Cabe tradicionalmente ao chefe de Estado brasileiro fazer o pronunciamento anual de abertura da Assembleia-Geral da ONU e, para cumprir essa função cerimonial, Dilma Rousseff partiu para Nova York, deixando aqui sua viola em cacos. Fica adiada então para a próxima semana, na hipótese otimista, o anúncio da tão alardeada reforma ministerial que a presidente prometeu para cortar gastos do governo, mas que só vai servir mesmo – se servir para alguma coisa – para afastar dela o cálice do impeachment.
Essa encruada reforma ministerial já começou mal, com a promessa do corte de 10 Ministérios de um enxundioso elenco de 39. Pura peta. Metade desses “cortes” será o resultado da subtração do título de ministro que hoje ostentam seus titulares. Dilma pretende também reunir em uma só pasta três Secretarias com status de Ministério – duas criadas por Lula sob medida para atender a clientela petista: Secretaria para Políticas das Mulheres e Secretaria para Políticas de Promoção da Igualdade Racial, além da Secretaria de Direitos Humanos, criada no governo FHC. As três formarão o Ministério da Cidadania, mas o cidadão que paga impostos e não rouba a Petrobrás continuará sem ter a quem perguntar quem é essa gente que, devendo por ofício cuidar dos interesses gerais, leva semanas em profundos conciliábulos para, afinal, tirar da cartola uma reforminha que não leva a nada.
O pior, porém, é o que Dilma se dispõe a fazer à pasta que lida com a questão que encabeça a lista das reivindicações sociais – a da Saúde – e que até por isso tem o maior orçamento do Executivo. Atualmente sob o comando de um quadro do PT, o Ministério da Saúde foi oferecido pela chefe do governo à bancada do PMDB na Câmara dos Deputados. Os peemedebistas indicaram Manoel Júnior (PMDB-PB), que, embora médico, nada tem no currículo que o recomende para o cargo. Como muitos de seus predecessores, preenche com perfeição, no entanto, os pré-requisitos do toma lá dá cá implícitos no espírito da coisa. Se aceitar a indicação, Dilma terá de engolir a seco recentes declarações do indicado a favor de sua renúncia e de críticas ao programa Mais Médicos, o grande destaque na vitrine do Ministério.
A tentativa desesperada de Dilma de recorrer ao baixo clero do PMDB para se safar do impeachment – garantia que está longe de existir – ilustra à perfeição a opinião manifestada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista à Folha de S.Paulo, de que a presidente pode “ficar marcada como quem vendeu a alma ao diabo para governar”. Afirmou FHC: “Agora, ofereceu cinco Ministérios ao PMDB. Vai governar como? Não vai. Vai ser governada”.
É compreensível, embora repugnante, que os peemedebistas procurem explorar a enorme crise em que o País está mergulhado e a fraqueza política de Dilma para levar vantagem. Essa é uma atitude perfeitamente compatível com a vocação governista que nos últimos tempos move o partido que já foi uma frente de luta para a restauração das liberdades políticas. O PMDB lamentavelmente – e tiradas as exceções de praxe e cada vez menos numerosas – não passa hoje de uma frente de aproveitadores do poder.
Muito pior, porém, é Dilma ser traída por seu próprio partido, que cinicamente emite notas oficiais de apoio às medidas governamentais de austeridade para promover o ajuste fiscal e na ação política do dia a dia condena aquela política e pede a cabeça de auxiliares da chefe do governo. Na quinta-feira o próprio líder da bancada petista na Câmara, Sibá Machado (AC), pedia a demissão dos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Joaquim Levy (Fazenda) e José Eduardo Cardozo (Justiça). Dizia falar em nome da ala majoritária do PT, a Construindo um Novo Brasil (CNB), cujo principal líder é ninguém menos do que Luiz Inácio Lula da Silva.
Diante desse cenário político que, dependendo do ângulo do qual é visto, varia do pastelão à tragédia grega, o Palácio do Planalto ainda se expõe ao ridículo de, em nota, justificar o adiamento do anúncio da reforma ministerial pelo fato de que alguns aliados haviam pedido mais tempo para fazer “consultas internas” e que com eles a presidente da República, naquele momento a caminho de Nova York, vem “efetivando proveitoso diálogo”. Que diálogo? E proveitoso para quem?
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