Da questão indígena aos portos brasileiros, um traço comum marca a atuação do governo federal: a omissão. A inabilidade em arbitrar controvérsias, a demora em buscar soluções e a dificuldade para construir consensos acaba sempre desaguando em conflitos. Esta é uma gestão que se notabiliza pela vacilação no decidir, pela demora no agir e pelo titubeio no fazer. Ou seja, pela inaptidão em governar.
Neste momento, a crise mais aguda envolvendo a incapacidade federal para fazer o que lhe cabe refere-se ao embate entre índios e produtores rurais no Mato Grosso do Sul. Conflitos por terra são bola cantada há tempos, mas vêm sendo ignorados pela gestão petista, descuidada de evitá-los, incompetente para resolvê-los, leniente em arbitrá-los.
O tema é sensível e não aceita soluções padronizadas, receitas únicas. Há demandas que são legítimas; há outras que são abusivas. Decidi-las equilibradamente dá trabalho, exige dedicação, capacidade de interpretação, de discernimento e de julgamento. Todos, artigos raros na administração da presidente Dilma Rousseff.
Na questão indígena, a atual gestão tem sido marcada por processos fundiários quase paralisados, ausência de investimento sério na gestão das terras demarcadas, imposição de obras impactantes sem consulta e com condicionantes fictícios, conforme resumiu Márcio Santilli, ex-presidente da Funai, em artigo recente na Folha de S.Paulo. Ou seja, notabiliza-se pela omissão.
Desde o início de 2011, apenas duas terras indígenas foram demarcadas, um dos registros mais baixos que se tem notícia no país. Há 14 processos de homologação em andamento na Funai e outros nove já encaminhados ao Ministério da Justiça aguardando assinatura de decreto homologatório, segundo o Valor Econômico.
A maioria dos processos se arrasta há anos, prejudicando quem quer ter acesso à terra e também que nela trabalha e produz. A incerteza e a insegurança afetam proprietários e atiçam demandantes. O governo federal parece crer que empurrar os problemas com a barriga ou varrê-los para debaixo do tapete seja a melhor solução. Como se viu em Sidrolândia (MS), não é.
A conflagração de disputas como a que acontece agora não apenas no Mato Grosso do Sul, mas também no Rio Grande do Sul, no Pará e no Paraná, mostra que o vácuo nunca é o melhor árbitro para as questões. É a ausência do Estado justamente onde é mais necessário que abre espaço para a violência - de ambas as partes.
A mesma omissão federal também se manifesta na reforma da legislação dos portos. Assim como a questão que opõe produtores rurais e indígenas, o tema é de interesse nacional, estratégico, sensível. Exige, pois, abordagem cuidadosa, estudada e, sobretudo, negociada. Mais uma vez, tudo o que a atual gestão não consegue contemplar nos seus afazeres.
A aprovação do texto, enviado por meio de arbitrária medida provisória, já foi uma verdadeira guerra no Congresso - felizmente, ao contrário do que acontece em Sidrolândia, sem mortos. As idas e vindas em sua curta e apressada tramitação jogaram interrogações sobre a real capacidade que a nova legislação terá para fazer deslanchar os necessários investimentos em nossos portos.
Agora, para azedar um pouco mais o caldo, o Planalto impôs dez vetos ao texto aprovado por deputados e senadores, atiçando novamente a discórdia. O erro vem desde a partida: impor goela abaixo uma reforma que se pretende tão profunda, manietar o debate com a sociedade e trucidar as prerrogativas do Legislativo. Assim como acontece com os índios, o conflito está longe de chegar ao fim.
É sempre mais fácil governar quando se tem um projeto claro apresentado à sociedade e por ela referendado. Quando comandar o país confunde-se com o mero desejo - em alguns casos, melhor seria dizer com a gana - de se perpetuar no poder, exercer o comando da nação torna-se mais complicado e menos legítimo. Administrar acaba se tornando um cabo de guerra. E nisso vai muito tempo perdido, sangue derramado, dinheiro desperdiçado.
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
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