segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Sarney perdeu

Ricardo Noblat
DEU EM O GLOBO


Recomenda-se prudência com a informação vazada por gente do governo de que o senador José Sarney (PMDB-AP) admite renunciar à presidência do Senado. Está abatido e preocupado com a saúde da mulher. Até pode ser. Mas entre dezembro último e janeiro, ele jurou três vezes a Lula que não seria candidato a presidente do Senado. E acabou sendo.

Quando começou a ser alvo de graves denúncias, Sarney jogou na mesa carta parecida. Ameaçou se licenciar do cargo. O governo entrou em pânico. Marconi Perillo (PSDB-GO), o vice-presidente, assumiria o lugar de Sarney enquanto durasse a licença. Lula detesta Perillo, que o alertou sobre o mensalão antes do mensalão virar escândalo – e saiu por aí dizendo que o alertara. Se Sarney renuncia, Perillo terá só 15 dias para comandar o processo de escolha do sucessor dele.

Ainda assim Lula prefere Sarney onde está, do jeito que está, a qualquer outro nome. Na semana passada, provocado por repórteres e interessado em se livrar de perguntas sobre seu apoio a Sarney, Lula disse que nada tinha a ver com a crise do Senado. Nada tinha a ver com a eleição de Sarney pelo Amapá para o Senado, muito menos para a presidência do Senado. No dia seguinte, voltou a defender Sarney. Na verdade, Lula só quer ser deixado livre para tentar salvar o aliado.

Pouco se lhe dá que Sarney esteja coberto de lama da cabeça aos pés. E que caso sobreviva passe a funcionar como um pato manco na presidência do Senado. Melhor para Lula governar com um presidente do Senado fraco e credor de sua ajuda. O PMDB de Renan Calheiros jamais esquecerá que Lula socorreu Sarney no momento mais difícil da trajetória política dele. Lula terá reafirmado sua condição de parceiro confiável. A eleição de 2010 é logo ali.

A saúde de José Alencar, o vice-presidente, talvez o impeça no próximo ano de substituir Lula em suas ausências. Michel Temer (PMDB-SP), presidente da Câmara, não poderá fazê-lo a partir de abril porque é candidato a vice de Dilma Rousseff ou à reeleição. A vez será do presidente do Senado. Ora, haverá algo que possa simbolizar mais fortemente o entendimento em curso entre PT e PMDB para a eleição de Dilma do que a figura de Sarney sentado na cadeira de Lula?

Seria um esplêndido fecho para a biografia do próprio Sarney. Ele apanhou como cão vadio de Lula e de Fernando Collor durante a eleição presidencial de 1989 — a primeira pelo voto direto depois de 21 anos de ditadura militar. Desceu a rampa do Palácio do Planalto certo de que seria vaiado — não foi. Havia legado a Collor, o presidente eleito, uma inflação mensal de 80%. Vinte anos depois estaria de volta ao Palácio e festejado por aqueles que o apedrejaram antes.

Em sua defesa, Sarney disse que a crise era do Senado, não dele. A afirmação ainda fazia algum sentido na época em que foi feita. Não faz mais. No princípio, o que se viu foi a exposição das mazelas do Senado. Há outras escondidas. Mas de algum tempo para cá o que se vê é a devassa dos negócios da família Sarney e de um modo de fazer política que se apropria do público em benefício do privado. Sarney virou a bola da vez. E por culpa dele e de mais ninguém.

Foi candidato a presidente do Senado imaginando livrar seu filho Fernando de investigações da Polícia Federal. O que fez Fernando em matéria de negócios suspeitos se voltou contra o pai. Agora é o filho que pressiona Sarney a renunciar à presidência do Senado. Uma vez fora dali, calcula Fernando, ele, a família e o próprio Sarney serão deixados em sossego. De fato, a mídia costuma esquecer os que caem. Prevalece o sentimento de que não se deve espezinhar quem caiu.

Resta saber o que pesará mais — se o orgulho de Sarney ou a conveniência da família. O orgulho empurrará Sarney para uma guerra que já perdeu — mesmo que se mantenha na presidência do Senado, o que parece improvável. A conveniência o cobrirá de vergonha.

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