Cultivo uma utopia: a imposição exclusiva do financiamento cidadão de campanhas. Nada de recursos públicos nem doações de empresas. Partidos e políticos deveriam ir para as ruas e para a internet lutar por doações de indivíduos. Será assim, e apenas assim, que a política retomará o curso do bem e do interesse público. Nenhuma outra fórmula funcionará.
Com o financiamento cidadão de campanhas, partidos e políticos terão de convencer o cidadão a doar dinheiro para as suas campanhas. Serão obrigados a falar e a convencer, conforme fazem os “eletro-pastores”, que vendem seus produtos e pedem doações. Partidos teriam de se expor.
Alguns, como o valorizado PCO, têm uma militância minúscula, mas nem por isso deixam de recolher anualmente quase R$ 500 mil dos cofres públicos para existir. Assim, fica fácil. Pequenos partidos, grandes negócios.
O financiamento público exclusivo vai afastar ainda mais o político das ruas. Teremos políticos e partidos pendurados nas contas públicas e favorecidos por um precário esquema de controle e fiscalização. A cada ano, como fizeram em 2013, aumentarão as dotações orçamentárias e dependerão menos de militância. Filiados só serão importantes para a criação de partidos.
No Brasil, a campanha de Dilma Rousseff recebeu menos de R$ 3 milhões de pouco mais de 1.500 doadores. Já Barack Obama recebeu mais de US$ 200 milhões em doações de mais de 4 milhões de norte-americanos. É fácil ver onde a política interessa ao povo e onde não.
Na falta de vontade e coragem de se fazer uma reforma política, nós a estamos fazendo em fatias. Em 2014, o Supremo Tribunal Federal poderá declarar ilegais as doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. A medida é boa, mas está longe de ser a mais adequada, pois jogará a conta das eleições nos cofres públicos sem a devida contrapartida de empenho e exposição.
Já que a Justiça está fazendo a reforma política que o Congresso reluta em fazer, a solução – caso o financiamento público de campanha seja a única fonte de financiamento de partidos e candidatos – é que o critério de distribuição seja uma combinação de votos recebidos com o número de filiados. Que os recursos sejam exclusivamente geridos pelos partidos políticos e que as campanhas tenham limites de gastos claros.
Os recentes avanços – como a adoção da fidelidade partidária e a instituição da Lei do Ficha Limpa – foram extraídos a fórceps de suas circunstâncias. Novas circunstâncias terão de existir para que novos avanços, mais dramáticos e urgentes, se deem. As manifestações de junho passado nas ruas foram supervalorizadas no que tange à cidadania. Só que nos faltam interesse, educação e lideranças para que possam ocorrer avanços institucionais na esfera política e partidária.
Governos populares temem o embate com políticos. Preferem trair, a longo prazo, os interesses do povo a se indispor com a politicalha. Daí Lula, o mais popular e poderoso presidente da história do Brasil, não ter tido capacidade de encaminhar o tema. Faltou coragem de encarar o establishment político.
Sem povo e sem participação da sociedade, a política continuará a envelhecer rapidamente e a se desconectar ainda mais dos interesses do povo. Com lideranças sem disposição para olhar de frente questões críticas, como as mencionadas, continuaremos sendo menos do que poderíamos ser e sonegando, aos nossos descendentes, um futuro melhor.
Murillo de Aragão é cientista político.
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