- O Globo
Os ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa têm dito que os ajustes na economia farão o Brasil voltar a crescer rapidamente. Usam a estratégia para tentar convencer o PT e os partidos da base, que são contra os cortes de gastos. Além disso, estão começando a ceder partes do ajuste na negociação. Ou os ministros expõem a gravidade do quadro ou a arrumação da economia ficará pelo meio do caminho.
Claro que nesta conjuntura política é preciso conversar com o Congresso, mas não deveriam dourar a pílula. Não serão apenas alguns meses. Vai levar tempo para consertar o país, e isso exige cortes de gastos, suspensão de subsídios, juros altos por longo tempo. Os dois apertos - fiscal e monetário - vão comprimir ainda mais a economia já estagnada. Ao mesmo tempo, a inflação continuará alta pelos reajustes dos preços da energia e do aumento do dólar. Isso é remédio contra os erros do primeiro mandato, mas o PT está pronto para pôr a culpa na atual equipe econômica. Os ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa devem apontar o futuro de recuperação, mas precisam avisar que será um caminho longo.
A meta de superávit primário deste ano é de 1,2% do PIB, lembra o economista Sérgio Vale, da MB Associados, e subirá para 2% no ano que vem. O cinto ficará mais apertado. O economista alerta para mais um risco que parece estar passando desapercebido pelo governo. Ele acha que é preciso haver racionamento de energia, sob qualquer cenário de chuvas, para poupar água nos reservatórios das hidrelétricas. Sem isso, não haverá energia para o momento da retomada.
- Para se ter um 2016 melhor, é preciso racionar em 2015. Do contrário, não haverá energia para quando o país voltar a crescer. O governo poderá fazer um enorme esforço fiscal este ano, deixar a casa mais arrumada, e não haver energia para crescer. Avalio que o racionamento é inevitável. Será um erro muito grande não fazer, do ponto de vista econômico - afirmou.
Outros economistas acham que a recessão de 2015 reduz o risco de racionamento. Sérgio Vale acha que mesmo com recessão será preciso haver restrição de consumo de energia para aumentar as chances de crescer em 2016. Ele mesmo admite que com racionamento em 2015 a retração pode chegar até a 3% do PIB. A boa notícia é que a recuperação seria mais rápida, podendo crescer 3% no ano que vem. Sem racionamento, a queda estimada é de 1%, mas, no ano que vem, o crescimento será mais contido pela falta de oferta de energia. Sob qualquer cenário, os dois últimos anos de mandato da presidente Dilma terão crescimento máximo na casa de 2%, segundo Sérgio Vale.
A MB estima fechamento de mais de 600 mil postos de empregos formais este ano. Será a primeira vez que um ano fechará no negativo desde o início da série histórica, em 1996. Não houve isso nem em 2009, auge da crise internacional. O risco político, com as manifestações e a queda da aprovação presidencial, torna o ajuste ainda mais difícil de ser executado.
- Assim como a Europa está em uma armadilha política e econômica, um círculo vicioso quase sem solução no curto prazo, o Brasil se encontra em que a crise política que piora a econômica e vice-versa - afirmou Sérgio Vale.
Nos fundamentos da economia brasileira há uma série de problemas estruturais. Um deles está no forte déficit em conta-corrente, que passa de 4% do PIB. A alta do dólar ajuda a diminuir o déficit, mas eleva a inflação. Vale pondera que nem mesmo a valorização da moeda americana é certeza de que o déficit será revertido. Não há, ainda, garantia de crescimento das exportações.
- Em 2003 e nos anos seguintes, o déficit em conta-corrente foi ajustado pelo boom das commodities e por um período de crescimento mundial que puxou o PIB brasileiro. O contexto atual é de queda de preços. Nossa indústria também ficou menos competitiva nos últimos anos. Tivemos aumento da energia, aumento do custo do trabalho, aumento de impostos. O cenário é adverso para as commodities e os bens manufaturados - explicou.
O quadro externo é desfavorável, com a expectativa de alta dos juros pelo Banco Central americano. Não há, portanto, saída fácil e no curto prazo. O único caminho é o governo expor a gravidade da situação atual. Isso talvez ajude a conseguir mais apoio para as medidas de ajuste, que parece cada dia mais fraco.
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