Mario cesar Carvalho – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - O ex-presidente Lula "mentiu" ao afirmar que comprou cotas de um apartamento no Guarujá, segundo Marcos Sergio Migliaccio, conselheiro da Associação das Vítimas da Bancoop. Segundo ele, não existia venda de cotas no condomínio Solaris, na praia de Astúrias, mas sim de apartamentos.
O Instituto Lula repete desde o ano passado que o ex-presidente comprara cotas do empreendimento.
"Não existe esse papo de cota. Isso é mentira. A Bancoop vendia apartamentos, com o andar e a unidade especificados", afirma Migliaccio, que é técnico em eletrônica.
O promotor José Carlos Blat, autor de uma acusação contra a Bancoop que tramita na Justiça, reafirma que não viu nenhum caso de compra de cotas no empreendimento do Guarujá.
Cotas é um sistema usado em consórcios, no qual o comprador adquire um certo bem em parcelas, e um sorteio define o bem que caberá a ele. Segundo Migliaccio, a Bancoop só usou esse sistema de cotas até 1998, 1999.
O apartamento no Guarujá foi comprado em 2005 por Lula e aparece na declaração de imposto de renda do ex-presidente do ano seguinte, com o valor de R$ R$ 47.695,38 e a seguinte especificação: "Participação em Cooperativa Habitacional (apartamento em construção no Guarujá, São Paulo)". Á época, o valor já havia sido quitado, segundo a declaração.
O apartamento que moradores e funcionários do condomínio Solaris apontam como sendo de Lula é um tríplex, com 297 m² e vista para o mar, cujo preço oscila entre R$ 1,5 milhão e R$ 1,8 milhão, segundo imobiliárias do Guarujá. O Instituto Lula nega que o ex-presidente tenha sido dono do empreendimento.
Há outra incongruência nas alegações da família Lula sobre o imóvel, ainda de acordo com o conselheiro da associação. Quando a Bancoop repassou o empreendimento para a OAS, em 2009, a empreiteira deu duas opçãos aos cooperados: eles podiam pedir o dinheiro de volta ou investir mais no apartamento, que precisava ser finalizado, agora pagando para a OAS.
O Instituto Lula emitiu uma nota em dezembro do ano afirmando que dona Marisa, a mulher de Lula, "não optou por nenhuma destas alternativas, esperando a solução da totalidade dos casos dos cooperados do empreendimento".
"Essa opção simplesmente não existia", afirma Migliaccio, levantando a hipótese de que essa alternativa foi "uma bondade" da OAS, que reformou o tríplex ao custo de R$ 770 mil, segundo a empresa que fez o serviço, a Talento Construtora.
Em nota, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse o seguinte: "Toda cooperativa funciona por meio de cotas, conforme uma lei que vale para todo o País. No caso das cooperativas habitacionais, como a Bancoop, os associados se reúnem para realizar projetos residenciais com custo mais baixo. Ao final da obra, cada cota passa a equivaler a uma unidade, que pode ou não estar predefinida".
Ainda segundo Martins, "qualquer que seja o nome que se dê a este sistema, o fato é que o ex-presidente Lula e sua família nunca foram proprietários de um apartamento tríplex no Edifício Solaris, porque optaram por pedir a devolução do dinheiro investido no projeto".
A reportagem não conseguiu contato com os advogados da OAS até este momento para comentar por que dona Marisa não precisou optar pelas duas alternativas que a empreiteira oferecera em 2009.
Prejuízo de R$ 100 mi
Criada em 1996 pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, a Bancoop já foi alvo de CPI e seus diretores são réus em uma ação movida pelo Ministério Público de São Paulo, sob acusação de estelionato, formação de quadrilha, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
A denúncia oferecida por Blat foi aceita pela Justiça em 2010. João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT que já condenado pela Operação Lava Jato a 15 anos de prisão, é um dos réus da ação. Ele tornou-se presidente da Bancoop em 2006, após ter sido diretor financeiro em anos anteriores.
Dos 56 empreendimentos feitos pela cooperativa, oito não foram concluídos, de acordo com a associação das vítimas, entre os quais o condomínio do Guarujá, que tem duas torres.
O promotor diz que as vítimas da Bancoop somam mais de 3.000 famílias e que o prejuízo causado atinge R$ 100 milhões.
O conselheiro da associação das vítimas afirma que não é coincidência que a crise da Bancoop tenha começado em 2006, quando Vaccari foi eleito presidente. Foi a partir daí que ficou claro que a cooperativa era má gerida e operava desvios que alimentaram o PT, segundo o Ministério Público.
Segundo a promotoria, não é possível calcular o valor dos desvios que teriam beneficiado o PT porque havia saques em dinheiro num caixa eletrônico que ficava dentro da cooperativa.
"Tem pagamento da Bancoop para centro espírita, para pesque-e-pague e empresas de fachada. Não tenho a menor dúvida de que tudo isso é desvio", afirma Blat.
O advogado de Vaccari, Luiz Flávio D´Urso, negou no curso da ação que seu cliente tenha participado de desvios.
O PT diz que todas as doações que recebe são legais e declaradas à Justiça Eleitoral.
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