terça-feira, 30 de novembro de 2010

A história resolverá, mas com adjetivos:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL (ONLINE)

A Impressão que ficou do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva não convenceu ninguém de que a carta aberta ao eleitor, pedindo emprestado seu voto, tenha mudado o curso da história. Depois de ter tocado a campainha, por três vezes seguidas, com a mão esquerda, Lula assinou a carta com a direita e tirou a história do trilho. Com a exigência que enganou os dois lados, aceitou a candidatura. Nem tanto à esquerda, que o olhasse de lado, nem à direita, que o desautorizasse por excessos.

Nunca, nem antes nem depois na história deste país, alguém foi além de duas derrotas consecutivas. Brasileiro tem o hábito de não responder a cartas, mas não recusou o pedido de Lula como compensação pelos três insucessos anteriores. A originalidade do caso não ficaria por aí.

Quando o segundo mandato ficou à vista, Lula tratou de se esquivar aos efeitos do mensalão. Só confessou à Justiça que sabia de tudo, no segundo mandato, quando já estava imunizado às consequências (pois não poderia haver o terceiro). O Lula reeleito foi um novo personagem que entrou em cena num país com os dados apontando para cima. E não era sem tempo nem motivo, depois que a social-democracia, ainda recente no Brasil, se confundiu com a fantasia neoliberal que, de novo mesmo, tinha apenas o prefixo, e deixou o espaço social à disposição de quem o arrematasse. Foi a vez de Lula. Com a carta de crédito endereçada aos brasileiros em geral, Lula deixou para trás aquele socialismo que não deu certo e ofereceu o plano B, mediante bolsas de múltipla utilidade. Daí por diante, mostrou que tinha outro ângulo, menos agudo, em que via os homens e a sociedade em que nasciam, cresciam, e tudo acontecia ao deus-dará. Tinha ao lado, na Casa Civil, Dilma Rousseff, também credenciada pelo acaso.

A esquerda brasileira, que filma em câmara lenta, não tinha condições de competir com a social-democracia, mais pragmática do que teórica. Num país em que a direita se recusa a admitir-se como tal, e esnoba eleitoralmente, sem precisar assumir seu papel conservador, o Brasil não saía do lugar. E a democracia pagava a conta. A cabeça do presidente Lula não se ocupa de ninharias, e em nenhum momento precisou esclarecer que não era de esquerda.

Estava implícito. O problema dele era não ser enquadrado à direita.

Os estreantes na participação política não sabiam, nem por ouvir dizer, que a esquerda entra sempre em crise, e se divide ao aproximar-se do poder. O PT que chegava perto mas não vencia e o que se retraiu para sobreviver (mas continuou o mesmo) garantiram, com os seus e os votos adjacentes, a vitória de Lula. E mais não obteve porque a lei não comporta mais de uma reeleição, e o queremismo que cuidou do terceiro mandato não tinha expressão política.

O balanço entre o que o governo Lula achava que era e o êxito da terceira vitória do PT (por intermédio de Dilma Rousseff, com outros antecedentes políticos) só salvou as aparências de um socialismo à espera de um adjetivo que o defina no novo mandato. Com Lula no leme oculto, o governo seria diferente da campanha eleitoral. Mas não se explicaria o milagre do socialismo sem quebrar ovos. No máximo, caberia um neossocialismo, de conveniência e sem suficiente convicção, para esconjurar confusões. Graças à inauguração do social no que se firma como democracia, o neossocialismo bem pode ser considerado, por falta de melhor, apto para competir com o neoliberalismo. O resto, a história resolve com adjetivos.

Em nome da esquerda possível, o candidato que se apresentou com a carta aberta aos brasileiros deixou subentendido, aos que a leram com atenção, que o significado varia de acordo com o leitor. Podia ser assinada por Pirandello, criador da interpretação multifocal, segundo a qual cada um já entende o socialismo como lhe convier.

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