domingo, 30 de janeiro de 2011

Fim de privilégios é dívida herdada por novo Congresso

Projetos que limitam ou acabam com prerrogativas de parlamentares empacam há anos no Legislativo, sem perspectiva de ir a plenário

Daniel Bramatti

O Congresso que será empossado na terça-feira receberá como herança da legislatura anterior uma série de projetos "empacados" que limitam ou acabam com privilégios de deputados e senadores. Sem perspectiva de votação em plenário, são propostas que tramitam há anos, a maioria fruto de iniciativas individuais e sem respaldo das cúpulas do Senado e da Câmara.

Segundo levantamento feito pelo Estado, a legislatura 2007-2010 termina com pelo menos quatro projetos em tramitação nas duas Casas que proíbem a posse de suplentes durante os recessos legislativos.

A aprovação de uma dessas propostas teria evitado a "farra das suplências" registrada no fim de 2010, quando tomaram posse quase duas dezenas de substitutos de deputados que deixaram a Câmara para assumir cargos no governo federal e nos Estados.

Cada um desses suplentes recebe, em pleno período de férias do Congresso, salário integral e um pacote de benefícios que, caso utilizado na íntegra, pode custar até R$ 114 mil para os cofres públicos.

Há outros exemplos: 12 projetos estabelecem novas regras para evitar que o Senado emposse suplentes sem votos - atualmente eles são eleitos na mesma chapa dos titulares, sem passar diretamente pelo crivos dos eleitores. A "bancada dos sem-voto" chegou a ocupar 20 das 81 vagas do Senado em determinado momento da legislatura passada.

O fim do foro privilegiado, que assegura a deputados e senadores o direito de ser julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e não por instâncias inferiores da Justiça, é o objetivo de cinco propostas que tramitam no Congresso - a mais antiga é de 2005.

Também está parada há quatro anos - depois de ser aprovada em primeiro turno na Câmara - a proposta de emenda constitucional que acaba com o voto secreto em todas as deliberações do Congresso. Atualmente, não há como saber, por exemplo, como os parlamentares se posicionam sobre cassações de mandato e eleição de integrantes das Mesas.

Mobilização. Cientistas políticos consultados pelo Estado manifestaram ceticismo quanto à possibilidade de o Congresso limitar seus próprios privilégios - a menos que haja forte pressão externa.

"A lei que ficou conhecida como Ficha Limpa jamais seria aprovada, nem sequer debatida, se não viesse de iniciativa popular e do clamor das ruas", disse Lúcio Rennó, professor da Universidade de Brasília (UnB). "Mudanças moralizadoras da atuação do Poder Legislativo só ocorrerão com pressão da sociedade civil."

"O principal privilégio dos parlamentares é poder definir seus próprios privilégios, o que exige responsabilidade redobrada", observou Bruno Speck, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembrando que os legisladores definem seus próprios salários e até a forma de financiamento de partidos e candidatos. "Os parlamentares devem ponderar o que é razoável em nome da independência e do exercício do cargo e começar a definir limites para os privilégios."

Para Carlos Melo, do Insper, cada congressista "parece mais motivado por estratégias individuais" do que pela defesa da imagem do Congresso. "Quando cada um procura o melhor apenas para si, pode acabar construindo o pior coletivo."

Ressalvas. O deputado Flávio Dino (PC do B-MA), autor de um dos projetos que proíbem a posse de suplentes durante os recessos parlamentares, disse discordar das críticas de que o Congresso é incapaz de se reformar. Ele citou a Lei da Ficha Limpa como exemplo de iniciativa aprovada que contraria os interesses de políticos fisiológicos. "Mas isso só acontece quando há uma grande mobilização externa e interna."

Luiza Erundina (PSB-SP), uma das líderes da frente parlamentar que se mobilizou para derrubar o voto secreto em 2006, também contestou a tese de que os congressistas não tomam iniciativas que os contrariem. "O problema é que são iniciativas individuais, que não prosperam por falta de respaldo da Mesa e do colégio de líderes", afirmou.

Para a deputada, há uma "ditadura" da cúpula parlamentar na Câmara. "Não há democracia interna, os líderes decidem tudo e nem sequer discutem a pauta com seus partidos."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

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