De toda a barafunda e complexos cálculos políticos nos quais se enredou a disputa pela Prefeitura de São Paulo, um dos aspectos mais subestimados é como a dinâmica eleitoral desencandeou um processo no qual os nomes contam menos do que a formação de coligações. O que está em questão é a preservação e a expansão de grupos políticos.
Todas as atenções estão voltadas para a importante informação sobre se o ex-governador tucano José Serra, tal como uma "prima donna", entrará ou não no jogo. A participação de Serra, para o campo conservador, é vista como a redenção. O governador Geraldo Alckmin, seu adversário interno no PSDB paulista, já fez de tudo para rebaixá-lo. Agora, o procura de braços abertos e espera pelo seu sim.
Mas a presença de Serra pode ser menos determinante ou providencial do que se imagina. O arranjo se dá mais pela movimentação dos grandes blocos políticos do que pela vontade pessoal dos concorrentes.
Os nomes importam menos do que as alianças partidárias
Não faz muito tempo, o PT estava isolado, sem a adesão das legendas que lhe dão apoio no governo federal. Bastou que o PSD do prefeito Gilberto Kassab insinuasse uma coligação que o ex-ministro da Educação Fernando Haddad passasse à condição de favorito.
Não contam apenas os atores principais - as máquinas municipal (PSD), estadual (PSDB) e federal (PT). Um conjunto de siglas médias, como PSB, PDT, PTB, PCdoB e PR, ajudam a levar o pêndulo ora para um lado, ora para outro. Não é o ex-presidente Lula, com toda a sua popularidade, que muda o rumo dos ventos. É a estratégia, a política de alianças, de quem consegue agregar mais.
Os nomes importam menos do que as alianças partidárias. Os grupos sobrepõem-se aos indivíduos. Caso aceite participar, José Serra será talvez o exemplo mais cabal - ainda que às avessas - da velha máxima de que "ninguém é candidato de si mesmo". A expressão geralmente é utilizada por pretensos candidatos em busca de aval de seu grupo político para entrar numa disputa. Reflete a necessidade de uma rede de apoios, da qual o político, qualquer que seja, depende. O caso Serra reforça a lógica de maneira inversa. É impelido de todas as maneiras para que assuma uma candidatura que não deseja. Nada menos personalista. Ontem, 20 dos 22 deputados da bancada tucana na Assembleia Legislativa lançaram uma nota em que pediam o fim das prévias e o anúncio do ex-governador como candidato do partido.
Serra, como se sabe, gostaria de concorrer, pela terceira vez, à Presidência da República, em 2014. É uma meta cada vez mais distante. A bola da vez - e, de novo, são seus correligionários, entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que mandam avisar - é o senador mineiro Aécio Neves. Resta-lhe contentar-se em ser uma espécie de salvador do PSDB em São Paulo, uma vez que o partido não tem candidatos de grande densidade eleitoral. Será um instrumento regional a serviço dos planos de Alckmin e de preservação nacional dos tucanos. Serra tornou-se uma peça pequena mas importante para a sustentação do PSDB e da oposição. Caso a capital caia nas mãos do PT, a reeleição de Alckmin está ameaçada. E se os petistas controlarem o maior Estado do país, além do governo federal, a partir de 2014, os tucanos e a oposição estarão de vez encurralados.
A candidatura Serra pode impedir que o prefeito Gilberto Kassab bandeie-se para o lado dos petistas. Kassab tem laços estreitos com Serra, de quem foi vice em 2004 e assumiu a prefeitura em 2006. É um impeditivo de ordem moral, mas não política. O comportamento do prefeito já mostrou sua inclinação a mudar de lado, num comportamento tão errático quanto maleável. Abandonou o DEM, fundou o PSD e foi o guia de um rebanho na travessia da oposição para o governismo federal e estadual.
Há uma lógica nacional da aproximação de Kassab com o PT. Aqueles que o acompanharam para o PSD o fizeram na intenção de fugir do estigma de oposicionistas. Desde 2002, ninguém encarna melhor o antipetismo do que José Serra. E, por isso, o ex-governador é muito inconveniente para Kassab.
Mas há uma lógica estadual, na qual os tucanos têm o controle do território, há quase 20 anos. O governismo em São Paulo chama-se PSDB. Que constrangimento Kassab teria em desagradar o PT, dada a reputação camaleônica que construiu, e se siglas da base federal, como PSB e PDT, já gravitam em torno da administração Geraldo Alckmin?
Entre uma lógica e outra, ambas governistas, Kassab tenta se equilibrar. O que mais importa para o prefeito é não perder a eleição, seja com quem for. É o sinal de vitória que precisa emitir para os que aderiram ao partido recém-formado, em sua primeira disputa eleitoral, e para manter a imagem de hábil articulador político.
O PSD já tem feito ou está aberto a alianças com o PT em várias capitais do país - em cerca de dois terços delas. Em São Paulo a aproximação carrega um simbolismo maior, pelo histórico de rivalidade entre as partes e a repercussão do acordo para o cenário nacional. Por intermédio de Lula, tão empenhado que está em eleger Haddad, Kassab tem a oportunidade única de quebrar as resistências do núcleo de militantes mais ideológicos do PT. Será que vai desperdiçar?
A expansão de seu grupo político no Estado depende de uma aliança com o PT ou com o PSDB. Serra também pode lhe ser útil, na medida em que o aproxima de Alckmin. Como seu desafeto, o governador criou sérios obstáculos para a criação do PSD em São Paulo, especialmente na conquista de prefeituras. Hoje, porém, passada a temporada de assédio de Kassab a prefeitos e outros quadros tucanos, Alckmin sabe que não pode continuar na mesma estratégia. Seu objetivo maior é a manutenção do espaço conquistado. Enquanto isso, PT e PSD têm a mesma meta: avançar sobre seus domínios. Facilitar essa união não é nada inteligente. Nem que para isso o governador reabilite José Serra.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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