia. Minha chegada às ciências Sociais. Eu desejei e ainda desejo entender o país, participar da construção do entendimento da sociedade sobre si mesma.

Marcelo Burgos – Só para enfatizar essa passagem do Direito para as Ciências Sociais, aquele foi um período em que o movimento estudantil estava muito forte, não? A UEG era um lugar animado, desse ponto de vista?

Mais ou menos. Não era muito não. Tinha lá uma organização comunista, lideranças democráticas presentes, mas a Faculdade Nacional de Direito era mais animada.

Marcelo Burgos – Você já fazia parte do CPC nesse momento?

Já fazia. De modo que a faculdade, para mim, era uma atividade, digamos, perfunctória, burocrática, a que não me dedicava, porque já tinha descoberto o meu caminho. E não era aquele. Eu tinha que terminar o curso, mas estava claro para mim que meu caminho não era o do exercício de uma profissão liberal. Então, antes do golpe de 1964, eu faço vestibular para o curso de Ciências Sociais. Tomei essa decisão antes do golpe, pois havia percebido que a nossa sociedade possuía uma temporalidade que impunha limites à nossa vontade. Em 1959, porém, eclode a revolução cubana, que repunha, muito claramente, o tema do herói político, do voluntarismo... Assim a geração universitária imediatamente posterior à minha, constituída por jovens estudantes com três, quatro anos a menos do que eu, será de adesão cubana. O elemento “vontade” recupera sua força. E aquilo que era tido como um grande movimento de interpretação do país passa a ser denunciado como fraqueza, como incompreensão dos verdadeiros mecanismos que devem orientar a ação política. Como se responde a isso? No meu caso, resistir ao impacto da revolução cubana ainda mais aprofundou a decisão tomada anteriormente, o caminho da interpretação.

Maria Alice – Entendo, perfeitamente, como uma geração vai para o exercício da reflexão e descobre, nessa ida, uma disciplina, uma universidade, um curso universitário. Em São Paulo, porém, você diria que a sua geração conheceu caminho similar, da política às Ciências Sociais? Ou experimentou outro tipo de trajetória, mais comprometida, desde o início, com a idéia de ciência?

É verdade. A Sociologia, aqui no Rio, estava em formação. E o golpe de 1964 arruinou a experiência que vinha se sedimentando. De qualquer forma, o pensamento, no Rio, encontrava lugar fora da universidade. O Iseb, por exemplo, não fazia parte da estrutura universitária, mas possuía um pensamento persuasivo sobre o Brasil, uma interpretação sobre o país. Agora, aquela ciência social do projeto uspiano, isso não havia aqui.

Maria Alice – Então, durante um certo tempo você trabalha como advogado, mas já está totalmente inclinado a se tornar um cientista social.

Um pensador social...

Maria Alice – E aí, por vicissitudes da vida – você pode, se preferir, não se referir a elas – você vai para São Paulo. A chegada a São Paulo e a chegada, especialmente, no Cebrap representou o quê para você?

Posso dizer que houve momentos luminosos, intelectualmente falando, na minha vida: o CPC, o primeiro deles, muito forte; o Iseb; e, em seguida, o Cebrap e as Ciências Sociais que se praticavam lá. Não havia propriamente um projeto de ciência social no Cebrap. Havia pesquisa aplicada e havia, sobretudo, a busca por interpretações sobre o que estava acontecendo no país, sobre a natureza da nossa sociedade, no eixo que Florestan Fernandes, num certo momento, pensou como sendo a missão do departamento de sociologia da USP...

Marcelo Burgos – Voltando um pouco atrás, até que você chegasse a São Paulo, seu curso de graduação em Ciências Sociais foi concluído, em 1967. Você sente que, de alguma maneira, ele preparou sua inserção profissional?

Obtive uma credencial, não é?

Marcelo Burgos – Você chegou a fazer pesquisa no curso de Ciências Sociais?

Não. Eu entrei para o mestrado do Iuperj em 1969, cursei o mestrado de 1969 a 1970, mas, em 1970, fui obrigado a correr...

Marcelo Burgos – Quem foi o seu orientador?

Não, não cheguei a ter. A repressão andava me caçando aqui na PUC, porque eu acabara de me tornar professor, em 1970, e terminou entrando no Iuperj para me prender...

Marcelo Burgos – Foi aí que você foi para São Paulo?

Não. Daqui eu fui para o exílio. Não foi direto. O cerco foi se tornando mais fechado, outros professores daqui já tinham sido presos. Um deles era o Sul Brasil, que participava da política comigo. Dirigentes universitários da PUC foram, então, ao DOI-Codi em busca de informação sobre ele e receberam uma camisa ensangüentada como recado. Esse episódio vocês podem conhecer melhor se entrevistarem os dirigentes da PUC, àquela época. De modo que não havia jeito. O que me esperava, caso preso, era a camisa ensangüentada. Eu tinha que fugir. Fiquei fugindo um bom tempo, abrigado na casa de amigos em São Paulo. Esse período foi importante para mim; fiz amizades que me auxiliaram muito, quando decidi cursar o doutoramento em São Paulo. De São Paulo, então, eu fui para o exílio, no Chile. Quando retornei ao Brasil, em 1971, fui preso. E, da prisão, saí direto para São Paulo, com o objetivo de cursar o doutorado.

Maria Alice – E foi nesse contexto que você entrou em contato com o Cebrap?

Exatamente. Toda essa trajetória foi facilitada por alguns colegas, que já estavam em posição influente. O primeiro de todos, Carlos Estevam Martins, que me recebeu em São Paulo e me levou à casa de Fernando Henrique e Ruth. Fui apresentado ao Fernando e logo fui levado por ele ao Cebrap, para participar de pesquisa para uma enciclopédia sobre religiões. Esse trabalho me garantiu durante algum tempo. Carlos Estevam também me apresentou ao Weffort, que me aceitou prontamente como orientando no doutorado e me fez as cartas necessárias para a obtenção de uma bolsa na Fapesp. A bolsa da Fapesp, naquela época, dava para uma pessoa se sustentar perfeitamente bem. Sentia-me, portanto, estável e tudo que importava era, então, escrever a tese de doutorado. Do Cebrap eu fui para a Unicamp, mais uma vez por gestões do Carlos Estevam, onde fui contratado como professor. Essa experiência durou cerca de um ano, um pouco mais, talvez. Novamente, as circunstâncias políticas me fizeram largar tudo...

Marcelo Burgos – Explorando um pouco mais essa tensão entre o caminho institucionalizado das Ciências Sociais e a militância política, de certa maneira essa fase da sua vida é uma fase em que essas duas identidades...

Em mim, essas duas dimensões estiveram sempre articuladas, completamente misturadas.

Maria Alice – Mas, em alguns momentos, elas ficavam excessivamente pouco tensionadas, não? Havia exigências da política, como, por exemplo, sair de São Paulo, voltar para o Rio, enfrentar a luta interna do PCB, não?


Nessa época menos. A disputa no interior do Partido Comunista vai pegar fogo mais à frente, em 1977. Até lá, não. Havia a esquerda, a luta pelas liberdades – e, nisso, o Cebrap era um lugar muito afável, porque congregava esse tipo de resistência democrática à ditadura. O Fernando Henrique me abrigou bastante bem. Inclusive porque havia no Cebrap uma ala muito radicalizada que ele precisava conter. Eu era um contraponto a ela. O Cebrap não era um lugar como é hoje, um centro profissional. Era um lugar que mobilizava dezenas de pessoas, dezenas de intelectuais. Alguns de modo permanente, outros flutuantes. Era uma instituição absolutamente central. Sua revista, quando saía, tinha um papel organizador fortíssimo, porque vinha com análises e apresentava alternativas. O Cebrap não era apenas um lugar de resistência abstrata, em nome de valores. Era isso e mais: uma resistência fundamentada empiricamente, digamos assim. O Fernando, de certo modo, me escorava, porque eu resistia à ala radicalizada. De modo que, quando eu disse que ia sair do Cebrap, ele lastimou: “Logo você? Eu queria que você ficasse”. E era verdade. Mas aí a dissidência do Cebrap tinha se tornado muito forte e era comandada pelo Weffort, que estava organizando uma outra instituição. Eu era orientando do Weffort. Ele havia me aceito no doutorado de uma forma tão generosa, que eu não podia fechar os olhos a isso e optar por permanecer onde estava. Eu queria ficar no Cebrap, eu não queria sair, mas eu me achei moralmente obrigado a sair.

Maria Alice – Daquela época você lembra de diferenças muito evidentes entre o Cebrap e o Iuperj? O que era o Iuperj no começo dos anos 70? Era alguma coisa totalmente diferente do Cebrap?

Ah, era. Eram instituições polares. No Iuperj, você encontrava, sim, uma aposta forte na ciência social institucionalizada, uma ciência social menos aplicada ao mundo. Se você fizer uma leitura comparada dos números iniciais da Dados e da revista Estudos Cebrap, você vai perceber que são dois mundos absolutamente distantes.

Maria Alice – Mas o Iuperj não nasceu com a marca da pesquisa empírica também? Aliás, a revista Dados não se chama “dados” porque era uma publicação voltada à veiculação de resultados de pesquisas?

Isso mesmo. Mas não estava dirigida à intervenção. Não tinha esse caráter de envolvimento com a vida pública, que era a marca originária do Cebrap.

Marcelo Burgos – Werneck, não ficou clara a sua saída do Cebrap.

Meu orientador, Francisco Weffort dissentiu da orientação do Cebrap e resolveu criar um novo centro. O Cedec, se eu não me engano

Marcelo Burgos – E você foi para o Cedec?

Fui. Sou, aliás, um de seus fundadores. Se ainda existir algum papel, algum documento daquele ato, meu nome estará lá.

Marcelo Burgos – E essa dissensão foi o que? Uma guinada mais à esquerda?

É, o grupo do Weffort era mais à esquerda. O Weffort foi para o PT em seguida. O grupo que o Weffort dirigia dentro do Cebrap era sobre movimento operário e sindical, do qual eu fazia parte.

Marcelo Burgos – E no Cedec você trabalhou como pesquisador?

Não, no Cedec eu tive uma experiência breve. Participei apenas de grupos de discussão, de poucas discussões. Foi uma passagem rápida. Logo depois aquilo toma outro rumo. O fato é que, em meados da década de 1970, eu era professor da Unicamp e me encontrava vinculado ainda ao Cebrap.

Marcelo Burgos – Fazendo a tese?

É. Elaborando a tese. E para esse ponto, foram fundamentais aqueles relatórios que a Fapesp cobrava. Eu tive que fazer um relatório e aí me dediquei muito a ele. O relatório acabou publicado, com poucas alterações, na revista Estudos Cebrap, “Sistema Liberal do Direito do Trabalho”, e nele já estava presente o argumento da tese, embora a operação que a porá em pé tenha sido posterior. Eu gostaria, aqui, de aduzir as razões. Estávamos reduzidos – nós da esquerda, comunistas – a tal impotência, que uma forma de luta que nos pareceu interessante foi a organização de um grupo de estudos em torno de O capital. O grupo contava com intelectuais do Rio e de São Paulo; eram dois grupos, na verdade. Do grupo do Rio faziam parte Carlos Nelson Coutinho, a mulher dele, Aloísio Teixeira, Maria Teresa, e mais uns outros, que eu não estou me recordando, um economista do BNDES que fez carreira lá e tal. E do grupo de São Paulo, eu, Maria Lúcia, Braz Araújo, José Sales, Marly, e mais uns poucos. Essa atividade durou cerca de 2 anos e, de quando em quando, fazíamos reuniões conjuntas. Estudávamos aquilo, disputávamos interpretações dos capítulos como se fossem torneios mortais... Ao fim desses dois anos, o José Sales, que era um dirigente do Partido Comunista Brasileiro, da nossa idade, intelectual como nós, aparece com a proposta de que os estudos tivessem prosseguimento na União Soviética, na Escola de Quadros, com o professor Anastacio Mansilla. E fomos todos. Uns com passaporte forjado, outros de forma legal, fomos lá fazer o curso, onde, mais uma vez, relemos O capital, página a página, em reuniões diárias, sob a supervisão de Anastacio Mansilla, um professor fantástico!!!

Maria Alice – Anastacio já era conhecido aqui no Brasil?

Não. Mas Anastacio Mansilla era nada mais, nada menos, do que o homem que os soviéticos enviaram para cuidar da formação de Fidel e Guevara, logo após a revolução. Ele era espanhol, filho de uma família de republicanos exilada na União Soviética. Lá ele se educou e veio a se tornar um soviético, embora espanhol. A leitura de O capital, com Mansilla, fez com que eu fosse descobrindo soluções e caminhos para a minha tese. Mas essa também não foi a operação final. A operação decisiva veio da leitura dos textos de Lenin sobre a questão agrária, quando, então, me senti pronto para resolver o problema da tese. Eu tinha dominado as linhas gerais do argumento, tinha lido muita coisa sobre o período Vargas, eu dava cursos sobre o período, mas não era capaz de produzir uma explicação sobre o que tinha sido aquele período. Então, essas leituras contribuíram para que as coisas fossem fazendo sentido: O capital, os textos agrários do Lenin e, finalmente, a leitura do Gramsci, que foi uma leitura da minha geração. Gramsci começa a existir no Brasil a partir da minha geração e, para mim, seu texto mais influente foi Americanismo e fordismo, uma reflexão sobre o corporativismo na Itália, que acabou entrando como um fiat lux na minha tese. A partir daí, eu me tornei capaz de falar sobre o período Vargas com propriedade. Eu podia entrar por onde eu quisesse, que o argumento armava. Restava, portanto, apenas a redação. Eu escrevi a tese em cinco meses. Ela foi escrita e reescrita à mão, e tinha 550 páginas. Concluí a tese em 1975 e a defendi em 1976.

Ângela Paiva – Final dos anos de 1970, você já é Doutor em Ciências Sociais e enfrenta uma luta interna no PCB. Como você caracterizaria a década de 80, rica em questões políticas, como a democratização, as eleições para a Assembléia Constituinte, a reorganização dos partidos etc e, ao mesmo tempo, um momento especial da sua profissionalização. Você foi logo para o Iuperj?

Não, não. Eu fiquei solto. Concluído o doutorado, o que consegui, profissionalmente falando, foi, ainda, via São Paulo. Obtive recursos para pesquisar sobre o Partido Democrata-Cristão, quando o Cândido Procópio, que era do Cebrap e sempre me protegeu lá, inclusive me acolhendo em sua casa em momentos difíceis, me conferiu uma bolsa para realizar esse trabalho. Fiz, terminei e publiquei. É um Caderno Cedec, se eu não me engano. Depois disso, nada. Fiquei sem coisa alguma até que me apareceu, não sei por onde e como, um convite para dar aula na Faculdade da Cidade, que funcionava lá em Jacarepaguá, e que veio a se converter na atual UniverCidade.

Ângela Paiva – Era com a Amélia Lacombe, não era?

Sim. E lá estávamos Luis Eduardo Soares, Luiz Costa Lima, Beatriz Resende, Yvonne Maggie, Gilberto Velho... Eles pagavam direito. Era um projeto interessante, mas um público muito massificado, turmas com 120 alunos. Enfim, a faculdade faliu e foi, então, comprada por esse grupo que a trouxe para Ipanema e mudou sua orientação. Era, originalmente, uma experiência muito bacana... Mas em 1978 eu fui convidado para ser professor visitante da UFMG. Fiquei um ano e meio lá. Fui também professor visitante do Departamento de História da UFF. Não lembro o período certo, se em 1978, 1979, porque, na medida em que eu não podia fazer concurso, eu atendia às solicitações dessas pós-graduações, que precisavam contar com doutores em seus quadros. Em 1979, ofereci um curso no Iuperj, a pedido dos alunos. Fiquei nessa andança e dava para sobreviver. Até que veio a anistia. A Unicamp, então, me telefonou para que eu, anistiado, fosse assinar minha contratação. Mas, por aqueles dias, o Iuperj havia me convidado para fazer uma palestra e, quando terminei, fui convidado a integrar seu corpo docente. Fiquei, então, durante algum tempo, nas duas instituições. E, logo, em três, pois fui trabalhar também na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Fiquei com as três.

Maria Alice – E foi um contexto de muita política também, de organização dos intelectuais comunistas em torno da revista Presença, de luta interna no PCB...

É, a relação intrínseca entre política e Ciências Sociais finalmente tinha encontrado um caminho ordenado de ser. Eu tinha um grupo político em São Paulo e outro no Rio. Então, quando eu ia dar uma aula em Campinas, já passava uma noite em São Paulo, na casa, em geral, do David Capistrano Filho, pois fazíamos parte da redação da Voz da Unidade, que era o jornal do Partido Comunista.

Marcelo Burgos – E aqui no Rio?

Aqui no Rio havia uma sucursal da Voz da Unidade no começo dos anos 80. Formávamos um grupo de intelectuais reformadores da esquerda, digamos assim, na afortunada circunstância em que a direção do Partido Comunista Brasileiro estava no exílio. Assim pudemos montar, com base em nossas concepções, um veículo, com grande aceitação pública. O projeto de reforma podia ter dado certo. Mas, foi golpeado pela ditadura militar. As bancas de jornal que vendiam o Voz da Unidade passaram a ser dinamitadas, embora a Voz da Unidade não chamasse ninguém para a luta revolucionária. Era um jornal de esquerda, inteligente, esperto, renovado.

Ângela Paiva – Isso foi na época das bombas, do Riocentro, por volta de 1980, 1981?

Isso mesmo. É quando a direção do PCB volta para o Brasil. E na medida em que nós não conseguíamos vender o jornal em bancas, porque seus donos se sentiam ameaçados, nós nos fragilizamos e passamos de uma posição de autonomia em relação ao Partido a uma relação de dependência, porque não tínhamos recursos para continuar a publicá-lo. Começamos então a criar festas. Fizemos uma festa importante no bairro de Vila Isabel, Rio de Janeiro. Foram centenas de pessoas e a organização foi muito boa, com barraquinhas e tal. Concebemos, então, um megaevento, a ser realizado no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, para um público estimado em milhares de pessoas. Era a possibilidade de nós termos recursos para enfrentar, com autonomia, a direção do PCB, que queria impor a linha, o caminho. No dia marcado, a repressão impediu a festa. Isso foi uma morte. A partir daí, o Partido intensifica sua pressão sobre a direção do jornal e nós acabamos saindo. Saímos, primeiro, do jornal, e depois do Partido.

Ângela Paiva – E então?

Alguns irão para o PT, como foi o caso do David, que se tornou um político importante do Partido dos Trabalhadores, tendo sido eleito para a Prefeitura de Santos. Ele era médico, aliás, uma das melhores expressões do movimento sanitarista brasileiro, e participou da gestão de Serra, quando Ministro da Saúde. Antes, porém, de sua ida para o PT, David teve um último gesto de resistência ainda, que foi a criação da Revista Presença. Mas a Presença, com seu grupo, durou muito pouco tempo, pois o David era o grande dirigente desse movimento e estava de saída, rumo ao PT.

Ângela Paiva – E quem constituía esse grupo?

Aqui no Rio, o Ivan, Carlos Nelson, Leandro, Gazzaneo... Em São Paulo, Gildo Marçal Brandão, Marco Aurélio Nogueira... Com esse grupo originário, a Presença emplaca uns dois ou três números apenas, até que David abandona o projeto. Nós, então, trouxemos o projeto Presença para o Rio de Janeiro e passamos a operar, daqui, a tentativa de mudança da cultura de esquerda no Brasil. Já aí, com os personagens que ficarão na Presença até o fim, como a Maria Alice, Maria Lúcia, Brossard...

Marcelo Burgos – Fiz, recentemente, um inventário da revista Presença e constatei que foram editados 18 números, ao longo de uns dez anos. E o que me chamou a atenção foi a freqüência com que o embaixador José Guilherme Merquior foi publicado. Presença foi uma tentativa de diálogo da esquerda reformadora com o campo liberal, não?

Ah, sim. O Merquior inclusive disse que uma das melhores críticas que lera acerca de um de seus textos havia sido publicada por um intelectual da Presença, Rubem Barbosa Filho. Ele teve a iniciativa de responder ao artigo e o Rubem publicou uma tréplica. O debate é sobre o marxismo ocidental e é muito interessante.

Marcelo Burgos – Esse processo de construção da revista Presença é homólogo à própria transição democrática, não?

É. A Presença antecede a Constituição. E, desde o início, estava claro que ela teria que ser um projeto artesanal, para o que, inclusive, as minhas múltiplas ligações universitárias muito contribuíam, porque eu viajava bastante, nessa época, e saía montando grupos políticos em torno da revista. A rede que montamos chegou a ser impressionante: Juiz de Fora, Campinas, Vitória, no Espírito Santo, Araraquara, Salvador, Campina Grande, na Paraíba, e por aí afora...

Marcelo Burgos – É daí que surge a idéia da sua candidatura como parlamentar constituinte?

Minha candidatura foi uma tentativa de fazer com que essa identidade tivesse projeção no mundo da política. Parecia que ia ser fácil encontrar esse caminho de afirmação pública dos intelectuais da renovação da esquerda. Os primeiros atos da minha candidatura reuniram centenas de pessoas. Mas logo em seguida houve uma animação entre os intelectuais para se tornarem candidatos também. Avançaram multidões. Aí foi fragmentando, minguando, minguando... Foi uma votação pouco expressiva, tive 4.500 votos em um pleito em que necessitava de 19, 20 mil votos para me eleger. Fez-se uma campanha, mas disso não ficou fruto, não ficou nada. Acho que esse foi um dos últimos momentos em que essa combinação entre política, universidade e ciência social andaram tão juntas. A partir daí veio uma diferenciação e eu também fui me encaminhando mais e mais para as Ciências Sociais.

Ângela Paiva – Por que você acha que houve, logo no momento de redemocratização, esse afastamento dos intelectuais?

Isso foi em todo o país. Nós perdemos. A esquerda perdeu. Quem ganha a primeira sucessão presidencial, não esqueçamos, é o Collor. A esquerda não foi capaz de extrair da sua história os elementos que a impulsionassem. Basta pensar o que foi o Partido Comunista. Principal responsável pela linha da resistência democrática à ditadura, quando essa linha se torna vitoriosa, ele desaparece, se extingue. Quer dizer, ele ainda está aí, virou PPS, mas perdeu a energia, perdeu a força. Além disso, surgiram agremiações novas, vindas da sociedade: o PSDB e o PT. O Partido dos Trabalhadores, como sabemos, é inteiramente estranho a essa história anterior e mobiliza uma intelectualidade que tinha se confrontado, duramente, com a que defendera as liberdades democráticas. Grande parte dos intelectuais arregimentados pelo PT tinha vindo da luta armada e professara a crença de que “o povo armado derruba a ditadura”. Eles construirão esse partido de massas com uma postura absolutamente idiossincrática em relação à esquerda anterior, à esquerda do “povo organizado derruba a ditadura”. Daí essa configuração do PT, essa coisa quasimodal: uma liderança sindical, que vinha dos setores reformistas lá do ABC, com o Lula à frente, mais uma esquerda derrotada no caminho da luta armada e mais um pedaço da Igreja Católica, com as Pastorais da Terra e a Teologia da Libertação. Na medida em que esse caminho vai se afirmando, vai ejetando o outro, tira o lugar do outro. Bom, a indefinição desse Quasímodo, a ambigüidade dele, foi, paradoxalmente, a razão de seu sucesso. É por isso que o Lula pode falar: “Eu sou uma metamorfose ambulante”...

Ângela Paiva – E é mesmo...

Ele impôs ao partido a forma, o caminho da metamorfose. Não no começo do se mandato. Primeiro abrigou essa esquerda e deu posições muito proeminentes a ela, visto José Dirceu. A esquerda católica foi também contemplada: Frei Betto e tantos... Mas, na medida em que os impasses da vida foram se armando de outro jeito, ele foi se metamorfoseando. Ele foi permanecendo e ejetando o Dirceu, o Frei Betto... De uma forma tal, porém, que essa ejeção não parecesse radical, que fosse mantida uma relação lateral entre ele e essa esquerda, que, vez por outra, ameaça retornar à cena com seus inventários, idéias etc, embora sem os seus portadores originais...

Ângela Paiva – E já com uma outra forma.

A metamorfose ambulante... Essa, aliás, parece ser uma síndrome brasileira, a da decapitação permanente de lideranças, com a reciclagem e domesticação de suas idéias. As idéias ganham, tornam-se vitoriosas, às vezes décadas depois, mas sem os seus formuladores originais. Weffort, por exemplo, foi o primeiro secretário-geral do PT, peça fundamental na organização do partido e autor do que se poderia chamar de “percepção doutrinária” do PT a respeito do Brasil, que consistiu na teoria do populismo, na denúncia radical da era Vargas, da legislação sindical, etc. O PT cresceu assim, Lula se elegeu assim... Hoje, porém, Lula faz parte de um movimento de continuidade da era Vargas no Brasil: na questão do Estado, na questão dos sindicatos, na questão da nação. Há até mesmo um desenvolvimentismo à la Dilma Rousseff que está por aí. E o Weffort foi para o PSDB, sua teoria do populismo evaporou. Então, quando se analisam apenas as idéias no Brasil, tem-se que ter muito cuidado, pois elas sozinhas não explicam nada, a circulação delas está sujeita a muita variação... Se você tomar uma sociedade como a francesa, talvez faça sentido você começar a estudar as idéias de um determinado momento, porque encontrará explicação sobre como os atores se comportam, se orientam efetivamente. No Brasil, contudo, as idéias têm uso instrumental somente. A teoria do populismo teve um uso instrumental para o PT...

Maria Alice – Então, a década de 80 é um momento em que se separam os campos: a política, de um lado, as Ciências Sociais, de outro. E você faz, naquele contexto, uma opção por aprofundar seu investimento nas Ciências Sociais. No final dos anos 80 e durante a década de 90, qual foi a sua agenda intelectual no Iuperj? Seu tema era, então, o da institucionalização das Ciências Sociais, não é isso? Como esse tema chegou a você?

Veio pelo tema geral dos intelectuais, que, olhando bem, é o tema mais permanente em mim. Desde a primeira hora, é meu tema de estudo e minha reflexão sobre o que sou, sobre a minha vida. Participei de alguns dos mais importantes grupos intelectuais reunidos aqui no Brasil. Participei do Iseb, do CPC, do Cebrap, do Iuperj. Então, eu acho que esse é o meu tema. A partir dos intelectuais, sempre vi a possibilidade de mexer com o resto do mundo – uma idéia do Maiakovski, que sempre tive presente, uma idéia, aliás, que me devolve ao terreno da ética de convicção, que, olhando bem, talvez jamais tenha abandonado... A idéia de que o que importa é você criar um lugar de geração de energia. Pode estar circunscrito, mas a rede toda vai se abastecer daquilo. Não importa tanto que você chegue a muitos, mas que o seu pensamento tenha essa ponta de cristal.

Ângela Paiva – Werneck, ser professor foi importante para você, então?

É, eu nunca fui professor. Pode-se até encontrar testemunhos de pessoas que digam que eu fui professor, mas eu nunca me senti assim. Minhas aulas são o quê? Momentos de criação, não é isso?

Maria Alice – De interlocução...

De interlocução, sim. Eu ouço muito, dialogo muito. Eu não entro na sala de aula preocupado em transmitir um ponto. Posso levar anotações, mas não vou pegá-las, não vou mexer naquele papel. Vou falar, procurar criar o que eu conseguir, a partir do diálogo que estabeleço com os presentes. Isso pode ser entendido como atividade de professor, mas não como atividade de um professor que é um transmissor, apenas. Que leva um ponto e deixa aquele ponto com os alunos. Eu não tenho um ponto preciso, predeterminado a levar para os alunos. Eu tenho um diálogo aberto. E uma disputa também. A aula é um lugar de denúncia: dos alunos, da bibliografia, do mundo...

Maria Alice – E o tema dos juízes? Foi pensando aquela corporação específica que os temas do direito e da justiça entraram na sua agenda?

Os juízes foram pensados na chave de sempre: de como, por esses intelectuais, podem ser concebidas possíveis e eventuais mudanças. É sempre isso. É o intelectual como agente de mudança – intelectual coletivo e intelectual individual também, aquele que não se deixa corromper, aquele que não se deixa vencer, aquele que não está pensando na vitória fácil, no sucesso fácil. A sua convicção, aquela convicção tem que ser dita, tem que ser posta ali, numa rede transmissora. O que importa é ganhar a rede transmissora. Isso era Maiakovski. Quando li isso, há muito tempo – e bota tempo nisso –, eu me identifiquei muito.

Maria Alice – Já chegando ao fim dessa entrevista, quais seriam, para você, os desafios que estão postos para a reflexão social no Brasil? Quais seriam as linhas gerais dessa agenda futura? Uma agenda política, uma agenda científica...

Ângela Paiva – Eu destacaria, nesse caso, a produção das Ciências Sociais. Como é que você avalia o que está sendo produzido nas Ciências Sociais, hoje?

Eu acho que tem havido avanços significativos. Não se pode comparar as Ciências Sociais produzidas hoje com o que se produzia há 30, 40 anos atrás. É só ver a bibliografia. A bibliografia é, hoje, cosmopolita. O Brasil está no mundo. A ciência social brasileira está no mundo. Quer dizer, consultamos o mundo todo para poder avançar o nosso ponto. Isso não era assim. Também a chave comparativa está cada vez mais forte – o que é muito bom. Eu fico apenas pensando se a hiperespecialização que tem dominado o nosso campo não está subtraindo contundência de algumas construções anteriores, que eram mais expressivas. Penso que o caminho da especialização aponta para coisas importantes, mas também possui aspectos negativos. Aprisiona o seu ponto, lhe prende a mão, segura a sua cabeça, porque os territórios fora da sua especialização são considerados territórios que você não deve explorar. Agora, a questão que você formula, dos desafios a serem enfrentados pelas ciências sociais brasileiras... Acho que um deles é tentar entender a vida popular. Entender isso... Gramsci, em “A questão meridional”, formula uma explicação bastante persuasiva sobre o mundo popular. O que estará embaixo? Estará solto? Não, diz ele, nada está solto. Há uma rede muito poderosa de intelectuais que urde aquele mundo, assim como urde, organiza, o mundo da vida popular entre nós. Como é esse fenômeno, quais são as formas de domínio de que se vale? A arte, no que se refere a esse aspecto, a essas interrogações, está muito à frente da ciência social brasileira; sempre esteve, mas agora a distância é ainda maior. Essa filmografia nova, que procura dar conta desse tipo de problema, tem sido mais clarividente, mais generosa. A economia, a cultura e a política, como se tece a vida popular? Por que ela é tão pouco permeável ao que vem de fora? Essa é uma questão. Tome-se a escola, por exemplo. No que a escola consegue penetrar? Qual a resistência que existe, na vida popular, à escola? Por que tanta falta de adesão? Não dá para dizer que é a questão racial. No Rio de Janeiro, a questão racial disfarça muita coisa, mas se você vai para o Nordeste... Como é possível que se suporte tanta desigualdade sem uma rebelião, sem uma manifestação de descontentamento organizado, havendo liberdade para isso, havendo espaço para isso? Quais são as razões da servidão voluntária no Brasil? Não é a Igreja, que chegou lá embaixo. Qual é o papel dos intelectuais nisso? Chama a atenção a distância dos intelectuais brasileiros em relação à vida popular...

Maria Alice – Mas você não acha que a universidade está desempenhando esse papel, atacando esses temas?

Mas não chega... Eu estava ouvindo, outro dia, uma entrevista com aquele autor norte-americano Mike Davis. Vocês já o viram? É muito interessante. Tem uns cinqüenta e poucos anos, um sujeito forte, grisalho, enérgico, com valores até a medula. Ele faz um discurso forte, no mesmo sentido que eu há pouco falava. Denuncia a distância que os intelectuais mantêm em relação à vida popular. A minha geração tentou encurtar isso, o Movimento de Cultura Popular, no Recife, o CPC, no Rio... Alguns frutos foram imediatos e outros só mais tarde apareceram. Você não entende Caetano e Gil sem isso. Capinan, por exemplo, era o dirigente do CPC em Salvador e era uma liderança intelectual até para Gil, para Caetano...

Ângela Paiva – Mas você não acha que essa formação nova, universitária, dos jovens pobres das periferias urbanas vai modificar um pouco esse quadro? Meninas e meninos pobres que chegam às universidades e, muitos deles, concluem um doutoramento...

Você tem razão. Pode modificar... Se bem que algumas experiências são assustadoras, não é? Eles entram, chegam e assumem logo os temas mais aristocráticos já instituídos na universidade. Eles abdicam da sua posição e assumem a agenda do outro. Quando você olha, estão estudando um tema greco-latino. Não é verdade? Conheço muitos casos...

Marcelo Burgos – Na graduação, em geral, eles vêm com temas mais próximos das suas vidas, das suas angústias... Mas, quando chegam ao doutorado, como dispõem de um tempo maior para sua formação, pode ser que se vejam tentados a abdicar da reflexão que vieram buscar aqui. Mas, aproveitando o tema, gostaria de explorar uma questão de relevância para o nosso programa, um programa de pós-graduação jovem, que, do meu ponto de vista, deveria fugir da tentação de reproduzir modelos bem-sucedidos como o Iuperj e o Museu Nacional. Isso significa um desafio para nós e para o próprio campo das ciências sociais, na medida em que estaremos testando a capacidade de essas disciplinas estabelecerem nexos mais profundos com a sociedade. Penso que isso tem a ver com a sua trajetória. É algo, de certa forma, tributário da sua tentativa de aproximar, principalmente nos anos 80, a academia, o pensamento acadêmico, da cidade, do mundo público. A revista Presença, como sabemos, não pretendia ser uma publicação para a Capes. Era um veículo de comunicação com a sociedade, com poesia, literatura, crítica, que pretendia reunir, agregar todo tipo de pensamento, em vez de caminhar para a especialização. E essa experiência acabou desaparecendo com o aprofundamento da institucionalização acadêmica. Você mesmo, na sua própria trajetória, realiza isso. Afinal, nada mais sintomático do que a pesquisa sobre os cientistas sociais, realizada no começo dos anos 90. A pergunta que eu formularia então é: considerando esse ciclo, que é um ciclo de institucionalização bem-sucedida das ciências sociais, como ela poderia reencontrar alguns desses elementos que ficaram perdidos, o da comunicação com o mundo da política, por exemplo? Como é que essa ciência social poderá voltar a se comunicar com a vida pública? Poderá? Ou esse caminho é um caminho interditado...


Esse encontro tem-se dado via “especialista”. Os especialistas são mobilizados, quando são, e, se convocados, estabelecem a comunicação. Mas não é um movimento que parta do pesquisador. Mike Davis, por exemplo, especialista do mundo popular, não espera a convocação, não espera a mobilização. Ele tenta criar uma outra agenda, uma agenda para ele. Isso, entre nós, está sem caminho. Ou você é procurado e chega à vida pública, ou não chega. Não tem instância para que os intelectuais, eles mesmos, cheguem à vida pública.

Marcelo Burgos – Seriam os partidos que deveriam fazer essa mediação...

É, mas fazem? Eu continuo a acreditar que grupos de intelectuais têm lugar no mundo. Definem um programa para si, investem nele e procuram... Eu continuo a acreditar nisso.

Maria Alice – ONGs? Intelectuais coletivos desse tipo?

É... pode ser esse perfil também...

Marcelo Burgos – Recentemente você criou, junto com outras pessoas, o Cedes – Centro de Estudos de Direito e Sociedade.

Uma coisa bem dentro desse espírito, é verdade. Às vezes essa vocação parece estar muito distante dele, às vezes parece que é passível de realização. De certo modo, em quatro anos, atingimos com nossos cursos cerca de duas centenas de juízes de todo o país, atores que podem, sem dúvida, ajudar na construção de novos cenários para a democracia.

Maria Alice – Acho que poderíamos terminar a entrevista com a sua já conhecida sinalização para os que pensam o Brasil como aposta. Terminar falando um pouco disso que algumas pessoas chamam de otimismo, que eu não acho que seja...

Eu acho que o Brasil é uma mula-sem-cabeça. Anda, mesmo sem pensar. Ou, então, pensa com a cabeça do outro que rejeitou antes, mas anda. Anda, está andando agora. Está andando bastante, agora. Embora sem projeto. Qual é o projeto?

Maria Alice – Construir uma sociedade mais igualitária, talvez.

Isso está vindo aos pouquinhos, mas também, se vier com muita força, quebra, não agüenta, não tem força para passar. Quero fugir do otimismo dos tolos. Eu acho que está indo bem, embora o ator não pareça ser o senhor da sua circunstância. É claro que um ator muito desafiador, aqui no Brasil, tende a perder. Mas esse perfil que o Lula apresenta é um perfil puramente aceitável. É um ator fraco, que vai mudando com as circunstâncias. Ele é...

Maria Alice – Uma metamorfose ambulante.

Uma metamorfose ambulante. Mas se ele não for assim, se ele for duro, a possibilidade de ele não se segurar é muito grande. Getulio foi duro e não segurou. Covas foi duro e não segurou, ao jeito dele. O Jânio igualmente. Esse país é difícil, não é? Muito difícil de você conduzir para um lugar. Ele vai indo... O mundo hispânico é muito mais receptivo à épica, a comandos, a projetos. O nosso mundo é muito resistente a isso. O ator aqui tem dificuldade. É o mundo da circunstância, o mundo da fortuna, o mundo dos fatos o que comanda aqui.

Maria Alice – Você acha que a meta da igualdade está se cumprindo, não é?

Acho.

Maria Alice – E a da liberdade?

As tendências pela igualdade, manifestas agora na sociedade brasileira, são todas elas complicadas para a idéia de liberdade, inclusive a da luta contra a corrupção. Esse substancialismo que está presente sempre nas lutas igualitárias tem muita força no Brasil, e isso ameaça a agenda da liberdade. Agora, eu acho que o pior já passou, porque a agenda da igualdade está mais reverente quanto à força da outra agenda.

Ângela Paiva – E a gente precisa de tempo, não é, Werneck?

Tempo. Tempo. Tentar encurtar o tempo, aqui, por mais que seja cobiçado, desejado, desejável, apresenta riscos muito grandes para o ator, de não chegar até o fim do caminho. Isso é uma tragédia. É uma sociedade que obriga a paixão a se curvar diante da realidade. Isso é especialmente terrível para a juventude, que vê que seus ímpetos têm que ser refreados, para não serem nocivos, danosos. Isso limita também a criatividade, a inventividade, a inovação.

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