sexta-feira, 22 de junho de 2012

1min36s para demolir o Minhocão:: Maria Cristina Fernandes

O Minhocão é um viaduto que corta São Paulo de leste a oeste. Obra de Paulo Maluf em seu primeiro mandato como prefeito (1969), foi por ele batizado de Elevado Costa e Silva, em homenagem ao presidente que o indicara para o cargo.

Por lá não transitam ônibus. Foi construído para dar vazão ao crescente fluxo de veículos de uma São Paulo que não parava de crescer nos anos mais duros da ditadura. Por passar a cinco metros de prédios residenciais e encobrir quilômetros de vida urbana acabou deteriorando as regiões que cruza.

Sua construção foi o símbolo de uma era em que o poder público, fechado ao escrutínio popular, acabou loteado por interesses de empreiteiras e de uma classe média crescentemente motorizada em detrimento do investimento em transporte público.

PT e PSDB foram incapazes de colocar malufismo em xeque

Nesses mais de 40 anos, prefeitos de várias colorações já fizeram planos para implodi-lo.

O fracasso de sua demolição é a tradução mais concreta da falência de sucessivos prefeitos em tornar a cidade mais inclusiva.

O retorno à democracia não foi capaz de desbaratar os interesses que loteiam a máquina pública municipal. Talvez não seja coincidência que a única a impor alguma restrição ao funcionamento do Minhocão, tenha sido Luiza Erundina, a primeira eleita depois da ditadura.

Os polêmicos embates com as empresas de ônibus, que acabariam municipalizadas em sua gestão, lhe custariam uma condenação 20 anos depois. Erundina mandou imprimir cartazes informando à população que o serviço seria paralisado porque seus funcionários adeririam à greve nacional da CUT. Foi condenada a ressarcir os custos desses cartazes. Numa campanha nacional recolheu fundos para ressarcir o erário. E doou as sobras para uma instituição de caridade.

Seus enfrentamentos foram diretamente proporcionais à sua incapacidade de lidar com uma maioria parlamentar na Câmara dos Vereadores. De lá pra cá nenhum prefeito deixou de ter maioria. Os enfrentamentos é que escassearam.

O tempo de TV no horário eleitoral gratuito, hoje tido como instrumento mais poderoso para a conquista do poder, é a explicação para foto que reuniu Lula e Haddad a Maluf. Mas sua simbologia vai além.

Cada vez que eleitores se reúnem para escolher um prefeito depositam sua confiança de que o exercício do poder público seja mais pautado pela vontade popular do que pelos interesses incrustados na máquina pública.

PT, PSDB e suas ramificações kassabistas sucederam-se na Prefeitura de São Paulo com inovações pontuais que não foram capazes de colocar em xeque as opções de gestão urbana feitas pelo autoritarismo. Talvez porque, no mesmo período, também tenham se revezado no poder federal em gestões cujo modelo de desenvolvimento foi limitado ao foco, mais ou menos acentuado, na expansão da renda.

Maluf não é mais a sombra daquele que, em 1998, também posou para outra foto histórica. Naquele ano, empoderado pela eleição do seu sucessor na Prefeitura de São Paulo dois anos antes, disputou o governo do Estado contra a reeleição do tucano Mário Covas. Não ganhou a parada, mas teve direito a outdoors de sua foto ao lado de Fernando Henrique Cardoso, que, pelo apoio do então PPB malufista, disputou a reeleição presidencial com dois palanques em São Paulo.

O Maluf que se aliou aos tucanos e aquele que hoje se reúne aos petistas, desidratou em votos à medida que se tornou um procurado da Interpol.

Foi pela acusação de desvio para paraísos fiscais de recursos uma outra obra viária em São Paulo, desta vez numa época em que o Ministério Público já podia atuar, que Maluf acabaria condenado.

Não pode mais deixar o país. Com ordem de captura expedida pela Justiça de Nova York, está na lista de procurados da Interpol em 181 países.

Condenado ao Brasil e agraciado pela leniência judicial tupiniquim, trata de obter a cumplicidade dos partidos que se revezam no poder para passar um verniz na sua redoma de impunidade. Desta vez, o PT foi apenas um cúmplice mais rápido que o PSDB.

Numa eleição em que tantos problemas cotidianos reais estarão em pauta, as campanhas tendem a apostar que essas questões de princípios se diluam.

A questão é saber se o pós-Lula não produziu uma outra ambiência para as disputas eleitorais. A presidente Dilma Rousseff encarnou o personagem de quem não compactua com o malfeito e esta é uma das razões por que superou - e, aparentemente, desnorteou - o antecessor com seus índices de popularidade.

A confirmação de um aliado de Maluf para uma secretaria no Ministério das Cidades como moeda de troca para a aliança é a demonstração de que a popularidade de Dilma é fruto também de uma imagem cuidadosamente trabalhada por profissionais. Mas se a cobrança por decência entrou nas considerações do marketing da presidente é porque há mudanças em curso na opinião que se forma sobre o exercício do poder.

Este vetor, que já havia sido sinalizado pela votação surpreendente de Marina Silva, parece ter sido ignorado pela comunicação da campanha de Haddad, apesar de estar sendo dirigida pela mesma experimentada equipe que trabalhou para Dilma em 2010.

Haddad luta contra o desconhecimento de mais da metade do eleitorado. Por isso precisa de TV. Tem uma rejeição baixíssima, de 12%, que, pelo resistente antipetismo da cidade, tende a aumentar à medida em que for associado ao seu partido. Que a foto vai ser usada por seus adversários não parece haver dúvidas. O que não se sabe é se será capaz de aumentar substancialmente essa rejeição. E ninguém melhor que seu principal adversário, José Serra, para lhe mostrar como é mais fácil aumentar conhecimento que diminuir a rejeição.

Com o PSB e o quase garantido PCdoB, é consenso de que Haddad já teria tempo suficiente para se tornar conhecido. Resta agora saber se pelo menos pretende usar esse 1min36s para dizer se será capaz de demolir o Minhocão.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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