sexta-feira, 26 de junho de 2009

Furtam, furtaram e haveriam de furtar mais

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Quem chega a São Luís e cruza a ponte Governador Sarney passa pelo Fórum Presidente Sarney e se defronta com o Palácio Roseana Sarney Murad (do Tribunal de Contas do Estado, responsável pelo julgamento das contas da governadora, pela segunda vez no cargo), custa a acreditar que a família ficou quatro anos afastada do poder local.

Da metade do governo (2005) do ex-aliado José Reynaldo Tavares (PSB) atê o mês passado, quando o ex-governador Jackson Lago (PDT) foi apeado do cargo, a família passou ao largo do Palácio dos Leões. Desde 2002, rompida com o ex-prefeito Lago, já se afastara dos negócios municipais.

Não deveria espantar, portanto, que o jovem empresário José Adriano Carneiro Sarney viesse a se juntar à linhagem das dezenas de parentes e apaniguados do presidente do Senado que tiram seu sustento das benesses secretas do Congresso Nacional.

O bombardeio sobre a oligarquia Sarney no Senado no momento em que a família retoma o poder no Estado não serve de prova à teoria da sobrevivência das espécies porque a cadeia alimenta-se de uma só fonte, o erário.

O símbolo desse darwinismo às avessas foram as reuniões promovidas pela então senadora Roseana Sarney (DEM), para a montagem de seu governo de transição, à custa da farra das passagens, ainda sem solução na Câmara.

Não há fortes sobrepujando os fracos, são apenas mandatários que se revezam no poder. A posse no Palácio dos Leões em 2006, a primeira em 40 anos a deixar a família Sarney do lado de fora, foi apenas a troca de uma oligarquia por outra.

Se o improvável viesse a acontecer e a família fosse defenestrada da capital federal, ainda lhe restaria - além do condomínio do setor elétrico nacional - o butim estadual para calibrar a eterna fonte de poder das oligarquias maranhenses, a intermediação entre o poder local e o federal.
Professor da Universidade Federal e autor de "Grupos Políticos e estrutura oligárquica no Maranhão", Flávio Reis conta a história como a história foi.

Ao contrário de outros Estados, onde os grandes proprietários rurais tiveram peso na formação do poder político local, no Maranhão, as oligarquias se construíram dentro do poder. Foi assim com Victorino Freire, interventor pernambucano nomeado pelo Estado Novo para dirigir o Maranhão, e seu algoz, José Sarney, filho de desembargador embarcado no udenismo reformista.

A derrota da família em 2006, assim como a do carlismo, saudada em verso e em prosa como o princípio do fim das oligarquias regionais, não se confirmou.

Na Bahia, com a morte de Antonio Carlos Magalhães, o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB), emergiu como o principal herdeiro do seu espólio, firmando-se como chefe político estadual a partir de 2008, quando alçou o PMDB a partido com o maior número de prefeituras do Estado.

A sobrevivência oligárquica esteve garantida não apenas pelo condomínio sarneísta no Congresso, mas por Jackson Lago. Além do ex-governador ter sido aliado da família, seus principais cabos eleitorais, José Reynaldo e o ex-ministro do STJ, Edson Vidigal, também são provenientes de ramos dissidentes do sarneísmo.

A denominada "Frente de Libertação do Maranhão", eleita por maranhenses desejosos de mudança, adotou a prática dos derrotados. Promoveu a farra das nomeações nepotistas, acobertou desvios de transferências nas prefeituras, que, apenas em 2008, foram calculados pela Operação Rapina da Polícia Federal em R$ 1 bilhão e assistiu à Operação Navalha, também da PF, indiciar dois sobrinhos de Lago em denúncia por corrupção oferecida ao Superior Tribunal de Justiça.

Jackson Lago saiu humilhado do Palácio dos Leões, apelando por uma defesa popular que nunca chegou, assim como não aconteceram as mudanças que prometeu para seu governo. Foi uma mudança que não provocou lamentos por quem saiu nem entusiasmo com quem assumiu, conta a cientista política Arleth Borges, testemunha local da apática alternância de poder no Estado.

Entra eleição, sai eleição, o eleitor maranhense continua entre a cruz e a espada. No governo Lula, parte do PT e do PCdoB aderiram pragmaticamente a Roseana, e o MST, às conveniências da aliança com as suboligarquias que gravitam em torno de Jackson Lago.

Instituições federais como a Polícia Federal têm incomodado a família desde 2002, com a operação que detonou a candidatura Roseana à Presidência e prosseguiram, seis anos depois, com a investigação que acusou o primogênito do senador, Fernando Sarney, que comanda as empresas de comunicação da família, de pertencer a uma organização criminosa que frauda licitações e desvia recursos de obras das estatais do setor elétrico.

Graças ao Ministério Público Federal, a Fundação José Sarney teve que desocupar o Convento das Mercês, do século XVII, tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional e inaugurado com missa do Pe.Antonio Vieira ("porque furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse).

Já o governo Luiz Inácio Lula da Silva, cuja aliança com o sarneísmo não bastou para eleger Roseana governadora, tampouco tem tido sucesso em projetos que dinamizem a economia local.

A produção de biodiesel a partir de cooperativas de babaçu e mamona, não alcançaram a competitividade da soja e de seus grandes produtores, neo-aliados do lulismo. Políticas sociais como o Bolsa Família, não vão além de seu objetivo primário, que é diminuir a fome de população miserável. De pouco serve uma frequência escolar estimulada se os investimentos em educação de estados e prefeituras vão pelo ralo dos mandatários do poder.

E por fim, o crédito consignado, importante instrumento de alavancagem de crédito, conforma-se à sobrevivência das elites locais. Agora que Roseana reassumiu o Palácio dos Leões e suspendeu as operações para refazer os contratos, seu sobrinho já pode voltar ao Maranhão para ampliar seus negócios.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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