A capacidade de manobrar politicamente não é o único atributo que se espera de um governante, até porque se o fosse, Luiz Inácio Lula da Silva seria o maior estadista da história deste país. Mas a falta dessa habilidade e, pior ainda, o soberbo desprezo por ela geralmente colocam a perder as melhores intenções de um governante. Dilma Rousseff parece incapaz de entender que existe uma enorme diferença entre convicção e teimosia, entre perseverança e voluntarismo. De que, numa sociedade democrática, governar é a arte de aliar meios a fins. Na marra, não funciona.
O desafio que a presidente da República precisa enfrentar nos próximos quatro anos é, para resumir, gigantesco. Não logrará superá-lo sozinha, isolada pelo cinturão de segurança que criou para si ao escalar para postos estratégicos de coordenação política pessoas cuja única qualificação notável é ser de sua estrita confiança. Até porque delegar poderes não é seu forte, muito menos numa área pela qual não tem grande apreço, como a do varejo político.
Todas as articulações para a formação do novo governo, agora concentradas nos escalões inferiores, são orientadas pela estratégia de dividir para governar. E no capítulo primeiro do manual usado por Dilma está escrito que é preciso reduzir o poder dos parceiros, a começar pelo seu maior aliado, o PMDB. E sobre o partido do vice-presidente Michel Temer aplicou-se então o golpe de trocar qualidade por quantidade. O PMDB tinha apenas cinco pastas, agora fica com seis, mas perde a maior parte das verbas que antes administrava. E, se depender do Planalto e do PT, o PMDB que não pense em manter a presidência da Câmara dos Deputados, ainda mais nas mãos de um notório criador de casos.
A divisão de poder não é uma tentativa de oxigenar o aparelho estatal com novas ideias, novas propostas, pois Dilma parece satisfeita com as que julga ter. Trata-se de sair à busca de novos e preciosos aliados que aumentem o plantel da "base governista", tornando cada um de seus componentes mais vulnerável ao poder central. E para viabilizar essa engenharia, que se materializa na mais pura e fisiológica distribuição de cargos, até o PT teve de se conformar em abrir mão do que não gostaria de perder.
Assim, foram carinhosamente acolhidos no regaço do poder, por exemplo, dois políticos derrotados das eleições de outubro: no rico Ministério das Cidades, o ex-prefeito paulistano e "dono" do PSD, Gilberto Kassab, um articulador político que já comprovou dominar duas grandes habilidades: não estar ligado nem à direita, nem à esquerda, nem ao centro e ser um bem-sucedido inventor de novas legendas partidárias, aquelas para as quais parlamentares podem se transferir à vontade, sem nenhum problema com a Justiça Eleitoral. E, no Ministério da Educação, Cid Gomes, chefão do PROS e, até onde se imagina, fiel aliado de Dilma, que entre as notáveis contribuições que deu ao ensino no País está a interessante declaração, feita quando era governador do Ceará, de que o professor "deveria trabalhar por amor, não por dinheiro".
Diante desse quadro, desenhado sem corte nem prudência, pouco mais de duas semanas foram suficientes para o esquema revelar sua vulnerabilidade. Como era previsível, na queda de braço com o maior aliado, o PMDB, o Planalto já sofreu um importante revés. Na quarta-feira passada Dilma foi convencida por Michel Temer, que também é presidente do PMDB, a suspender as nomeações para o segundo escalão até as eleições para o comando da Câmara e do Senado, marcadas para 1.º de fevereiro. Foi a reação à forte mobilização da máquina do governo contra a candidatura de Eduardo Cunha à presidência da Câmara. Na véspera, Temer havia presidido reunião da Executiva do PMDB que tornou oficial essa candidatura.
Em resumo, o maior aliado do governo, que se considera, por direito e posição, merecedor de mais prebendas típicas do "presidencialismo de coalizão", não parece disposto a ceder terreno conquistado para satisfazer os caprichos políticos da presidente. É como se o partido advertisse o comando da aliança: na marra, não funciona.
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