• Ex-presidente uruguaio só contestou citação após repercussão de conversa sobre mensalão
Janaína Figueiredo e Cristina Tardáguila – O Globo
BUENOS AIRES E RIO - Apesar de ter lido o livro "Una oveja negra al poder" (Uma ovelha negra no poder , em tradução livre) antes de sua publicação e de estar promovendo essa biografia autorizada tanto no Uruguai quanto na Argentina, o ex-presidente José Mujica disse ontem que, ao contrário do que está escrito na obra e do que foi revelado pelo GLOBO ontem, nunca conversou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o escândalo do mensalão. O livro foi lançado há uma semana. Ao longo de cinco anos, os jornalistas Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz, editor-chefe e repórter da revista "Búsqueda", entrevistaram o líder uruguaio com o intuito de publicar um livro ao final de seu mandato. Nas diversas entrevistas, a dupla colheu relatos de um encontro entre os dois que, segundo consta na obra, ter ia ocorrido em Brasília em 2010 e que teria girado em torno do escândalo do mensalão.
Nele, escreveram os autores, Lula lhe teria "confessado" que a compra de apoio parlamentar "era a única forma de governar o Brasil" e que havia lidado com "coisas imorais, chantagens" no período. Ontem, o ex-presidente foi à Prefeitura de Montevidéu para apresentar a biografia. O evento literário ocorreu num dos salões nobres da prefeitura. Durante a apresentação do livro e diante da grande repercussão gerada pelas citações atribuídas a Lula no livro, Mujica foi questionado sobre o assunto e respondeu: — Não. Eu jamais falei com o brasileiro sobre o mensalão. Os repórteres questionaram, então, o conteúdo do livro que ele promovia, ao lado dos autores, e Mujica emendou: — O que acontece é que eu não escrevi o livro.
Textualmente, a obra narra o seguinte trecho, com citações supostamente feitas por Mujica aos jornalistas: "" Lula não é um corrupto como Collor de Mello e outros ex-presidentes brasileiros", disse-nos Mujica, ao falar do caso. Ele contou, além disso, que Lula viveu todo esse episódio com angústia e com um pouco de culpa. "Neste mundo tive que lidar com muitas coisas imorais, chantagens", disse Lula, aflito, a Mujica e Astori, semanas antes de eles assumirem o governo do Uruguai. "Essa era a única forma de governar o Brasil", se justificou. Os dois tinham ido visitá-lo em Brasília, e Lula sentiu a necessidade de esclarecer a situação".
"Questões de interpretação"
Na manhã de ontem, Danza disse ao site G1 que Lula não se referia ao mensalão. Imediatamente, o Instituto Lula divulgou nota usando esta entrevista para negar a reportagem do GLOBO. Logo depois, em entrevista ao site da "Veja" , Danza, porém, reafirmou o que havia dito ao GLOBO na quinta-feira : que, conforme escreveu em seu livro, Lula "não usou especificamente a expressão mensalão" , ao f alar s obre "coisas imorais, chantagens", mas que "p ara Mujic a ficou claro que ele estava se re ferindo especificamente ao mensalão".
A mesma associação — entre a frase atri buída a Lula e o escândalo do mensalão — aparece também na resenha que a revista "Búsqueda", editada por Danza, publicou na edição que chegou às bancas anteontem. Intitulado "Lula : el mensalão era la única forma de gobernar Brasil", o texto traz alguns trechos da obra, entre eles, aquele em que Mujica relata a posição de Lula sobre o escândalo revelado em 2005.
Ontem, por telefone ao GLOBO, os dois autores da biografia disseram que não desmentem "uma vírgula do livro" , mas que existem "questões de interpretação". — O que está no livro é o que está no livro, o que disse Mujica é o que disse Mujica — afirmou Tulbovitz. A apresentação do já controverso livro na sede da prefeitura de Montevidéu aconteceu em meio à for te repercussão do caso. Jornalistas locais disseram que os autores do livro são muito ligados a Mujica, fato confirmado por ele s em entrevistas anteriores.
Trecho
"Neste mundo tive que lidar com muitas coisas imorais"
Ele contou, além disso, que Lula viveu todo esse episódio (mensalão) com angústia e com um pouco de culpa. "Neste mundo tive que lidar com muitas coisas imorais, chantagens", disse Lula, aflito, a Mujica e Astori, semanas antes de eles assumirem o governo do Uruguai. "Essa era a única forma de governar o Brasil", se justificou. Os dois tinham ido visitá-lo em Brasília, e Lula sentiu a necessidade de esclarecer a situação.
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