domingo, 2 de agosto de 2009

“O PSDB de Serra está à esquerda do PT de Lula”

ENTREVISTA » ROBERTO FREIRE
Paulo Augusto
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE


Candidato à Presidência da República em 1989, pelo PCB, ex-senador e ex-deputado federal por Pernambuco, o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, está de malas prontas para São Paulo. Após não ter tentado renovar seu mandado na Câmara Federal em 2006 – é suplente do senador Jarbas Vasconcelos –, Freire deu um drible nos que achavam que ele estava abandonando a política. Mudou seu domicílio eleitoral para São Paulo e decidiu disputar por lá uma vaga de deputado federal em 2010. Ferrenho crítico do governo Lula, o socialista garante que estará no palanque do “candidato da esquerda” do PSDB, José Serra, no próximo ano. Nessa entrevista, Freire lembrou que já apoiou o PT em outras oportunidades, criticou seu ex-correligionário e atual desafeto Ciro Gomes (PSB) e disse não ter dúvidas sobre as possibilidades de derrotar Dilma Rousseff nas próximas eleições: “esquecem que o próprio Lula já perdeu três vezes”, disparou.

JORNAL DO COMMERCIO – Por que a decisão de mudar o seu domicílio eleitoral para São Paulo?

ROBERTO FREIRE – Quando o partido (Comunista Brasileiro, PCB) voltou para a legalidade, quando aconteceu a legalidade, em 1985, uma das instruções do comitê central era a minha transferência para São Paulo. Historicamente, os partidos de esquerda, inclusive o nosso, nunca tiveram essa discussão de que uma pessoa tinha que ser político na sua província, na sua localidade, no seu Estado. A experiência não era só pelo internacionalismo, mas era a ideia de você ir para onde tinha maior perspectiva de afirmação política. O partido teve essa discussão lá atrás, que não prosperou até porque eu também não me dispus muito para isso. Talvez eu tivesse sido mais Miguel Arraes do que Leonel Brizola. Arraes também, num determinado momento, quando voltou com a anistia, se imaginou que ele fosse reiniciar a política no Rio ou em São Paulo. Brizola, quando voltou, definiu-se pelo Rio onde ele já tinha, antes do golpe de 64, sido candidato a deputado. E agora o partido voltou a discutir isso. Porque hoje está se apresentando algo, e essa é a avaliação do partido, que em São Paulo a disputa de uma esquerda mais moderna, democrática, reformista, tem mais espaço. Lá se tem uma disputa onde não existe uma hegemonia muito clara no campo da esquerda. É o lugar onde o PT há algum tempo vem sendo derrotado. É onde o PT é mais forte e onde vem sendo mais derrotado. Vem sendo derrotado pelo PSDB que é o PSDB também mais à esquerda, com uma afirmação social democrática, desde Mario Covas a José Serra. Essa disputa em São Paulo se dá. E com chances de afirmação dessa outra esquerda. Então a discussão dentro do partido é de que lá você vai ter um confronto importante do ponto de vista eleitoral.

JC – Como o senhor vê essa questão em Pernambuco?

FREIRE – Aqui em Pernambuco pode vir a ter um debate. Se o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) for candidato a governador, se pode fazer um bom debate sobre isso. Mas com uma característica: aqui você tem um PT e seus aliados com uma presença muito forte e, pior, é uma presença que vem com o que se tem de mais atrasado, que é um peso muito grande nos grotões. O que não significa dizer que também não tenha peso nas grandes cidades. Aqui, nessas forças de esquerda hoje vinculadas também ao PT, se vê algumas lideranças também expressivas e que exercem uma hegemonia bem maior do que, por exemplo, em São Paulo. Em São Paulo essas forças foram derrotadas. Já várias vezes. Aqui em Pernambuco não. Por isso também estou mudando de domicílio. Não é um oportunismo, esse é um dado objetivo. O outro dado é que São Paulo, quer queira, quer não, não importa a discussão, você tem o que pode significar a vanguarda do País. Você não pode ficar imaginando que a esquerda vai ser forte nos Estados menos desenvolvidos. Não é próprio da esquerda, por exemplo, ser forte nos grotões. Isso é uma contradição. Esquerda forte em grotões não existe. Os grotões são representantes do que há de mais conservador e atrasado no ponto de vista das relações sociais. Como é que você pode imaginar o futuro de um País com base numa relação em que você tem um Estado tão presente no assistencialismo e um Estado que não gera o desenvolvimento? Alguém imagina que vai sair, depois dessa crise que o mundo está vivendo, algo de futuro da Bolívia, do Equador, da Venezuela, ou da Nicarágua? O futuro do mundo não está aí. Se tiver que discutir o futuro da América Latina, você vai discutir o Brasil. Da mesma forma, você não pode discutir o futuro do Brasil, pensando o que vai discutir nos Estados mais atrasados. Essa é a avaliação política que o partido faz e daí a discussão da minha candidatura política a deputado federal por São Paulo.

JC – Esse PSDB a que o senhor se refere está mais à esquerda que o PT representado pelo governo Lula?

FREIRE – Sem nenhuma dúvida. Esse PSDB está mais à esquerda do PT. Em relação a Lula, nunca tivemos um governo que atendesse tanto aos setores dominantes da economia e os setores financeiros que foram grande parte responsável por um processo mais intenso de globalização e responsável também em grande parte por essa crise. Mas não é só isso, é a concepção. Isso não é de hoje. Se percebe que Lula nunca teve essa compreensão do ponto de vista da esquerda e taí o que ele está fazendo com o PT. O governo dele não tem mais nada a ver com o que significou sua liderança quando na oposição. Nada. Nenhuma perspectiva de transformação, de mudança. Vai acabar o governo Lula e quando você se lembrar dele, vai se lembrar como a bandeira do Bolsa Família, que é o grande programa de Lula. De resto, nada. E o que se tem em Serra é uma formulação concreta de um projeto nacional de desenvolvimento. E isso ele vem fazendo desde, por exemplo, quando oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso. Vamos lembrar que Serra, no governo Fernando Henrique, era considerado o desenvolvimentista, contra os monetaristas liderados pela equipe econômica do (ex-ministro da Fazenda, Pedro) Malan, Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central) e outros. Quer dizer, ele sempre teve uma formulação política e basta ver o que ele vem fazendo no governo estadual (em São Paulo), na prefeitura, algumas intervenções onde demonstra muito claramente um objetivo concreto de desenvolvimento. Ele tem toda uma compreensão política que se identifica conosco, também da esquerda – e da esquerda histórica, do velho “Partidão”, que ele também teve um relacionamento, desde a época de estudante e presidente da UNE (União Nacional do Estudantes).

JC – Por que o senhor não se candidatou em 2006, ficando na suplência do senador Jarbas?

FREIRE – Naquela oportunidade eu tinha sido candidato a presidente pelo PPS. E, no último momento, em função da verticalização, o partido, entre os dois objetivos que eram de lançar uma candidatura a presidente e garantir uma bancada minimamente significativa, fez a opção pela segunda e retirou minha candidatura. Então não dava para eu vir para Pernambuco ser candidato, já existindo a candidatura de Raul Jungmann e Elias Gomes (ambos foram candidatos a deputado federal. Raul Jungmann foi eleito, Elias Gomes não). Não tínhamos nos preparado isso e eu não vinha atrapalhar. Então, o que aconteceu: quando Jarbas me fez o convite (para ser seu suplente no Senado), algumas pessoas ficaram imaginando que poderia ser um dos dois (Jungmann ou Gomes) também o suplente. Mas aí Jarbas veio, falou que preferia a mim. E tanto Elias quanto Raul, teriam dificuldades naquela oportunidade, de sair, pois já estavam articulados.

JC – O senhor elogiou a postura de Serra desde o governo FHC, mas em 1998 e 2002 o PPS lançou Ciro Gomes à presidência. A postura foi correta?

FREIRE – Olha, naquela oportunidade eu não tinha como fazer reparos. Acho até que na segunda campanha, já na reta final, alguns reparos se faziam. Mas, naquela oportunidade, eu não tinha o conceito (do então candidato Ciro Gomes) que tenho hoje. Eu não costumo analisar o passado com o instrumental que eu tenho hoje. Da mesma forma que eu não posso deixar de reconhecer que Ciro, nas duas oportunidades, ajudou o partido. A candidatura dele fez com que o partido crescesse, se tornasse conhecido, não podemos discutir isso. Lamentavelmente, ele é que não compreendeu isso. Hoje ainda não consegue compreender, por exemplo, que ele não pode fazer a crítica irresponsável que faz para um partido que em duas oportunidades lhe deu a chance de ser candidato a presidente da República. E eu não sei se o PSB vai fazer isso com ele agora. Mas nós fizemos. Então ele não pode olhar para trás e fazer a crítica da forma que ele faz. Nós podemos fazer por ele, até porque ele foi aquele candidato que fazia crítica a essa mesma política econômica de forma mais contundente, quando na oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso. Foi para o governo Lula e depois que o partido rompeu e entregou os cargos, era para ele, se tivesse compromisso sério com o partido, que teve muito compromisso com ele, acompanhar o partido. Não, ele ficou. E aí a gente mandou ele embora. E não rompemos com Lula, é bom que se frise, porque era um governo corrupto, não. Porque na ocasião que a gente rompeu não havia nenhum grande sinal de corrupção. Não se imaginava que logo depois iria surgir o mensalão. O nosso rompimento foi porque nós começamos a criticar a política econômica, que consideramos equivocada.

JC – De qualquer forma, o PPS poderia ter acompanhado Serra no 2º turno de 2002, mas acabou apoiando Lula...

FREIRE – Foi a maioria do partido. Eu não fui a maioria. Eu achava que não era a melhor opção. Mas naquele momento era quase que irrefreável para um partido que tinha votado em Lula em todas as oportunidades. Fazendo um ligeiro histórico, porque as pessoas esquecem isso, em 89, o PCB na época, me lançou como candidato no primeiro turno e no segundo turno votou em Lula. Em 1994, nós estávamos no governo Itamar, e tem um artigo meu e de Plínio de Arruda Sampaio publicado na Folha de S.Paulo pregando uma aliança PSDB/PT. Em 1994 apoiamos Lula, não foi fácil, porque aí o partido já começava a criticar que aquele não era o caminho. Mas apoiamos Lula. Em 98, lançamos candidato, aí não dava mais pra ir de novo. Em 2002 a mesma coisa. No segundo turno, talvez esse histórico tenha influenciado mais do que a campanha que foi realizada. Lula estava com a Carta aos Brasileiros (texto assinado em junho de 2002 em que Lula assegurava o respeito aos contratos, caso eleito), Serra, como eu disse, representava muito mais uma esquerda do que Lula, como candidato, mas ele estava vinculado a um governo em que havia a nossa crítica, e nós imaginávamos que Lula, mesmo com a Carta aos Brasileiros, ia fazer uma correção de rumo. Mas não, não foi isso, então nós rompemos com o PT. Essa é a história.

JC – Dada a extrema popularidade do presidente Lula, o senhor acha que é possível derrota sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, nas eleições 2010?

FREIRE – É possível, não tenho nenhuma dúvida. Eu acho que é possível derrotar o próprio presidente Lula. Sabe por que? Existem algumas coisas que aqui no Brasil se tira do contexto. Nesse período grande de desenvolvimento internacional, não teve um presidente da República que não tenha sido bem avaliado em nenhum país minimamente organizado no mundo. Tem outras componentes de Lula que é importante, que as pessoas não levam em consideração. Uma é o problema do marketing. Esse é um governo marqueteiro, é um governo de eventos. Outra coisa que estão esquecendo é que o próprio Lula já perdeu eleições três vezes. Falam que a ministra Dilma é boa administradora, porém, se for tirar pelo PAC, é uma tragédia. Então, é possível sim derrotar o governo em 2010.

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