Mais uma vez o STF, provocado pelos deputados, dá ordens ao Parlamento. Sinal da incapacidade do Congresso de resolver suas próprias mazelas
Há tempos não tínhamos um início de semana tão movimentado, com governo e congressistas meio atônitos. No Planalto, as denúncias de que os Estados Unidos espionaram a presidente Dilma Rousseff. Na Câmara, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso de suspender a sessão que preservou o mandato do deputado presidiário Natan Donadon, deixou os deputados zonzos. A diferença, do ponto de vista da política interna, é que as denúncias de espionagem colocam Dilma como a mocinha, vítima dos americanos. Os congressistas, entretanto, mais uma vez ficaram mal na foto perante o eleitor.
Não foi a primeira vez que uma decisão em caráter liminar de algum ministro do Supremo Tribunal Federal abalou a combalida imagem do Congresso. Foi assim no caso dos vetos, quando os deputados não fizeram o dever de casa e passaram pelo vexame de ver o STF mandar votar tudo.
Nos dois casos, vale observar que o Supremo Tribunal Federal foi provocado pelos próprios parlamentares. Só o fato de um deputado — no caso de Donadon, o líder do PSDB, Carlos Sampaio — precisar recorrer ao STF para que os parlamentares façam seu dever de casa pode ser visto como um absurdo. Esses recursos das excelências ao STF deixam cada vez mais transparente a incapacidade de diálogo entre os partidos para que o Congresso resolva suas mazelas. Ou seja, o STF está cada vez mais protagonista. E os deputados cada vez mais coadjuvantes, invariavelmente, no papel de vilões.
No caso de Donadon, o circo está armado. Uma das propostas em estudo é convocar uma nova sessão e refazer a votação ainda hoje, de forma a reduzir o impacto das manifestações de 7 de Setembro sobre o Congresso. Mas tem um problema aí, porque o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves, já deu posse ao suplente e Donadon não poderia se defender como fez na semana passada. Além disso, a decisão do ministro Luis Roberto Barroso ainda precisa ir ao pleno. Em suma, um nó que os próprios parlamentares ainda não sabem como desatar. Hoje, o dia será no sentido de tentar transformar esse limão do desgaste numa limonada. E bem docinha.
Enquanto isso, no Planalto…
Nas entrevistas de ontem, em que as autoridades brasileiras se desdobraram em cobrar explicações do governo de Barack Obama, vale a pena observar o esforço do Brasil em não misturar a viagem da presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos em outubro com as denúncias de espionagem. Isso, no entender de muitos integrantes do corpo diplomático, representa uma ação do Brasil no sentido de preservar as relações entre os dois países. Mostra ainda que o governo brasileiro separou muito bem as estações, ou seja, viagem é uma coisa, espionagem é outra. Basta ver a declaração do ministro Luiz Alberto Figueiredo, de que não trataria da viagem.
Figueiredo obviamente não entrou em detalhes, mas a leitura feita por muitos foi a da velha imagem da criança e da bacia. Jogue fora a água suja da espionagem, não as relações com os Estados Unidos. Ao que tudo indica é por aí que o Brasil seguirá, afinal não é o único país vítima dessa prática. Nesse sentido, vem a calhar a reunião do G-20 em São Petersburgo, na Rússia. Sem dúvida, o palco das cobranças está armado. Depois dele, será a vez da ONU. Especialmente, se os Estados Unidos seguirem na linha do que disse o secretário de estado, John Kerry, quando esteve por aqui. Apesar do linguajar polido e educado que o caracteriza, Kerry não escondeu o fato de que a proteção do povo americano passava por práticas de espionagem. Resta saber se essa linha inclui até mesmo a presidente do pacífico Brasil. Se for, é sinal de que os EUA extrapolaram todos os limites. Afinal, em termos de combate ao terrorismo e busca do diálogo entre as Nações, o Brasil buscou sempre o papel de mocinho pacificador e não de vilão coadjuvante. A palavra agora está com os Estados Unidos. Que dêem uma resposta convincente.
Fonte: Correio Braziliense
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