- O Estado de S. Paulo
Vou começar por onde Fernando Gabeira terminou, com o brilho habitual, seu artigo de 22 de maio: “O Brasil não precisa apenas de um ajuste fiscal, mas de rever todo o modelo que nos jogou no buraco.” Bravo! Mas o Brasil precisa também se livrar do governo do PT, que não é o único, mas é certamente um enorme obstáculo à modernização política, econômica e social. E é o principal responsável pelo buraco.
Livrar-se do PT é, bem entendido, uma maneira de dizer. Não há de acontecer com Lula & Cia. nada além do que têm feito por merecer desde que optaram por trair os princípios pelos qual vieram à luz e se transformaram no símbolo de tudo aquilo que se propunham a combater na política. Fraudaram a boa-fé dos brasileiros, que agora lhes viram as costas. É o que merecem.
A trajetória do PT da esperança ao descrédito é a história da ascensão e queda de um mito. Gestado, nos anos derradeiros da ditadura militar, a partir da bem-sucedida mobilização dos operários fabris da Grande São Paulo em torno da reivindicação de seus direitos trabalhistas, desde sua origem esse movimento, o chamado sindicalismo autêntico, esteve declaradamente focado não nos interesses do País como um todo, mas na defesa dos interesses dos assalariados.
Principalmente daqueles que integravam a elite da massa operária: os empregados na indústria automobilística e de autopeças. O líder mítico que surgiu então não foi “Lula, o trabalhador”, mas “Lula, o metalúrgico”.
Desde que começou a se destacar na presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Lula, o metalúrgico, sempre fez questão de manifestar desdém pela atividade política e a firme determinação de jamais disputar eleições. A posterior influência de intelectuais de esquerda e outros apoiadores acabou convencendo Lula e seus liderados da necessidade de participarem da luta político-partidária, o que supunha conquistar o apoio de um eleitorado mais amplo do que o operariado fabril.
Dois anos depois da fundação do PT Lula era candidato a governador de São Paulo, no pleito vencido por Franco Montoro. E então já não falava apenas em nome dos metalúrgicos, mas de “milhões de brasileiros” decididos a “intervir na vida social e política do País para transformá-la”. O manifesto de criação do PT, como que pedindo desculpas pelo fato de os petistas se entregarem ao sacrifício de participar de um jogo político-eleitoral viciado, já explicara que a “participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas”.
Uma das poucas coisas que nunca mudaram no PT é exatamente o tom populista que já permeava o manifesto divulgado por ocasião do lançamento da legenda, em fevereiro de 1980. Um texto obviamente destinado também a explorar o sentimento nacional de resistência a uma ditadura no poder havia mais de 15 anos. Contra um regime “de direita” o PT proclamava generalidades “de esquerda”, tais como “é preciso que as decisões sobre a economia se submetam aos interesses populares” e que “esses interesses não prevalecerão enquanto o poder político não expressar uma real representação popular”. Uma questão para a qual, como se vê hoje, os petistas não conseguem dar resposta.
Por um bom tempo, pelo menos até a primeira eleição presidencial disputada por Lula, em 1989, contra Fernando Collor, o discurso petista, repetindo enunciado do seu manifesto de fundação, insistia em que “a democracia plena é exercida diretamente pelas massas”. Uma colocação contraditória, porque uma democracia jamais será “plena” quando o conceito de massas exclui, por exemplo, a classe média não operária ou as tão odiadas “elites”. Ou seja, pura retórica populista a serviço de um projeto de poder que foi gradualmente se transformando num fim em si mesmo.
Trinta e cinco anos depois de sua fundação, o PT não tem mais nada que ver com a legenda que sindicalistas “autênticos” fundaram, com o apoio de intelectuais de esquerda e dirigentes católicos progressistas, para combater a ditadura militar e transformar “a vida social e política do País”. Os intelectuais de esquerda verdadeiramente idealistas foram aos poucos se afastando, por uma questão de coerência, depois de Lula ter chegado ao poder disposto a qualquer concessão para lá permanecer.
A Igreja Católica está hoje mais preocupada em manter seu rebanho a salvo da sedução dos evangélicos. Sobraram no partido, com honrosas exceções, os oportunistas, que se dividem agora entre os que apoiam o governo e os que lhe fazem oposição, de acordo com seus próprios interesses.
Assim, hoje totalmente convertido à prática de um sistema político conveniente a seu projeto de poder, o PT não tem interesse em reformá-lo em profundidade, como o demonstra o fato de que em 12 anos não mexeu uma palha nessa direção.
Sobre a modernização da economia em benefício da criação de riquezas que beneficiem todos os brasileiros, a evidência de que hoje o País anda para trás se revela em indesmentíveis números e cifras. Mais do que de incompetência, porém, esse fiasco resulta da teimosia de quem, como Dilma Rousseff, não acredita na iniciativa privada para a produção de riquezas e entende que o Estado provedor é a solução para todos os problemas.
Consequentemente, as conquistas sociais em que o governo do próprio PT avançou nos dois mandatos de Lula estão agora ameaçadas de retrocesso, pois a cornucópia do governo se exauriu.
Atendida a urgência do ajuste fiscal, será preciso lutar, portanto, pela revisão de todo o modelo que nos jogou no buraco. E também dar um basta a quem o cavou. O meio para isso é o voto. E a primeira oportunidade para usá-lo se oferece já em outubro do próximo ano.
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*A. P. Quartim de Moraes é jornalista
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